Após
mais de duas semanas de protestos diários nas ruas, já é possível fazer uma
análise mais acurada das motivações das pessoas envolvidas nas
manifestações.
Até
o momento, há dois grupos envolvidos. Um
grupo é formado por pessoas que fazem reivindicações as mais diversas e opostas
possíveis: há desde libertários pedindo redução de impostos, livre concorrência
e desregulamentações a grupos comunistas pedindo a estatização geral do
transporte público. Há grupos que fecham
estradas pedindo a construção de viadutos, a instalação de lombadas eletrônicas
e o barateamento do sistema de transportes, e há grupos que fecham avenidas
exigindo maiores salários para professores e médicos, e mais recursos
direcionados para a saúde e a educação.
Há estudantes universitários pedindo mais bolsas e um maior valor para
as bolsas, e há professores universitários querendo que seus salários sejam
equiparados aos dos professores das "universidades de ponta". Há alienados que manifestam apenas pelo
prazer de segurar um cartaz e gritar refrãos bacanas e há espertalhões que
utilizam estes alienados para aumentar o coro em prol de suas reivindicações.
A
esmagadora maioria clama pelo "fim da corrupção" e por mais e melhores serviços
públicos, o que inclui "transporte público, gratuito e de qualidade", o que é
equivalente a um círculo triangular. E,
até o momento, a vitória tem estado majoritariamente do lado estatista: os
governadores do Rio
Grande do Sul (Tarso Genro, do PT) e de Goiás
(Marconi Perillo, do PSDB) acabam de anunciar o passe livre estudantil, o que
significa que os pobres agora pagarão pelo transporte de universitários. Já o senador Renan Calheiros, ávido por
melhorar sua reputação perante a esquerda estudantil, foi ainda mais longe e aprovou em regime de
urgência a votação da proposta de passe livre estudantil para simplesmente todo
o país. Basta o Senado aprovar e a
estrovenga estará implementada. O PLS 248/2013 "assegura gratuidade no sistema de transporte
público coletivo local a estudantes do ensino fundamental, médio ou superior
regularmente matriculados e com frequência comprovada em instituição pública ou
privada."
Antes
disso, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado já havia aprovado uma PEC
que classifica
o transporte como um "direito social".
O
outro grupo é formado por arruaceiros — que são formados por marginais
oriundos de todas as partes do país — que estão ali apenas pelo prazer de
vandalizar e destruir propriedade privada.
O ocorrido na quarta-feira passada em Belo
Horizonte foi sintomático: várias concessionárias de veículos foram
saqueadas, incendiadas e completamente depredadas, levando a uma perda total de
estoques. Uma revendedora de motos foi
invadida e, não conseguindo roubar as motos, os arruaceiros optaram por
incendiá-las nas ruas. (Veja as imagens a partir do
marco 2:00). Em Porto
Alegre, além de dois prédios públicos, dois prédios residenciais, nove
agências bancárias e 21 lojas foram depredadas e saqueadas, e 20 contêineres de
lixo foram virados e incendiados. Atos
semelhantes ocorreram nas manifestações de todas as capitais do país.
Quanto
a este segundo grupo, não há nenhuma controvérsia sobre o que deve ser
feito. Dado que o governo existe e dado
que ele é uma instituição que detém o monopólio da violência, então sua função
precípua é utilizar esta violência para defender o indivíduo e a propriedade privada
de ataques violentos. Logo, a polícia
deve ser completamente liberada para ministrar punição instantânea a estes
arruaceiros. Mas isso não irá ocorrer
porque nossa Constituição socialista não considera que danos à propriedade
privada sejam crimes sequer dignos de encarceramento. No Brasil, se você vandalizar um carro ou
destruir uma agência bancária ou uma concessionária de veículos o máximo que
irá lhe ocorrer será a prestação de serviços comunitários ou o pagamento de
algumas cestas básicas. Já a depredação
de patrimônio público recebe uma punição mais severa e o arruaceiro de fato
pode ir para a cadeia. Tal inversão de
valores é digna de países de mentalidade coletivista. A devoção à inviolabilidade da pessoa e da
propriedade privada não faz parte do nosso sistema de valores.
