quinta-feira, 25 abr 2013
Argentina e
Venezuela adotaram com vigor um infeliz, embora bastante
familiar, modismo econômico que recorrentemente arrebata a América Latina — o
controle de preços. Para piorar, até mesmo o
Equador parece ter resolvido entrar na dança.
Em
uma desatinada tentativa de "suprimir" a acentuada inflação de preços, os
governos destes países estão recorrendo à milenarmente fracassada prática de
fixar preços a níveis artificialmente baixos.
Como qualquer economista digno de sua formação sabe perfeitamente, isso
irá gerar apenas escassez.
Venezuela
Na
Venezuela, o governo determina o preço de vários bens de consumo, inclusive o
da gasolina, cujo valor está congelado em US$0,058
por galão [o equivalente a R$0,03 por litro]. Como mostra o gráfico, cuja fonte é o próprio
Banco Central da Venezuela, 20,4% de todos os bens de consumo da economia
simplesmente sumiram das lojas e supermercados.

Embora
o congelamento mantenha os preços dos bens em níveis ostensivamente baixos no
mercado oficial, eles inevitavelmente geram prateleiras vazias, privando vários
consumidores de ter acesso a bens essenciais (falta
até papel higiênico na Venezuela).
Isso,
por sua vez, produz uma inflação "reprimida" — por causa do controle de
preços, a "verdadeira" taxa de inflação de preços é artificialmente contida,
quando não reprimida por meio de intervenções estatais de estilo soviético.
O
gráfico abaixo mostra a evolução da taxa de câmbio da moeda venezuelana, o
bolívar fuerte, no mercado negro. Em fevereiro,
ainda antes da morte de Hugo Chávez, o bolívar perdeu 21,72% do seu valor em
relação ao dólar no mercado negro (ou seja, no livre mercado). Essa desvalorização se acelerou após o
anúncio da morte de Chávez [linha preta vertical].

Pouco
antes de sua morte, o governo Chávez reconheceu que o bolívar estava em apuros
e oficialmente desvalorizou
a moeda em 32%, fazendo com que a taxa de câmbio oficial saísse de 4,29
para 6,29 bolívares por dólar. Porém, a
esse valor, o bolívar ainda está sobrevalorizado em 74% se levarmos em conta o
valor da taxa de câmbio da moeda no livre mercado.
Como
mostra o gráfico abaixo, desde 2005, a taxa de câmbio do bolívar em relação ao
dólar no mercado negro vem divergindo crescentemente da taxa de câmbio oficial.

Linha vermelha:
taxa de câmbio oficial; linha azul: taxa de câmbio no mercado negro
Dado
que esse mensurador — alterações na taxa de câmbio do bolívar em relação ao
dólar no mercado negro — é o que melhor estima o real valor de uma moeda, é
possível inferir que a inflação de preços "reprimida" na Venezuela está
atualmente em 153%.

Linha vermelha:
inflação divulgada pelo governo; Linha azul: inflação implícita estimada pela
desvalorização do bolívar frente ao dólar no mercado negro
A
desvalorização simbólica feita pelo governo venezuelano em fevereiro foi a
sétima desvalorização oficial do bolívar sob Chávez, o que mostra que o governo
está jogando um jogo já perdido.
É
possível a Venezuela evitar uma crise monetária gerada pelo colapso de sua
moeda? Sim, e de maneira relativamente
simples: substituindo o bolívar pelo dólar.
Essa opção, conhecida como dolarização,
foi a que sugeri ao então presidente Rafael Caldera
quando eu era seu conselheiro em 1995. E
foi a solução adotada de maneira amplamente bem-sucedida pelo Equador,
país em que fui conselheiro do ministro da economia e das finanças.
Equador
Após
uma longa e turbulenta história de moedas ruins, o Equador abandonou o Sucre em
2000 e o substituiu pelo dólar. Desde
então, a inflação de preços vem se mantendo em níveis excepcionalmente baixos
para um país latino-americano.

