sexta-feira, 31 0aio 2013
Pretendo
publicar uma série de artigos apontando as falácias de Keynes, dos
keynesianos e
seus desdobramentos (
neokeynesianos, pós-keynesianos, novos keynesianos
etc.). Para não cansar nem o leitor
e nem a minha paciência — já exausta de ouvir repetitivamente a mesma
cantilena — vou expor duas falácias de cada vez, apontando suas inúmeras
inconsistências.
Uma
leitura excelente para mostrar alguns dos argumentos que vou apresentar é o
excelente livro de Murray Rothbard, A Grande Depressão Americana, publicado,
pela primeira vez, em 1963, mas que continua, a meu ver, sendo o melhor livro e
a melhor análise sobre a enorme crise que abalou a economia americana no final
dos anos 1920 e início dos anos 30 do século passado. Sem medo de errar, afirmo que o Instituto
Mises Brasil, ao traduzir e publicar, em 2012, essa obra formidável
em português, prestou um enorme serviço de esclarecimento não só para
economistas como também para comentaristas que vivem repetindo que a culpa
daquela depressão pode ser atribuída ao mercado, a "forças obscuras", a
"espíritos animais", à "ausência de maior regulamentação do estado", a "baixa
oferta monetária", e a "paradoxos da poupança", bem como a outras explicações
escatológicas.
É
claro que há muitas outras explicações importantes por parte dos economistas
austríacos sobre aqueles problemas, especialmente as de Mises, Hayek, Haberler
e do próprio Rothbard, reunidas no livro The Austrian Theory of the
Trade Cycle and Other Essays, uma compilação de Richard Ebeling com
introdução de Roger Garrison, publicada em 1996 pelo Mises Institute de
Auburn e que pode ser baixada no
site daquele instituto.
Devo
esclarecer aqui que nesta série de artigos não pretendo ser original. Apenas
vou relatar o que os autores austríacos têm a dizer sobre a TACE (Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos) e, vez ou
outra, rechear esses relatos com comentários adicionais.
Vamos
então apontar as duas falácias deste mês: a primeira é a de que a teoria
austríaca dos ciclos pressuporia a existência de pleno emprego dos fatores de
produção e a segunda a de que ela enxergaria os booms econômicos como
períodos caracterizados por "sobreinvestimentos". Vamos refutá-las?
1.
A TACE só é válida sob a hipótese inicial de pleno emprego
Nada
mais equivocado do que tal afirmativa! Segundo
ela, os ciclos provocados por expansões artificiais do crédito não ocorreriam
na existência de desemprego! Definitivamente,
isto é uma enorme falácia porque a TACE não pressupõe pleno emprego dos fatores
de produção (capital e trabalho). A explicação é simples: a inflação, definida
como expansão da oferta monetária sem lastro, empregará mais trabalho somente
na hipótese nada plausível de que os trabalhadores sejam tão néscios a
ponto de aceitarem salários reais mais baixos quando estes são mascarados pelos
aumentos nos preços dos bens e serviços. E quanto à ociosidade nos bens de capital, é
evidente que isto pode ter ocorrido em decorrência de investimentos equivocados
realizados no passado, por exemplo, em algum período de aquecimento da economia
e dificilmente recuperados.
Como
a TACE mostra claramente, expansões artificiais do crédito, isto é, não
baseadas em poupança genuína, mas em moeda fantasiada de poupança, emitem
sinais positivos ilusórios para o capital nos setores de ordens mais elevadas,
o que atrairá investimentos de longo prazo para esses setores, mas isto só
poderá acontecer durante algum tempo, porque o cabo de guerra subsequente entre
consumo e investimento, dadas as preferências intertemporais, acabará por
elevar a taxa de juros e mostrando a realidade dos fatos: aqueles investimentos
foram malinvestments, e esse fato inescapável, ou seja, os erros
cometidos anteriormente, serão amplificados ao final do período de boom.
Espero
ter ficado bem claro que expansões artificiais de crédito geram ciclos
econômicos e isso nem de longe depende da existência ou ausência de
fatores de produção desempregados!
E
mais — como escreveu Rothbard — "a expansão do crédito em meio ao desemprego
criará mais distorções e maus investimentos, retardará a recuperação do boom anterior
e fará com que uma recuperação mais rigorosa seja necessária no futuro".(pág.
70 da edição do IMB).
