Para
uma economia ser desenvolvida e funcionar bem, ela tem de ter uma
infraestrutura de qualidade. É uma
infraestrutura de qualidade que irá facilitar o fluxo de bens, de pessoas, de
informação e de energia. É uma
infraestrutura de qualidade que permitirá o escoamento da produção, fazendo com
que oferta e demanda estejam sempre no mesmo compasso. Consequentemente, portos, estradas, pontes,
ferrovias, aeroportos, redes de comunicação, linhas de transmissão de energia, sistemas
de fornecimento e distribuição de água, gás encanado, metrô e vários outros
sistemas de infraestrutura representam insumos essenciais para uma
economia.
Uma
infraestrutura ruim — tanto em termos de quantidade quanto em termos de qualidade
— não somente aumenta os custos da produção e da distribuição, mas também pode
literalmente deixar uma economia de joelhos.
Grandes economias como Índia, Brasil e várias nações da Ásia e da
América Latina têm sido severamente afetadas por sua pobre infraestrutura, que
é majoritariamente gerida pelo estado.
Mesmo
a nação mais rica do mundo tem problemas de infraestrutura. Nos EUA, por exemplo, o número de veículos
dobrou desde 1980, mas a capacidade viária total do país aumentou apenas 6%. O resultado foi um dramático aumento dos
custos gerados pelos congestionamentos (tempo perdido, combustível extra etc.).
Em
todo o mundo, os gastos com manutenção e com investimentos em infraestrutura
são de 2% do PIB. Europa e Ásia gastam
mais (quase 7% do PIB) e a América Latina e o Caribe gastam menos (3,02% do
PIB). Países ricos podem se dar ao luxo
de direcionar mais recursos para infraestrutura do que países pobres, que
direcionam seus gastos (ineficientes, como todos os gastos do governo) para
outras prioridades.

O
que nos leva a uma pergunta crítica: a infraestrutura deve ser ofertada e
gerenciada pelo setor público ou pelo setor privado?
Adam
Smith já havia respondido a esta pergunta em seu livro A Riqueza das Nações (1776).
Ele concluiu que: "Não há personagens mais incompatíveis do que o
comerciante e o soberano", uma vez que as pessoas são mais esbanjadoras e
imprevidentes com a riqueza dos outros do que com a riqueza própria.
Ele
acreditava que a propriedade e a gerência estatais eram negligentes e
dispendiosas porque burocratas e funcionários públicos não possuem um interesse
direto no resultado comercial de suas ações.
Análises
comparativas dos custos do fornecimento privado e do fornecimento público de
bens e serviços dão suporte à conclusão de que empresas privadas são mais
eficazes — tanto em termos de custos quanto em termos de qualidade — do que
empresas estatais. E evidências consideráveis
sugerem que o custo estatal incorrido pelo fornecimento de uma determinada
quantidade e qualidade de serviço é aproximadamente duas vezes maior do que o
fornecimento privado. Este resultado
ocorre com tamanha frequência, que acabou dando origem a uma regra empírica: "a
regra burocrática do dois". Tudo custa duas vezes mais quando fornecido pelo
estado.
A
privatização da infraestrutura, no entanto, pode levar a um problema: como
introduzir e manter a concorrência na área privatizada. Economistas neoclássicos argumentam que
projetos de infraestrutura possuem a característica do monopólio natural, de
modo que a privatização destes setores traria um problema de falta de
concorrência. Já economistas austríacos
são desconfiados da própria tese de que existe de fato algo chamado
monopólio natural.
É
claro que todos os economistas liberais defendem que a iniciativa privada possa
construir e gerir serviços de infraestrutura; porém, infelizmente, tal
realidade nem sempre é exequível.
Afinal, dado que a infraestrutura já existe e foi majoritariamente
construída pelo estado, seria desarrazoado imaginar que empresas privadas
poderiam, em pé de igualdade, construir sua própria infraestrutura para concorrer
em condições de igualdade com o estado.
Dado que rodovias, portos, aeroportos, metrô, linhas de transmissão e
sistemas de fornecimento e distribuição de água já existem, não faz sentido
imaginar empresas privadas construindo sistemas paralelos para concorrer com o
estado. O custo de se abrir uma nova
estrada, um novo aeroporto, um novo porto ou um novo sistema de fornecimento e
distribuição de água para concorrer com um já existente seria absolutamente
proibitivo.