Com
a exceção de 2008 (8,83%) e 2011 (5,41%), a inflação de preços sempre se
manteve abaixo dos 4%. Não é de se
espantar, portanto, que a dolarização tenha atingido uma aprovação de 82% da
população equatoriana.
Embora
o presidente Rafael Correa, eleito em 2007, seja um adepto da Revolução
Bolivariana chavista, ele sabiamente manteve o dólar como a moeda do país. O dólar forneceu uma forte âncora para a
economia equatoriana (e para o governo Correa), e conseguiu proteger o país dos
males econômicos que afligem vários de seus vizinhos.
É
justamente este histórico que torna incompreensível sua recém-anunciada
decisão de implementar, a partir de maio, controles de preços em 46
produtos alimentícios. A inflação de
preços em 2012 foi de 4,16%. Já em março
deste ano, o valor acumulado em 12 meses caiu para 3%, a menor taxa em 2
anos. No entanto, os preços dos
alimentos subiram 0,77% no mês (após ter caído 0,15% em fevereiro), o que já
incitou os burocratas a anunciarem um controle de preços.
É
de se esperar que o governo se dê conta desta insensatez e abandone qualquer
ideia de inovar neste seara.
Argentina
A
Argentina, país que nunca se cansa de tentar reinventar as leis econômicas, vem
vivenciando
o mesmo dilema da Venezuela. Os preços da gasolina e dos bens nos supermercados
estão congelados. Segundo o governo, a
inflação de preços é de 10% ao ano. Mas
nenhum argentino acredita nisso.
Estatísticas independentes afirmam que a inflação de preços está na casa
dos 30% ao ano. No mercado negro, o
valor do dólar é 60% maior do que o câmbio oficial, controlado pelo governo. Isso coloca a inflação de preços implícita da
Argentina em mais de 70%.

Linha vermelha:
inflação divulgada pelo governo; Linha azul: inflação implícita estimada pela
desvalorização do peso frente ao dólar no mercado negro
Os
argentinos praticamente não poupam seus pesos.
Assim que eles recebem pesos, eles gastam para se livrar deles. Segundo estimativas de 2010, mais
de 50% das famílias argentinas não utilizam o sistema bancário, certamente
traumatizadas pelo corralito de
2001/2002. Elas poupam em dólares e
guardam este dinheiro ou dentro de casa ou em bancos no exterior.
Justamente
por isso, o governo argentino está fechando o cerco, dificultando ao máximo a
compra de dólares. Quem é pêgo
transacionando dólares nas ruas pode ir preso.
Isso empurrou as operações literalmente para o subterrâneo.
De
acordo
com o The Wall Street Journal,
compradores e vendedores de dólares estão se encontrando em "cuevas" escuras,
geralmente locais escondidos nos fundos dos estabelecimentos, para fazer suas
transações.
O mercado de câmbio na Argentina foi para o
subterrâneo. Com o governo restringindo
cada vez mais o acesso a moedas estrangeiras, os argentinos em busca de dólares,
uma mercadoria cada vez mais rara, estão sendo empurrados para cuevas — operações clandestinas,
realizadas nos fundos escuros de estabelecimentos, nas quais o cliente paga
caro para trocar pesos por dólares.
Comprar dólares para poupar é uma atividade proibida pelo
governo argentino, e as autoridades permitem a venda de apenas pequenas
quantias de moeda estrangeira para viagens ao exterior. Para obter tais divisas, os viajantes têm de
enviar pela internet um pedido à Receita Federal dias antes de sair do país, e
eles normalmente recebem autorização para comprar uma quantia muito menor do
que pediram.
As empresas têm de ter aprovação do governo para importar
equipamentos e materiais à taxa de câmbio oficial, mais barata. A Receita Federal trabalha com cachorros nos
postos alfandegários para farejar pessoas que estejam viajando com dólares
escondidos e não-declarados.
Na
Argentina, quem tem dólares quer pagar por bens e serviços em pesos.
Mas só se conseguirem converter dólares em pesos ao
câmbio de mercado negro. Caso contrário, será
melhor pagar em dólares, mas só se o comerciante estiver disposto a aceitar
converter seus preços em dólares à taxa de livre mercado. Normalmente, chega-se a um valor de meio termo. Ou seja, a Argentina está praticamente em um
estado de escambo.
Conclusão
Além
da escassez e da inflação reprimida, controles de preços podem levar a
consequências políticas não imaginadas.
Uma vez que os controles de preços são implementados, é muito difícil
revogá-los sem que isso gere inquietação popular — veja os distúrbios que
ocorreram em 1989 na Venezuela, quando o presidente Carlos Perez tentou abolir
o congelamento de preços.
Com
o fim do boom no setor de commodities, as economias populistas da América
Latina tendem a sofrer. A próxima rodada
de revoluções não será bonita.
Uma
visita à Argentina e à Venezuela equivale a um Ph.D. em catástrofes monetárias
e incompetência econômica. É um ótimo
exemplo prático de como os políticos podem realmente destruir uma economia
quando se esforçam para tal.
______________________________________
Leia também:
Cambalache - a história do
colapso econômico da Argentina