Na
verdade, os fatores desempregados (trabalho e capital, este concebido como uma
estrutura e não como um agregado) podem não ser agora desviados de alternativas
mais lucrativas em relação ao que seriam caso estivessem sendo empregados,
porque sua ociosidade decorreu de investimentos errados, mas também é verdade
que os fatores complementares serão utilizados pelo processo produtivo
juntamente com os primeiros (e isso fica mais claro quando concebemos o capital
como uma estrutura com diversos estágios, cada um deles com um mercado de
trabalho específico). Esses fatores complementares serão, portanto, mal
investidos, aprofundando o desperdício e a recessão ou depressão.
No
período de boom a demanda de trabalho nos estágios produtores
de bens de ordens elevadas subirá, elevando os salários, enquanto que nos
estágios mais próximos ao consumo final a demanda de mão de obra poderá até
mesmo cair, reduzindo, portanto, os salários. Tudo isso provoca efeitos
alocativos ao longo de toda a estrutura de capital que os agregados do Sr.
Keynes não permitem enxergar.
Para
um desenvolvimento mais aprofundado desses argumentos austríacos, aconselhamos
a leitura de Prices and
Production, de Hayek, uma brilhante descrição da TACE em que aquele
grande economista mostra com clareza contundente que a teoria austríaca sobre
os efeitos perniciosos da expansão do crédito também é perfeitamente compatível
com a existência de desemprego de fatores de produção.
Resumindo,
a TACE — a constatação de que aumentos no crédito sem o correspondente aumento
da poupança, ou sem alterações na relação intertemporal entre consumo e
poupança — não depende da existência ou da ausência de desemprego de fatores
de produção. Aliás, sabemos — e os austríacos principalmente — que o conceito
de "pleno emprego" é, na linguagem de Mises, uma "construção imaginária", um
factóide inexistente no mundo real da economia.
2.
A TACE pressupõe que o boom nada mais é do que um período de
"sobreinvestimento"
Aqui
— como quase sempre — parece que Keynes e seu séquito escutaram o galo
cantar, mas sem saberem de onde veio o canto. Recorramos a Mises para rebater
esse equívoco.
"O
investimento adicional só é possível na medida em que há uma oferta adicional
de bens de capital disponíveis... O boom em si não resulta
numa restrição, e sim num aumento do consumo, ele não obtém mais bens de
capital para novos investimentos". Portanto, a essência do boom de
expansão do crédito não é um sobreinvestimento, mas investimento equivocado,
isto é, mau-investimento (malinvestment)... numa escala para a
qual os bens de capital disponíveis não são suficientes.
Como
a oferta de bens de capital demanda mais tempo para se concretizar, empresas
não podem entrar em operação porque ainda não houve tempo para a instalação de
outras empresas que produzam insumos complementares para a produção das
primeiras e, como escreveu Mises, "fábricas cujos produtos não podem ser
vendidos porque os consumidores antes preferem comprar outros bens que, no
entanto, não são produzidos em quantidades suficientes" (porque o crédito
artificial estimulou investimentos equivocados em outras etapas do processo
produtivo). Em outras palavras, o término inescapável da expansão
creditícia torna visíveis erros que antes pareciam acertos!
É
claro que todos veem somente os malinvestments visíveis, sem
notar que isso foi provocado porque não surgiram empresas para produzirem bens
complementares, bem como empresas necessárias para produzir aqueles bens de
consumo que agora são mais demandados.
Mises,
em Ação Humana, é
bastante claro: "A classe empresarial inteira fica como que na
posição de um construtor que superestima a quantidade da oferta disponível de
materiais... supervisiona a construção das fundações... e só depois descobre...
que não tem o material necessário para completar a estrutura. É óbvio
que o erro de nosso construtor não foi um sobreinvestimento, mas um
investimento inapropriado".
Alguns
críticos teimosos, levando a metáfora misesiana às últimas consequências,
argumentaram (e ainda continuam, 70 anos depois, a argumentar) que se o
boom continuar
por mais tempo, tais processos a que Mises se refere poderão se completar.
Para
a TACE, expansões creditícias sem lastro em poupança genuína deformam o
investimento, canalizando-os para os estágios iniciais da produção, restando
uma parte insuficiente para a produção de bens de ordens inferiores, isto é,
bens de consumo. Somente os mercados livres das agressões do estado
podem garantir que uma estrutura natural de produção complementar de capital se
desenvolva automaticamente com o decorrer do tempo.
Como
escreveu brilhantemente Rothbard em sua obra citada no início: "... a
expansão do crédito bancário trava o mercado e destrói os processos que criam
uma estrutura equilibrada. Quanto mais longo for o boom, maiores
serão as distorções e os malinvestments".
No
próximo mês pretendo desmitificar mais duas falácias que os keynesianos
costumam usar abusivamente e que vêm influenciando negativamente gerações de
economistas, comentaristas de economia, políticos e o público em geral.