(É
claro que tal alternativa não pode jamais ser proibida. Sempre que uma empresa privada quiser
construir seu próprio porto, seu próprio aeroporto, sua própria estrada, seu
próprio metrô, seu próprio sistema de distribuição de água etc. ela deve ser
perfeitamente livre para tal — e, neste caso, também deve ser perfeitamente
livre para cobrar os preços que quiser).
Sendo
assim, seria mais prático e realista concentrarmo-nos em como melhorar a
infraestrutura já existente. E isso
envolve retirar do estado e entregar ao setor privado a gerência destes
serviços. Só que, neste cenário, mesmo
que não haja nenhuma barreira artificial à concorrência, é muito provável que a
empresa privada para a qual o serviço for entregue não terá concorrência, pois,
por uma questão de economias
de escala, uma única empresa pode fornecer serviços de infraestrutura de
forma mais barata do que várias empresas (múltiplos portos, aeroportos,
rodovias, pontes, metrôs e sistema de fornecimento e distribuição de água na
"mesma" localidade não são economicamente viáveis).
Os
oponentes da infraestrutura fornecida pelo setor privado são rápidos em apontar
justamente para este fantasma do monopólio natural, utilizando-o para
justificar a necessidade de que apenas o estado esteja neste setor.
Felizmente,
há uma maneira de solucionar este impasse.
Há uma maneira de contornar a questão do monopólio natural e introduzir
concorrência no fornecimento privado de serviços de infraestrutura.
E
tal maneira envolve um sistema de licitação competitiva no qual uma empresa
privada irá adquirir a concessão de uma determinada infraestrutura. Embora a concorrência prática dentro de um
mercado possa ser impossível, os benefícios gerados pela concorrência naquele
mercado podem ser alcançáveis.
Enquanto
houver um vigoroso processo de licitação pela concessão de uma infraestrutura,
o melhor dos dois mundos será possível: não haverá desperdício de recursos com
a duplicação de estruturas (algo que seria supérfluo e desnecessário) e os
preços cobrados serão competitivos. Em
teoria, tal sistema pode garantir que os incentivos benéficos normalmente
associados à gerência privada de uma empresa (por exemplo, o fato de que
proprietários privados terão interesse em controlar custos e aprimorar a
eficiência como forma de maximizar seus lucros) estarão presentes.
Como funciona?
O
segredo para um processo de licitação competitiva é o seguinte: a licitação
para a concessão de um serviço de infraestrutura não deve ser em termos de uma
soma de dinheiro a ser paga pelo direito de explorar a concessão, mas sim em termos
dos preços que o vencedor da concessão irá cobrar e dos serviços que irá
ofertar ao público em troca do privilégio de ser o ofertante exclusivo.
Se
a concessão fosse meramente entregue ao licitante que ofertasse o maior preço
por esse direito exclusivo, a própria concorrência entre as empresas iria jogar
o valor dos lances no leilão para uma soma igual ao valor presente dos lucros
futuros esperados para este mercado. E,
vale lembrar, os lucros futuros esperados seriam lucros de monopólio.
Tal
processo de licitação iria apenas transferir os lucros monopolistas do vencedor
da concessão para o governo. E, no
final, os consumidores ainda pagariam preços monopolistas pelos serviços.
Em
vez disso, um leilão deve ser feito de maneira que a concessão seja entregue ao
licitante que prometer a melhor combinação entre preço e qualidade para os
consumidores. Neste caso, a concorrência
iria derrubar os preços cobrados pelos serviços. Para cada nível de qualidade exigido haveria
um preço. E este seria sempre o menor
possível.
No
entanto, a teoria nem sempre vira realidade.
Com efeito, vários estudiosos do assunto já manifestaram suas ressalvas
quanto a este processo de licitação. Uma
das preocupações está relacionada ao próprio formato do processo.
Selecionar
um vencedor (isto é, determinar uma estrutura ótima de preços e de combinação
de serviços) pode ser algo extremamente complexo e subjetivo, e não há nenhuma
garantia de que o processo de licitação será realmente competitivo. Por exemplo, quando um prazo de concessão
estiver próximo do fim, outras empresas podem se mostrar relutantes a
participar do novo processo de licitação se a concessionária atual também
estiver participando do leilão, pois esta certamente estará mais bem informada
do que suas rivais quanto aos verdadeiros custos e à real demanda do mercado.
