Muito
se fala, principalmente nos meios acadêmicos, sobre concorrência e
monopólio. O problema é que as
definições utilizadas para estes termos estão quase sempre erradas.
E se o conceito utilizado é errado, então as
políticas sugeridas para lidar com ambos também serão erradas.
Pior ainda: gerarão resultados distintos dos
esperados.
Concorrência
Comecemos
pela concorrência. Seria a concorrência
uma 'situação' ou um 'processo'?
A
função empreendedorial é, por sua natureza intrínseca, sempre competitiva. O termo 'competitivo' vem do latim cumpetitio, que significa uma
concorrência múltipla de reivindicações sobre um determinado bem ao qual um
proprietário deve ser atribuído.
A
concorrência é um processo dinâmico que
envolve rivalidade. Trata-se de um
processo dinâmico em que empreendedores rivalizam entre si para descobrir
oportunidades de lucro e se aproveitar delas antes que outros empreendedores o
façam.
O objetivo de um empreendedor é
descobrir, antes dos demais, oportunidades latentes de lucro que existem no
processo empresarial. Uma vez descoberta
uma oportunidade de lucro, ele terá de atuar em harmonia com outros empreendedores
— pois o mercado é uma rede de trocas altamente complexa e interativa — para
se aproveitar dela.
Por
isso, diz-se que a concorrência é um processo de emulação, um processo em que se busca superar seus rivais, em todos
os âmbitos, criando e se aproveitando de oportunidades de lucros antes deles.
E
isso deve ser contrastado ao chamado "modelo de concorrência perfeita". Este é o modelo que a esmagadora maioria dos
manuais de economia aponta como sendo o ideal máximo de concorrência.
Este modelo enxerga a concorrência como sendo
uma situação. É como se a concorrência fosse analisada como
uma fotografia instantânea. Os
defensores deste modelo são os economistas matemáticos que acreditam na tese de
que uma economia sempre pode estar em 'equilíbrio'.
Nos
modelos matemáticos de concorrência perfeita, a concorrência é definida como
perfeita quando, ao se fazer esta fotografia instantânea de um determinado
processo de mercado, observa-se nesta foto — que nada mais é do que uma
situação estática, sem nenhum movimento — a existência de múltiplos
ofertantes, todos eles vendendo o mesmo produto, com exatamente as mesas
características e ao mesmo preço.
Esta
situação estática — sem nenhum movimento, sem nenhum processo empreendedorial,
em que há uma multiplicidade de ofertantes que fazem exatamente a mesma coisa,
que ofertam exatamente o mesmo produto e que vendem a exatamente o mesmo preço
— ser classificada de concorrência perfeita representa o ápice do escárnio.
Logo,
é fácil observar que estes dois conceitos de concorrência são praticamente
opostos: de um lado temos a concorrência como um processo dinâmico de
rivalidade, que é o conceito correto
de concorrência; de outro, temos a burla, que supõe uma concorrência jocosamente
chamada de perfeita, que é caracterizada por uma situação em que todos os
empreendedores fazem absolutamente o mesmo — e portanto ninguém compete com
ninguém.
Disso,
surge a inevitável pergunta: como é possível que legiões de economistas
catedráticos, de enorme distinção e com impecáveis credenciais acadêmicas,
tenham feito do modelo de concorrência perfeita — isto é, desta concepção
estática de concorrência — a base de todas as suas teorias?
É
aqui que podemos constatar, novamente, um dos exemplos mais claros do nefasto efeito
gerado pelo uso da matemática
na ciência econômica. Dado que a
ciência econômica nada mais é do que a ciência da ação humana, os fenômenos
estudados dependem totalmente da interação voluntária entre bilhões de
indivíduos, algo que por definição não pode ser matematizado.
E,
justamente para se tornar possível a matematização de algo que é impossível de
ser matematizado, a concorrência, que é um processo dinâmico passa a ser
analisada como uma situação, um estado de equilíbrio, que é o único
matematizável.
E o empenho em se aplicar
uma metodologia errônea oriunda do mundo das ciências naturais — onda há
constantes, não existe tempo e nem criatividade — ao âmbito das ciências
sociais protagonizada por seres humanos pode apenas gerar múltiplos erros,
dentre eles o mais importante é o fato de se endeusar um conceito tão absurdo
quanto o conceito estático de concorrência perfeita.
Monopólio
Assim
como ocorre com a concorrência, há também dois conceitos distintos e opostos
para monopólio. E cada um destes
conceitos de monopólio está de acordo com os respectivos conceitos de
concorrência.
Ou, falando mais
claramente, ao conceito correto de concorrência está relacionado um conceito
correto de monopólio, e ao conceito errôneo de concorrência está relacionado um
conceito também errôneo de monopólio.
Comecemos
por este último.
O
conceito errôneo de concorrência é aquele que vê a concorrência como uma situação, um estado de equilíbrio em que
há uma multiplicidade de ofertantes que produzem exatamente o mesmo produto e
vendem exatamente ao mesmo preço — ou seja, não há competição nenhuma entre
eles.
E
qual o conceito errôneo de monopólio? Se
a característica essencial para se classificar uma situação como sendo de
concorrência perfeita é que haja um grande número de ofertantes naquela
fotografia instantânea, a característica essencial para se caracterizar uma
situação como sendo de monopólio é que nesta fotografia instantânea — ou seja,
neste estado de equilíbrio — exista apenas um
único vendedor.
Do
mesmo conceito errôneo de concorrência perfeita surge o conceito errôneo de
monopólio, que é visto como uma situação
estática em que há apenas um vendedor de um produto. Estes "monopolistas", segundo os economistas
matemáticos, podem impor os preços que desejarem, preços artificialmente altos,
em prejuízo dos consumidores.
