Diga e
pense o que quiser a respeito do chefe da Igreja Católica, e discorde de todos
os pontos que ele defende. Ainda assim é
inescapável o fato de que ele representa uma voz de genuína autoridade moral em
meio a uma cultura política totalmente pútrida e carente de genuínos
porta-vozes da verdade.
E é por
isso que é extremamente patético e repugnante ver sórdidas figuras políticas se
esmerando para aparecer ao lado do sumo pontífice em cerimônias especiais,
fazendo discursos e poses para fotos ao lado de um líder que impõe um respeito
natural, respeito este que nenhum político ou chefe de estado usufrui.
Mas não
deixa de ser divertido ver políticos, sempre tão acostumados a ser o alvo das
pompas, subitamente terem de trocar de posição e se rebaixarem ao papel de
meros coadjuvantes perante um chefe de estado que, ao contrário deles, usufrui
respeito e admiração genuínos, sem que para isso tenha de fazer promessas
assistencialistas e contar mentiras populistas.
Políticos
se submetem a esse protocolo porque sabem que o papa é um dos poucos seres
humanos da terra que não podem ser ameaçados ou coagidos por nenhum governo. O papa — bem como outros líderes religiosos
— pode não ter nenhum regimento de soldados, mas ele tem algo de fazer inveja
aos políticos, para grande desespero destes: um exército de seguidores
voluntários, que o admira por aquilo que ele é, e não por aquilo que ele
promete fazer.
Estado x religião
Se levarmos
em conta a história da longa e conturbada relação entre igreja e estado, esta
atual postura submissa de políticos e chefes de estado ao líder de uma religião
é algo extraordinário, e suas implicações merecem uma exploração mais profunda.
Historicamente,
a religião sempre representou uma ameaça aos governos porque ela compete pela
lealdade dos cidadãos. A maioria dos
políticos considera que é o estado, e não Deus, o regente supremo da terra. Eles simplesmente não toleram uma visão de
mundo — uma fé — que está em contradição com a ideia de que o poder do estado
deve ser supremo e ilimitado.
A principal
razão por que a religião é um contínuo e eterno incômodo para os líderes políticos
advém do fato de que essa instituição define a autoridade moral independentemente
do poder dos governos. Todas as outras organizações da sociedade (com a
possível exceção da família) veem o estado como a fonte suprema das sanções
éticas.
Desde a
Revolução Francesa, o estado vem querendo tomar o lugar da igreja e da religião
na tarefa de arbitrador do que é certo e do que é errado na vida privada e
cívica do indivíduo. Porém, por causa de
toda a corrupção, de toda a roubalheira, de toda a extorsão tributária, de
todas as recessões e de todas as intromissões ilimitada em nossas vidas, o
estado desperdiçou toda a autoridade moral que um dia ele reivindicou para si
próprio. Por mais que ele tenha se
esforçado, o fato é que, no final, a população ainda reconhece a igreja, a
religião e várias outras entidades privadas como as genuínas merecedoras de
atenção e respeito, ao passo que a esfera política é amplamente considerada um
paraíso apenas para os salafrários e esbanjadores.
Mesmo entre
agnósticos e ateus não-ativistas, várias figuras religiosas são admiradas por
seus feitos, palavras e atitudes. Por
exemplo, Madre Teresa de Calcutá e João Paulo II representavam carismas bem
distintos dentro da tradição cristã: ela passou sua vida servindo aos mais
pobres da humanidade com humildade e desprendimento; ele proclamou o evangelho
desde sua eminente posição no topo da hierarquia católica. No entanto, ambos foram creditados como
genuínos portadores das melhores intenções, mesmo quando provavelmente estavam
errados, e eram respeitados por verbalizarem posições íntegras e probas, ainda
que várias vezes impopulares, sobre os assuntos mais prementes da atualidade.