Outra
preocupação está relacionada ao comportamento do vencedor da concessão durante
a vigência de seu contrato. Se o
contrato for para um prazo razoavelmente longo, será necessário que haja alguma
fórmula que permita alterações nas tarifas cobradas à medida que o custo, a
demanda e a tecnologia mudem ao longo do tempo — em última instância,
renegociações de tarifa devem ser permitidas.
O
arranjo em que há uma fórmula é preferível; porém, se ele for impraticável e
optar-se pela renegociação, então sugere-se que uma empresa privada — uma
empresa de auditoria e contabilidade, por exemplo — seja escolhida para
auditar a concessionária e confirmar se os termos do contrato estão sendo
observados. A escolha desta empresa de
auditoria também pode ocorrer por meio do mesmo processo de licitação: aquela
que ofertar o menor preço pelo serviço de auditoria, ganha. E, desnecessário dizer, tal empresa terá todo
o interesse em ser imparcial: afinal, trata-se de uma empresa privada que opera
no mercado, e zelar por sua reputação é extremamente importante.
Outros
problemas podem surgir à medida que o fim do contrato vai se aproximando e a
atual concessionária não tiver interesse em participar do novo processo de
licitação: sendo assim, ela poderá reduzir suas operações de manutenção e
deixar de investir em novos ativos, deixando para a próxima empresa a tarefa de
lidar com os problemas resultantes.
Todos
estes problemas são importantes, mas não são insolúveis. As variáveis realmente cruciais são o grau de
complexidade tecnológica e a rapidez em que ocorrem mudanças tecnológicas nos
setores concessionados. Selecionar um
licitante pode ser difícil em uma área em que a tecnologia criou incontáveis
opções de serviços potenciais. Já em uma
área em que é possível especificar um limitado número de serviços, bem como seu
padrão, selecionar uma concessionária por meio do processo de licitação aqui
defendido não traz dificuldade alguma.
E
naqueles setores em que o ritmo das mudanças tecnológicas não é muito rápido, é
fácil concordar com algum tipo de fórmula que governe alterações nas tarifas,
de modo que uma renegociação dos termos do contrato durante a vigência do
contrato nunca seja necessária.
Conclusão
Este
arranjo que envolve licitação competitiva, especificação antecipada de preços e
de tipo de serviço ofertado, e auditoria privada em caso de renegociação de
contrato é capaz de gerar o melhor dos dois mundos: a empresa vencedora da
licitação poderá explorar todas as possíveis economias de escala na oferta de
seus serviços ao mesmo tempo em que os preços cobrados, que foram determinados
em um processo concorrencial, serão os menores possíveis. Isso impede que a empresa vencedora da
concessão utilize sua posição privilegiada para cobrar preços abusivos e ofertar
serviços ruins. Mais ainda: o arranjo
faz com que as empresas tenham de controlar seus custos eficientemente caso
queiram maximizar seus lucros.
Para
criar incentivos adicionais para que os detentores das concessões aprimorem
continuamente a qualidade dos serviços, os contratos podem estipular que a
concessionária faça uma espécie de depósito-caução, o qual seria dado à agência
de auditoria caso a concessionária violasse os termos da concessão.
Uma
vez em prática, a concessionária teria todos os incentivos para agressivamente
cortar seus custos e adotar novas tecnologias, pois cada centavo economizado
representa um centavo de lucro. Se os
proprietários da empresa não atentarem para o controle de custos, os lucros da
empresa cairão, o valor de suas ações despencará e a empresa passará a ser o
alvo favorito de uma aquisição por outros proprietários mais bem capacitados e
ansiosos para auferir os ganhos resultantes de uma troca de gerência.
São
várias as nações do globo que enfrentam problemas dantescos de
infraestrutura. Para solucioná-los,
métodos testados e aprovados de oferta privada destes serviços devem ser
adotados. Serviços de infraestrutura
ofertados por franquias privadas, quando corretamente especificados e
auditados, são a chave para a melhoria deste setor. E o que é melhor: a um preço baixo e sem
grandes pirotecnias.
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Leia também:
Sobre as privatizações (parte 1)
Sobre as privatizações (Final)