Chegamos
finalmente à última parte da série Bitcoin. Neste artigo, tratarei do mercado
Bitcoin atual, dos desafios ao avanço da moeda digital, bem como da pergunta do
título. Com certeza, poderia ter oferecido a resposta a essa questão já na
primeira parte da série, o que possibilitaria que alguns aproveitassem uma
forte queda na cotação da moeda, especulando no curto prazo.
A
verdade é que posterguei lidar com o preço do bitcoin
propositalmente. Por um lado, porque era fundamental compreender a essência do
projeto, sua natureza e seu funcionamento. Por outro, porque não queria
instigar ninguém a lançar-se em aventuras especulativas com a moeda digital —
definitivamente, esse não é o seu propósito.
Ademais,
e ainda que possa intrigar a muitos, o seu preço é, neste momento, praticamente
irrelevante. Portanto, já adianto que a resposta é sim, sem dúvida alguma vale
a pena comprar bitcoins. Mas para entender o porquê, é preciso ler
o artigo na íntegra e com muita atenção.
Uma
falsa dicotomia, uma nova classe de ativos
Se
lhe pareceu haver uma dicotomia entre bitcoins e outras moedas, é preciso um
esclarecimento. Ainda que possa ter transmitido essa ideia ao explicar a
natureza da moeda digital e compará-la às moedas fiduciárias e ao ouro, a
intenção foi meramente de realçar o contraste entre as diferentes moedas
disponíveis no mundo. Em realidade, é preciso enxergar o Bitcoin não como
mutuamente excludente, mas sim como complementário às formas de dinheiro até
hoje existentes.
É
verdade que não podemos saber se o Bitcoin irá perdurar. Não sabemos se
sobreviverá outro ano, ou uma década. Mas arrisco dizer que uma moeda digital
(ou criptomoeda) veio para ficar. "O preço do Bitcoin pode até colapsar, e os
usuários podem repentinamente migrar para outra moeda", escreveu a revista
Britânica The Economist em artigo sobre o Bitcoin, "mas há grande probabilidade
de que alguma forma de dinheiro digital deixará uma marca duradoura no ambiente
financeiro".
Como
analisamos em detalhe nos artigos anteriores, há inúmeras vantagens que fazem
de uma moeda digital um excelente complemento no meio financeiro. No seu atual
estágio, o Bitcoin já representa uma substancial redução nos custos de
transação. Portanto, independentemente de ele vir a algum dia tornar-se
dinheiro (meio de troca universalmente aceito), já atua como um meio de troca
secundário. Dessa forma, poderíamos considerar o Bitcoin o precursor de uma
nova classe de ativos: a das "moedas digitais". E como está a
precificação do ativo Bitcoin?
Preço
e volatilidade
Bitcoin
está caro ou barato? Não sei. Ninguém sabe. O ponto fundamental não é se 1 BTC
vale 100 ou 30 dólares, mas sim que o preço de uma unidade bitcoin está acima
de zero, e isso, por si só, já é surpreendente. O simples fato de a moeda
digital ter um preço e estar sendo utilizada por indivíduos em intercâmbios é
sensacional.
Estamos
ainda na infância do experimento Bitcoin. A cotação de um bitcoin em relação a
outras moedas, ou o seu preço, é algo que está sendo descoberto
pelo mercado, e não podemos prever a sua evolução. E ainda que, pelo lado da
demanda, não saibamos como ela evoluirá, ao menos do lado da oferta não seremos
surpreendidos por súbitos aumentos na quantidade de bitcoins em circulação.
É
claro que a alta volatilidade testemunhada há algumas semanas complica a vida
dos usuários de bitcoins — e talvez facilite a dos especuladores —, e é por
esse fator que, quanto maior o número de aderentes, mais benéfico será para o
avanço da moeda digital. Mas não interprete esse argumento como um convite à
especulação. Quanto mais indivíduos aderirem e utilizarem a moeda, maior será
sua liquidez. Quanto mais liquidez, menor tende ser a sua volatilidade e
aceitação no mercado. No entanto, e aqui está o aviso, uma maior liquidez não
necessariamente significa um preço maior.
Alguns
afirmam tratar-se apenas de uma nova bolha que em breve vai estourar levando seus usuários
à ruína. Será que estamos presenciando uma bolha de fato? Pode ser que sim.
Pode ser que não. Não sabemos. Mas uma bolha especulativa em si não é um fator
preponderante ao avanço e futuro do Bitcoin. A bolha da internet no início dos
anos 2000 não decretou o fim da internet, e a mania das tulipas, séculos atrás,
tampouco fez a lilácea desaparecer do mercado.