Qual figura
política atual consegue exalar naturalmente o mesmo tipo de deferência e
respeito? Por acaso, o cidadão comum
possui uma profunda ternura e afeição a algum político, mesmo aquele em quem
ele votou? Pense nos líderes políticos
de hoje, tanto aqueles que ocupam cargos para os quais foram eleitos quanto
aqueles que meramente foram nomeados para funções burocráticas. Há algum cuja morte geraria uma efusão em
massa de pesar e tristeza, mesmo entre seus não-eleitores?
Esta
realidade se deve, em parte, à ideia — hoje já totalmente arraigada — de que
líderes políticos não são guiados por boas intenções, e nem muito menos por uma
genuína convicção moral de fazer o que é certo, mas sim por interesses
próprios. São os votos, as propinas e os
lobbies que azeitam as engrenagens da máquina estatal, e todos sabem
disso. Não importa se de direita, de
esquerda ou de centro: políticos são ávidos em satisfazer apenas os desejos dos
grupos de interesses que os apóiam e financiam sua eleição, e que por isso
conseguem vários privilégios protecionistas do estado.
Em
contraste, pense naquelas instituições que estão separadas do estado, como a
família, a igreja, a religião e a classe de micros e pequenos
empreendedores. Cada uma delas é uma
instituição voluntária cuja autoridade não é impingida por meio da força, mas
sim conseguida por meio do consentimento.
Nenhuma destas instituições é perfeita porque todas são formadas por
seres humanos falíveis; porém, como um todo, elas conseguem obter nosso
respeito e atenção, e exercem mais influência sobre a cultura de uma sociedade
do que o setor político e suas ramificações na mídia e nas universidades.
E é
exatamente por isso que políticos, intelectuais a soldo de políticos, artistas
e demais grupos organizados se dedicam diariamente a demonizar todas essas
classes. Só que esta tática de
demonização não é de modo algum inédita na seara da política. Durante séculos, o estado vem tentando fazer
isso com a igreja, caluniando a voz moral da religião como algo hipócrita e
potencialmente tirânico. O estado atual
assumiu funções que, para serem de fato executadas, necessitariam de atributos
que outrora eram vistos como pertencentes exclusivamente a Deus, dentre eles a
onisciência e a onipotência.
Progressistas e conservadores contra a
igreja
As posições
imutáveis e inflexíveis da igreja geram incômodos a ambos os lados do espectro
ideológico, de progressistas a conservadores.
João Paulo II, por exemplo, foi violentamente atacado pelos
neoconservadores americanos por ter se pronunciado de forma veemente contra a
invasão do Iraque. Um deles chegou a
fazer a vergonhosa insinuação de que o papa era inimigo dos EUA simplesmente
porque ele não apoiava essa campanha de agressão ao Oriente Médio. A verdade é que o pontífice jamais ignoraria
a inerente contradição entre ser pró-vida e pró-guerra, e tampouco iria
distorcer a doutrina católica da 'guerra justa' apenas para apoiar o ataque a
uma nação que claramente não representava perigo algum aos EUA. Os conservadores não perdoaram isso. Os eventos de 11 de setembro não mudaram as
leis morais, e o papa entendia que assassinato ainda era assassinato.
Já os
progressistas e demais adeptos do secularismo — dentre eles vários políticos
— atacam a igreja e a figura do papa sempre que seus pronunciamentos
teológicos vão contra a sua agenda. Eles
rotineiramente criticam — e de forma violenta — as posições da igreja em
relação ao aborto, à eutanásia, ao casamento gay, ao feminismo e aos métodos
contraceptivos. Eles simplesmente não
entendem que o catolicismo, como todas as religiões, possui regras que não
podem simplesmente ser descartadas para satisfazer os modismos culturais da
época. Eles veem a igreja e a religião
como um obstáculo à sociedade plenamente secular que sonham em criar — tendo o
estado como o agente desta revolução cultural.