Os motivos das manifestações
Mas
a intenção deste artigo não é se concentrar nos arruaceiros, mas sim nos motivos
que levaram as pessoas às ruas para fazer reivindicações. E o fato é que quem acompanha nossos artigos sobre a economia
brasileira aqui no IMB não deveria estar surpreso com as reivindicações,
mesmo com aquelas que involuntariamente clamam por mais estado. Tudo está ocorrendo exatamente como explica a
teoria dos ciclos econômicos.
Há
duas grandes motivações que estão levando as pessoas às ruas: uma é de cunho
econômico e a outra é de cunho emocional.
Só que ambas são interligadas.
O
período que vai de 2007 até meados de 2011 foi mágico para a economia
brasileira. Mesmo a recessão de 2009 —
que foi curta pelos motivos explicados aqui — não abalou em
nada a confiança do brasileiro de que o futuro finalmente havia chegado, que o
país deixaria de ser uma eterna promessa, e que o gigante finalmente estava
desperto.
Ledo
engano. Tudo não passava de um truque
possibilitado pela expansão artificial do crédito, algo com o qual o brasileiro
ainda não estava acostumado. A expansão
artificial do crédito não gera prosperidade, mas sim uma enganosa aparência de
pujança.
No
nosso atual sistema monetário e bancário, quando uma pessoa ou empresa pega
empréstimo, os bancos criam dinheiro do nada (na verdade, meros dígitos
eletrônicos), emprestam este dinheiro e cobram juros sobre eles. Ou seja, todo esse processo de expansão de
crédito nada mais é do que um mecanismo que aumenta a
quantidade de dinheiro na economia. Esse aumento da quantidade de dinheiro na
economia faz com que, no primeiro momento, haja uma grande sensação de
prosperidade. A renda nominal aumenta,
os investimentos aumentam, o consumo aumenta e o desemprego cai.
A
sensação vivenciada pelas pessoas durante essa fase de prosperidade artificial
é maravilhosa: a renda nominal das pessoas cresce anualmente; investidores se
animam ao ver que o valor de suas ações cresce diariamente; as indústrias de
bens de consumo conseguem vender tudo que põem no mercado e a preços
crescentes; os estoques das empresas são prontamente vendidos; apartamentos são
vendidos ainda na planta; novos empreendimentos são continuamente iniciados; carros
zero são vendidos aceleradamente; novos restaurantes e novas lojas são
inaugurados diariamente; os preços e os lucros sobem mensalmente; trabalhadores
encontram empregos a salários nominais cada vez maiores; restaurantes estão
sempre cheios e com longas listas de espera apenas para arrumarem uma mesa;
trabalhadores e seus sindicatos veem o quão desesperadoramente empresários
estão demandando seus serviços em um ambiente de pleno emprego, aumentos
salariais e (nos países mais ricos) imigração; líderes políticos se beneficiam
daquilo que parece ser uma economia excepcionalmente boa, a qual eles venderão
ao eleitorado como resultado direto de sua liderança e de suas boas políticas
econômicas; burocratas responsáveis pelo orçamento do governo ficam
impressionados ao descobrir que, a cada ano, a receita está aumentando em
cifras de dois dígitos.
Porém,
tal arranjo não pode durar. Há uma enorme descoordenação entre o
comportamento dos consumidores e dos investidores. Os consumidores seguem
consumindo sem a necessidade de poupar, pois a quantidade de dinheiro na
economia aumenta continuamente, o que torna desnecessária qualquer abstenção do
consumo. E os investidores seguem aumentando seus investimentos, os quais
são totalmente financiados pela criação artificial de dinheiro virtual feita
pelos bancos e não pela poupança genuína dos cidadãos. Tal arranjo é
completamente instável. Trata-se apenas de uma ilusão de que todos podem
obter o que quiserem sem qualquer sacrifício prévio.
No
Brasil, os indivíduos intensificaram seu endividamento para poder consumir, na
crença de que a expansão do crédito continuaria farta e que sua renda futura
continuaria aumentando, o que facilitaria a quitação destas dívidas. Já
as empresas embarcaram em investimentos de longo prazo estimuladas tanto pela
expansão monetária coordenada pelo Banco Central (o que fez com que os
investimentos se tornassem mais financeiramente viáveis) quanto pela
expectativa de que o aumento futuro da renda possibilitaria o consumo dos
produtos criados pelos seus investimentos.