De
certa forma, o preço de uma unidade BTC é irrelevante. A questão-chave é que a moeda digital tem
verdadeiras vantagens comparativas, oferecendo excelentes serviços de
pagamentos e reduzindo de forma significativa os custos de transação. Como diz Tony Gallipi,
sócio do site de pagamentos BitPay, "Bitcoin é simplesmente a maneira mais
fácil até hoje inventada de enviar dinheiro de A para B".
Mercados
e desafios
Atualmente,
a principal referência do preço de mercado da moeda digital é originada na casa
de câmbio (exchange) Mt. Gox, responsável por cerca de 60% do
volume total transacionado em
bitcoins. Esse percentual já foi mais de 90%, mas em poucos
meses novas empresas desbravaram o mercado, concorrendo fortemente nesse
serviço.
As
casas de câmbio, essenciais no progresso e desenvolvimento do Bitcoin, são o
ponto de contato das moedas fiduciárias com o mundo Bitcoin. Por essa razão,
são presas fáceis e óbvias aos ataques dos governos e reguladores —
possivelmente, são o elo fraco do ecossistema Bitcoin.
Isso
fica evidente quando analisamos a mais recente regulação do governo
norte-americano, FinCEN, cujo efeito prático tem sido o de atravancar ou até mesmo impossibilitar empresas start-ups de
operarem no mercado Bitcoin. A consequência não intencionada pelo governo dos
EUA é a concorrência jurisdicional que essa medida tem gerado. As casas de
câmbio estão baseadas nas mais diversas localidades – o Mt. Gox, por exemplo,
tem seu domicílio fiscal no Japão –, e todo tipo de legislação em que o
intuito seja o de coibir de alguma forma o avanço de empresas nesse mercado
conduzirá os empresários a buscar refúgio em outras jurisdições.
Outra
complicação tem sua origem no próprio sistema bancário. No Canadá, por exemplo,
duas casas de câmbio tiveram suas contas bancárias
congeladas, repentinamente e sem esclarecimentos. Isso impossibilitou a
continuidade normal de suas atividades. Vale ressaltar, contudo, que derrubar
tecnologicamente alguma casa de câmbio, ou forçar legalmente o seu fechamento,
em nada afeta a resiliência da rede Bitcoin. Mas com certeza impõe algumas
complexidades adicionais à rápida adoção da moeda digital por parte de usuários
e grandes comerciantes.
Uma
vez que compreendemos o potencial revolucionário do Bitcoin, torna-se claro que
não poderíamos esperar nada diferente de governos e bancos. Por esse motivo,
talvez o futuro das casas de câmbio não esteja no modelo tradicional e mais
evoluído — em que há um servidor central —, mas sim em casas de câmbio peer-to-peer. Da mesma forma como a rede Bitcoin é
descentralizada, e por essa razão não pode sofrer ataques de governos, é
preciso fazer com que a compra e venda de bitcoins com moedas fiduciárias
ocorra de forma descentralizada, longe do alcance de legislações nocivas.
Embora
as regulações desestimulem o investimento no setor, é notável o fato de
finalmente termos nomes sérios da indústria de venture capital injetando
dinheiro pesado no desenvolvimento de start-ups Bitcoin. A Union Square
Ventures, cujo portfólio engloba empresas como Twitter, Zynga e
Kickstarter, acaba de anunciar o maior investimento da história do projeto,
investindo 5 milhões de dólares na Coinbase, empresa com sede em São Francisco,
Califórnia.
Notável
também é a menção à moeda digital feita por Bill Gross, CIO da Pimco, em sua
última carta mensal. Ainda que em tom irônico, a mera
referência ao Bitcoin pela maior gestora de títulos soberanos do mundo, com
mais de US$2 trilhões de ativos sob gestão, é algo revelador. Bitcoin está
atraindo cada vez mais observadores. Já não pode ser mais rejeitado como uma
insignificante empreitada geek.
Se
no mundo desenvolvido Bitcoin está na sua infância, no Brasil o projeto ainda
engatinha. Mas há cada vez mais interessados em abrir casas de câmbio e cedo ou
tarde gente séria estará investindo bastante capital nesse setor aqui no Brasil
também. E em outros países emergentes a moeda tem ganhado cada vez mais espaço.
Na Ásia, os chineses parecem ter finalmente despertado o interesse
pela moeda digital. Imaginem o impacto que uma adoção maciça pelos chineses
pode ter na evolução do Bitcoin.