Ambos os
espectros ideológicos não entendem que as posições da igreja e do papa são
teológicas, e não políticas. Eles não
aceitam que haja pessoas que colocam a obediência a Deus acima da obediência ao
estado. O papa é um homem a serviço de
Deus, e não um político a serviço de agendas partidárias. Sua função é manter inalterada a já
estabelecida e consagrada doutrina católica, e não atender a caprichos de
políticos. Sua missão é salvar almas e
não servir aos ditames de grupos organizados.
Para estas
pessoas, a não-subserviência do papa a nenhum governo e a nenhuma agenda
ideológica é o pecado imperdoável do líder religioso.
O estado jamais poderá substituir a
religião
Uma
evidência explícita de que estas pessoas têm o estado como religião e fazem
dele sua profissão de fé é que o mesmo julgamento rigoroso que elas direcionam ao
papa e às instituições religiosas não é aplicado ao estado.
O estado se
comprovou um fracasso em fornecer resultados minimamente satisfatórios para
qualquer pessoa tenha um comprometimento espiritual a uma genuína fé. Sua seguridade social não apenas não foi
capaz de fornecer uma segurança real, como também se mostrou uma péssima
substituta para as obrigações familiares; seu assistencialismo não elevou de
forma definitiva o padrão de vida das pessoas; os conflitos de classe criados pelo
estado — entre pagadores de impostos e consumidores de impostos — estão cada
vez mais exacerbados; e suas tentativas de gerenciar a economia geraram apenas
estagnação e desilusão.
E,
principalmente: quando mensurado por padrões mínimos de moralidade, o estado é
reprovado já em sua própria natureza.
Ele é o maior dos ladrões, o maior dos corruptores, o maior dos
corruptos, o maior dos espoliadores, a mais coercitiva das instituições, o mais
notório fraudador e falsificador de dinheiro, e o mais insolente dos
mentirosos. E, em cada um destes crimes,
o estado conta com toda uma classe de intelectuais ávida para defendê-lo,
justificá-lo e dizer que não há nada de errado nessas medidas — os mesmos
intelectuais que condenam a igreja por estar em descompasso com as "demandas da
modernidade".
O estado é
um erro em suas mais fundamentais e conspícuas formas, enquanto que a igreja e
outras organizações baseadas no consentimento e na liberdade de escolha jamais
chegaram perto do tipo de fracasso que diariamente é exibido pelo estado. Políticos e burocratas nunca estiveram tão
impopulares perante o povo, um fato que a grande mídia tenta minimizar ao dizer
que a insatisfação é apenas pontual e corrigível. E, no entanto, quando olhamos para todas as
sociedades do planeta, constatamos que o estado nunca teve tantos poderes sobre
nossas vidas como tem atualmente — poderes que a igreja jamais presumiu ter,
mesmo em seu ápice.
Como pode o
estado manter este seu maciço e espantoso poder mesmo em meio à mais ampla e
disseminada percepção de sua falência moral?
A resposta está na força: o estado aliciou a população por meio de
ardilosos esquemas confiscatórios e implantou um cuidadoso arranjo de
concessões e benefícios a grupos de interesse.
Tal arranjo é eficaz, mas é totalmente instável. E não há nenhuma grande figura política que
não saiba disso. Estou certo de que não
há um dia em que eles não se preocupem com o futuro da instituição ao qual
juraram dedicar suas vidas.
Toda a
efusão de bajulação, respeito involuntário e até mesmo inveja que os políticos
direcionam ao papa possui significados muito mais profundos do que aparentam à
primeira vista. Se você quer ver o
formato da ordem social do futuro, olhe para os homens e mulheres de fé e
coragem — prelados, empreendedores, pais, mães, intelectuais autônomos e
filantropos. É para eles, e não para a classe
corrupta de parasitas, que a história está se voltando em busca de uma genuína
liderança que mereça confiança.
Até lá,
reconfortemo-nos com o fato de que todos estes políticos sabem que jamais
receberão o mesmo tipo de adulação sincera que o povo direciona ao
pontífice.