Uma
situação intermediária seria a de oligopólio,
na qual há apenas alguns poucos vendedores (oligo
vem do grego e significa poucos).
Porém,
tendo por base a perspectiva da teoria
dinâmica dos processos de cooperação social protagonizada por
empreendedores, este conceito de monopólio e de oligopólio é completamente sem
sentido.
Se a definição correta de
concorrência é a de um processo dinâmico de rivalidade na qual os
empreendedores competem entre si para descobrir, antes dos demais,
oportunidades de lucro para se aproveitar delas antes que outros empreendedores
o façam, então o conceito correto de monopólio tem de levar em conta se é possível
ou não que outros empreendedores possam
ter legal acesso a este processo dinâmico de rivalidade.
E
a conclusão lógica é que só existe um monopólio genuíno quando o estado sistematicamente
impede, por meio da força ou da ameaça de violência, a liberdade de acesso a um
determinado mercado ou o livre exercício do empreendedorismo em algum setor da
economia.
Logo,
o relevante não é se há apenas um ou alguns poucos ofertantes; o relevante é se
é legalmente possível ter acesso — se há liberdade de entrada ou não — a um
determinado setor da economia.
O
relevante é analisar se, em decorrência de alguma coerção sistemática do
governo — seja por meio de agências reguladoras, de burocracias volumosas ou
de decretos —, há algum impedimento ao exercício da livre iniciativa em
qualquer setor da economia.
Notem
que este conceito de monopólio e oligopólio é radicalmente distinto daquele que
é tido pela academia como a definição correta.
Monopólio x concorrência
Ainda
utilizando a metáfora da fotografia, imagine uma sucessão de fotogramas que constituem
o celulóide de um filme. Imagine que
este filme represente o processo dinâmico da concorrência.
Sendo assim, se escolhermos arbitrariamente
um fotograma e constatarmos que há apenas um vendedor neste fotograma escolhido,
um economista matemático imediatamente gritará "Monopólio! Exploração dos
consumidores! O governo tem de intervir e perseguir!"
Já um economista seguidor da Escola Austríaca, que
entende a perspectiva dinâmica do mercado como sendo um processo marcado pelo empreendedorismo,
dirá que é irrelevante que em um ou em vários fotogramas apareçam apenas um
único vendedor. Pois o que tem de ser
levado em consideração não é um fotograma avulso, mas sim todo o processo
dinâmico contido neste filme, bem como se, ao longo deste filme, há liberdade
de entrada nos mercados, isto é, se há um livre exercício do empreendedorismo.
Se
ao longo do processo dinâmico houver liberdade de entrada nos mercados, então
existe concorrência no sentido dinâmico. É irrelevante se, em determinados momentos, existe no mercado apenas um
ofertante de bens e serviços.
Mais
ainda: se em um determinado momento existe apenas um ofertante, mas há
liberdade de entrada neste mercado, então, o fato de existir apenas um
ofertante, longe de ser uma comprovação de que há monopólio e exploração dos
consumidores, indica apenas que tal ofertante está satisfazendo os desejos e
necessidades de seus consumidores de forma bastante eficaz.
Falando
de outra maneira: se o processo dinâmico é livre e os empreendedores participam
dele emulando-se e concorrendo entre si, então, se em um determinado momento existir
somente um empreendedor, isso significa que ele preponderou justamente por ter
se mostrado mais apto que seus concorrentes a atender as necessidades dos
consumidores.
Logo,
a existência de uma única empresa em um determinado setor econômico cuja
entrada seja livre para os concorrentes não é prejudicial para os consumidores;
significa apenas que esta empresa está ofertando um bom serviço para os
consumidores. Havendo uma ausência de
barreiras legais para se entrar no mercado, há concorrência. Se o mercado é servido por uma única empresa,
isso não configura monopólio. A
concorrência existe a partir do momento em que o estado não proíbe legalmente
outras empresas de entrar no mercado.
Em
um âmbito de plena liberdade empreendedorial, existir apenas um ofertante
significa que este soube como atender aos desejos dos consumidores de forma
mais eficaz e satisfatória do que todos os outros. No livre mercado, não há direitos adquiridos.
E
exatamente por não haver direitos adquiridos, um empreendedor jamais pode se
acomodar no livre mercado. O fato de ele
haver triunfado hoje não significa que ele continuará triunfando amanhã. Se ele deixa de estar alerta e se torna menos
perspicaz que seus concorrentes, ou se ele deixa de satisfazer as necessidades
de seus consumidores de maneira satisfatória e a preços baixos, surgirá em
pouco tempo um exército de concorrentes — reais e potenciais — que colocará
em perigo sua situação de predomínio. Estes concorrentes tentarão lucrar em cima deste seu desleixo.
A
IBM, por exemplo, chegou a deter 70% do mercado de computadores. Converteu-se em uma empresa mastodôntica e
arrogante. Quando lhe apresentaram um
projeto sobre computadores portáteis, de uso pessoal, ela desprezou, dizendo
que era besteira. Como resultado desta
desconsideração para com as genuínas demandas dos consumidores, esta empresa
outrora tão rica e poderosa quase foi à bancarrota.
(Há vários outros exemplos práticos de empresas outrora gigantes e tidas como inalcançáveis, mas que rapidamente foram ao ocaso. Confira aqui.)
Portanto,
é irrelevante — de uma perspectiva dinâmica — que em uma fotografia apareça
apenas um único ofertante. O próprio
processo dinâmico faz com que, ao amanhecer de cada dia, este ofertante tenha
de se reinventar diariamente. Caso não o
faça, surgirão concorrentes que se apropriarão de uma fatia de seu mercado.
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Leia
também: Monopólio bom e monopólio
ruim - como são gerados e como são mantidos