No
entanto, este aumento do endividamento também trouxe um aumento nos calotes, o
que deixou os bancos mais cautelosos em continuarem expandindo o crédito. E os bancos estarem mais cautelosos significa
menor expansão da quantidade de dinheiro na economia (como mostram os gráficos deste artigo). Consequentemente, a taxa de crescimento da
quantidade de dinheiro na economia brasileira começou a desacelerar, o que
levou a uma estagnação da renda nominal das pessoas. Isso fez com que o modelo de crescimento
baseado na simples expansão do crédito se esgotasse.
No
entanto, os preços continuaram subindo, tanto em decorrência de toda a expansão
monetária que já havia ocorrido quanto pela súbita desvalorização da taxa de
câmbio ocorrida em 2012 e intensificada agora em 2013, o que tornou as
importações mais caras e as exportações mais atraentes. Uma combinação entre menos importações e mais
exportações reduz a oferta de bens no mercado interno, o que gera uma pressão
nos preços destes bens.
Esse
arranjo que combina renda nominal estagnada, preços em contínua ascensão e endividamento
(e inadimplência) em alta está gerando não apenas uma enorme sensação de aperto
financeiro nos brasileiros, como também trouxe uma grande frustração a estas
pessoas. Aquela economia que outrora
parecia invejável e rumo a um futuro auspicioso repentinamente estagnou-se,
perdeu todo o seu brilho e, agora sem essa camuflagem, explicitou toda a sua
realidade: infraestrutura caótica, serviços públicos marfinenses, inflação de
preços sempre acima da meta do Banco Central (meta esta que já é alta até mesmo
entre países em desenvolvimento), endividamento crescente, renda estagnada e
famílias cujos salários mal chegam ao final do mês.
Um
perfeito exemplo de como uma expansão econômica artificial mexe com o
psicológico e com o senso de realidade das pessoas nos foi fornecido por esta
capa da revista IstoÉ, de 6 de janeiro de 2010, na qual o hebdomadário dizia
que já éramos uma potência:
Segundo
a reportagem:
"O Brasil está conseguindo o raro feito de extrair opiniões
quase unânimes mundo afora. São poucos, pouquíssimos, os economistas que ousam
discordar de que o País entrou em um ciclo de desenvolvimento sustentado. E
mais: são ainda mais raros aqueles que duvidam da capacidade de o Brasil se
tornar uma das maiores potências econômicas do planeta em um par de dezena de
anos."
Dentre
os "poucos, pouquíssimos, economistas que ousam discordar de que o País entrou
em um ciclo de desenvolvimento sustentado" certamente estão os economistas
deste site, que ainda em 2010 alertavam que tudo era infundado.
É
claro que, após ter sido bombardeado por inúmeras notícias como essa durante
quase 3 anos, é natural que o brasileiro médio hoje se sinta deprimido, e até
mesmo revoltado, ao constatar que foi enganado e que a economia pujante que lhe
haviam prometido nada mais era do que um conto de fadas. Ludwig von Mises explicou bem este componente
emocional em suas obras. As pessoas se
acostumam a um padrão de vida crescente durante a fase da expansão econômica
artificial e, mais tarde, quando a nova realidade se impõe avassaladoramente,
elas se recusam a aceitar que tudo não havia passado de uma gostosa mentira,
pois imaginavam que aquela fase próspera realmente representava um novo e
definitivo padrão. Os países da Europa
mediterrânea estão vivenciando o mesmo fenômeno.
Aturar
corrupção, uma infraestrutura caótica e serviços públicos moçambicanos é relativamente
fácil quando se está com a renda crescendo mais que os preços e com a
capacidade de consumo em
alta. Porém, tão logo
esses indicadores se invertem e o endividamento teima em não cair, a depressiva
realidade se impõe e resta ao cidadão ir protestar nas ruas clamando por
medidas que arrefeçam sua situação.
Ninguém vai às ruas protestar contra a corrupção ou para exigir
melhorias na saúde, na educação e nos demais serviços públicos quando a economia
está com bons indicadores, a capacidade de consumo está em alta e o dinheiro
chega até o final do mês. No entanto,
basta esses indicadores piorarem, que todo o esforço de mobilização se torna
mais fácil. Ou será que alguém acredita
que Collor caiu por causa de um Fiat Elba?
A
verdade é que o povo brasileiro queria crédito farto a juros baixos para
comprar imóveis, carros, motos, televisores e outros eletrodomésticos. Conseguiu.