Sem
dúvida alguma, o experimento enfrentará enormes obstáculos ao longo do
percurso. Haverá volatilidade, bolhas e quedas, exchanges serão
fechadas, outras quebrarão, e novas formas de usar a moeda surgirão. O livre
mercado certamente saberá contornar os percalços e progredir. A inata
capacidade criativa do ser humano é o motor do progresso, e nela reside meu
otimismo em relação ao futuro da moeda digital.
Mas
agora é preciso explicar claramente por que julgo valer a pena comprar
bitcoins.
Tirania
monetária
Sim,
a moeda digital criada por Satoshi Nakamoto proporciona enormes vantagens
comparativas em relação às demais moedas fiduciárias. Mas Bitcoin não é apenas
uma forma de realizar transações globais com baixo ou nenhum custo. Bitcoin é,
em realidade, uma forma de impedir a tirania monetária. Essa é a sua verdadeira razão de ser.
O
entorno do surgimento da moeda digital não foi nenhuma coincidência. Bitcoin
emergiu como uma resposta natural ao colapso da atual ordem monetária, à
constante redução de privacidade financeira e a uma arquitetura bancária cada
vez mais prejudicial ao cidadão comum. Governos não podem inflacionar bitcoins.
Governos não podem apropriar-se da rede Bitcoin. Governos tampouco podem
corromper ou desvalorizar bitcoins. E também não podem proibir-nos de enviar
bitcoins a um comerciante no Maranhão ou no Tibet.
Imaginem
um mundo sem inflação, sem bancos centrais desvalorizando o seu dinheiro para
financiar a esbórnia fiscal dos governantes.[1]
Sem confisco de poupança. Sem manipulação da taxa de juros. Sem banqueiros
centrais deificados e capazes de dobrar a base monetária a esmo e a qualquer
instante para salvar banqueiros ineptos que se apropriaram dos seus depósitos
em aventuras privadas. A verdade é que o Bitcoin, ou o que vier a substituí-lo
no futuro, poderá remover os bancos dos banqueiros e o dinheiro dos governos.
Por isso, não espere nenhuma boa vontade dessa dupla simbiótica em relação ao
Bitcoin.
A
internet nos permitiu a liberdade de comunicação. O Bitcoin tem o potencial de
devolver nossa liberdade sobre nossas próprias finanças. Bitcoin é a internet
aplicada ao dinheiro.
Portanto,
criem suas carteiras, comprem alguns bitcoins e familiarizem-se com a nova
tecnologia. Quanto mais indivíduos empregarem a moeda, quanto maior a sua
aceitação no mercado, maiores serão suas chances de sucesso. Mas deem
atenção ao aviso de Gavin Andresen, desenvolvedor líder do projeto:
"Somente
invista o tempo e o dinheiro que você pode perder, pois o Bitcoin ainda é um
experimento. Quanto mais ele perdure apesar de toda volatilidade e problemas
técnicos, mais saberemos. Mas a confiança requer tempo."
Aos
economistas, deixo um recado: estudem a moeda digital a fundo. Não a desmereçam
pela simples aparência virtual. De fato, o Bitcoin tem forçado os estudiosos da
teoria monetária e bancária a revisitar conceitos que pareciam estar
completamente compreendidos e superados. Temos uma oportunidade ímpar de
refinarmos a teoria acerca dos fenômenos monetários.
Àqueles
que prezam a liberdade, reitero que, pela primeira vez na história da
humanidade, a possibilidade de não dependermos de nenhum órgão central
controlando nosso dinheiro é real e está se desenrolando nesse exato instante
diante de nossos olhos. À liberdade individual e ao desenvolvimento da
civilização, as consequências desse arranjo são extraordinárias e sem
precedentes. Dinheiro honesto é uma questão sobretudo moral e basilar para
qualquer sociedade que almeja a paz e a prosperidade. E é precisamente essa a
essência do experimento Bitcoin.
Em
2008, Satoshi Nakamoto supostamente teria dito que
o Bitcoin "é muito atrativo do ponto de vista libertário, se conseguirmos
explicá-lo adequadamente. Mas infelizmente sou melhor com código de programação
do que com palavras".
Espero
que esta série tenha ajudado a explicar um pouco melhor em palavras o
significado revolucionário dos códigos do Bitcoin.
Artigo originalmente publicado em O Ponto Base
[1] Em
países onde a desordem financeira e os crimes contra a moeda são patológicos,
os cidadãos já estão empregando bitcoins como reserva de valor. Na Argentina já
é preferível estar sujeito à volatilidade da moeda digital do que à
volatilidade do humor da Sra. Kirchner.