Queria que o governo expandisse continuamente seus gastos para, dentre
outras coisas, aumentar as contratações para o setor público, que é o objetivo
de vida de vários integrantes da classe média.
Conseguiu. Queria que o governo
protegesse a indústria nacional e seus empregos aumentando as alíquotas de
importação de praticamente
todos os produtos estrangeiros (chegando ao ponto de organizar operações ao
estilo da Stasi nos aeroportos, abrindo malas e confiscando até mesmo as roupas
que os brasileiros compravam no exterior).
Conseguiu. Aceitou que o governo
utilizasse o BNDES para conceder empréstimos subsidiados para grandes empresas,
as quais iriam se transformar em "campeãs mundiais". E defendeu quando o governo obrigou todas as
grandes empresas do país a produzir utilizando uma determinada porcentagem de
insumos fabricados no Brasil, o que deu a estes fabricantes a capacidade de
aumentar seus preços sem sofrer concorrência.
O
povo aprovou tudo isso, mas estranhamente não quer arcar com as consequências
destas políticas, que são o aumento da inflação e do endividamento, a
estagnação da renda, e a perpetuação da ineficiência. E não apenas não quer arcar, como está
pedindo mais ação justamente do ente que causou tudo isso. Trata-se de um exemplo clássico de um povo
que não sabe estabelecer uma relação de causa e efeito.
Conclusão
Como
já explicou o economista Gary
North, a maioria dos protestos de rua tem uma mesma característica: uma
hora eles acabam. É impossível manter
protestos maciços como estes que estamos vivenciando por um longo período de
tempo. Ou os manifestantes se cansam e
perdem a motivação, ou as autoridades se tornam mais bem organizadas e passam a
reprimir com mais vigor. Mas há também
uma pequena chance de as coisas irem para o lado oposto. Logo, quando demonstrações como essa começam
a ocorrer, ou elas se enfraquecem e desaparecem ou elas se agravam e acabam
derrubando o governo.
Para
o governo, a melhor estratégia é continuar prometendo reformas. Se o povo engolir as promessas, as
manifestações irão acabar. Mas essa
estratégia é um tanto arriscada, pois pode ser que as manifestações ganhem
novos adeptos, se espalhem por todo o país e cheguem a um ponto em que a própria
legitimidade do governo é colocada em xeque. Neste
ponto, como é de praxe na América Latina, pode ocorrer um golpe de estado. O governo é derrubado e uma junta militar
assume o controle.
Uma
coisa boa que poderia advir destes protestos seria se eles solapassem a
confiança e a esperança que o povo brasileiro deposita no estado. Se eles erodissem a santidade do governo, se
eles explicitassem a incompetência do governo e fizessem com que as pessoas
finalmente entendessem a verdadeira natureza do governo, já teriam feito algo
positivo. Qualquer coisa que enfraqueça
a crença no estado, e que não recorra à violência, é positiva. Se uma geração de jovens entender que não
deve depositar no governo suas esperanças de uma vida melhor, então as
manifestações terão gerado resultados positivos. Para que isso ocorra, é essencial que grupos
pró-liberdade e pró- livre mercado se aproveitem desta oportunidade para
difundir a mensagem de que menos governo e menos burocracia geram mais
liberdade e mais prosperidade. Isso sim
poderia gerar efeitos positivos.
Mas
não tenho muitas esperanças quanto a isso.
No geral, estes manifestantes são impermeáveis à lógica e estão
defendendo apenas mais espoliação e mais verbas para políticos e sindicatos,
ainda que não entendam que é isso que eles estão fazendo.
O
fato é que, com a renda estagnada, com a inflação de preços em teimosa alta, com
o endividamento e a inadimplência em níveis inauditos, e com o real se
esfacelando perante o euro e o dólar, encarecendo sobremaneira as importações
de insumos básicos e diminuindo nosso padrão de vida — exatamente como queriam
o Banco Central e o Ministério da Fazenda —, há um risco real de o caldo
entornar e a situação ficar realmente fora do controle.
Estamos vivenciando exatamente aquilo que ocorre quando se entrega o comando da
economia a pessoas que não têm a capacidade de gerenciar nem sequer uma carroça
de pipoca. A democracia e o apelo das massas — exatamente o arranjo que
todo mundo venera — levaram a isso. Não
há por que reclamar e nem há o que se estranhar.