segunda-feira, 15 abr 2013
Como
atualmente só se fala em tomate, era inevitável tratarmos da crônica inflação
de preços por que passa o Brasil. Qual a
sua causa? Como resolvê-la?
Em
episódios passados — por exemplo, entre outubro de 2010 e setembro de
2011, quando o IPCA acumulado em 12 meses pulou de 5% para 7,31% —, o governo
ainda se safava dizendo que a alta inflação de preços era culpa do nosso
atordoante "crescimento econômico" e da nossa mundialmente invejável "economia superaquecida",
e que tal inflação era um aceitável efeito colateral do inegável fato de que
o Brasil estava se transformando em uma potência capaz de fazer a China
tremelicar...
Agora,
no entanto, tal desculpa deixou de surtir o mesmo efeito de antes. Não somos mais capa da The Economist. Afinal, como
culpar um PIB de 0,9% por um IPCA de 6,59% (acumulado em 12 meses em março de
2013)? Ainda pior é saber que o INPC,
que mensura a inflação de preços para as famílias de baixa renda, está
acumulado em 7,22%.
Foi
nesse embalo, que um leitor me mandou um email pedindo para comentar o seguinte
trecho escrito por Reinaldo Azevedo em seu blog:
Os alimentos continuam a pressionar a inflação, como informa
reportagem da VEJA Online. Fosse só isso, tudo certo. Mesmo uma economia em
deflação, como a do Japão, pode sofrer um choque de oferta — se não de tomate,
daquela raiz-forte insuportável que se deve comer junto com outras coisas
insuportáveis… Passa. Caso a inflação "tomatística" persista, o jeito é parar
de comer tomate. O preço vai cair.
O problema é que a elevação de preços se espalhou em alguns
setores da economia. É só o tomate ou a cebola? Não! O índice de 12 meses, em
março, chegou a 6,59%, acima, portanto, da banda superior da meta. Nove desses
12 meses referem-se ao ano de 2012, quando o PIB brasileiro cresceu
modestíssimos 0,9%. Tem-se, portanto, uma situação indesejável de baixo
crescimento com inflação alta. Ou não se tem?
Agora eu volto lá aos economistas. Desafio os especialistas da Casa das Garças (que reúne muita gente
boa e intelectualmente honesta), da Casa dos Tucanos, da Casa dos Falcões, da
Casa dos Canarinhos a me demonstrar que
a receita para baixar a inflação que está aí é a elevação de juros.
Notem bem: eu não estou contestando que elevação de juros
concorra para baixar a inflação, como não contesto que um dos efeitos do antibiótico
é baixar febre quando o paciente contraiu uma infecção bacteriana
O
desafio é interessante, mas inócuo. Por
quê? Porque movimentos da SELIC, por si sós, não indicam nada. Uma elevação da SELIC não é garantia alguma
de que o Banco Central está querendo conter a inflação de preços, e por um simples motivo: a elevação
da SELIC nem sempre significa um aperto monetário. E, da mesma forma, uma redução da SELIC nem
sempre significa um afrouxamento monetário.
Mais ainda: é perfeitamente possível acontecer o oposto, isto é, a SELIC
subir ao mesmo tempo em que está havendo uma forte expansão monetária e a SELIC
cair ao mesmo tempo em que está havendo uma redução na expansão monetária.
Em
suma, alterações da SELIC, se não analisadas corretamente, podem ser altamente
enganosas, pois elas nem sempre indicam corretamente a real postura do Banco Central.
O que é a SELIC e por que seu aumento não
necessariamente significa uma restrição à inflação
Para
entender por que alterações da SELIC podem ser enganosas, é necessário antes entender o que ela é.
A
taxa SELIC nada mais é do que a taxa de juros que os bancos cobram entre si no
mercado interbancário para emprestar (ou tomar emprestado) dinheiro que possuem
em suas reservas. Os bancos recorrem a essas operações interbancárias
diariamente porque, ao final de cada dia, precisam manter um determinado volume
de dinheiro em suas reservas. (Esse volume de reservas é o equivalente a
uma determinada porcentagem do total de seus depósitos, e é determinado pelo
Banco Central; chama-se compulsório).
Quando
o Banco Central cria dinheiro eletronicamente e utiliza esse dinheiro criado do
nada para comprar títulos públicos que estão em posse do sistema bancário, as
reservas bancárias aumentam. Este
aumento nas reservas bancárias tende a gerar uma diminuição na taxa de juros
que os bancos cobram entre si no mercado interbancário. Ou seja, tende a gerar uma diminuição na
SELIC. Afinal, com mais dinheiro nas
reservas, menos bancos se veem na necessidade de pedir dinheiro emprestado no
interbancário, e mais bancos se veem com reservas acima do nível estipulado
pelo Banco Central. Ato contínuo, os bancos podem agora criar mais
empréstimos para indivíduos e empresas.
Ao
estipular um valor para SELIC, o Banco Central manipula o mercado interbancário
— injetando dinheiro nele — de modo a fazer com que a taxa de juros neste
mercado se mantenha próxima do valor estipulado.
No
entanto, essa manipulação monetária do Banco Central não é o fator decisivo na
expansão monetária que ocorre na economia.
Quem realmente vai conduzir a expansão monetária é o sistema bancário. No arranjo financeiro e monetário em que
vivemos, são os bancos que jogam dinheiro na economia, e não o Banco Central. O Banco Central não pode jogar dinheiro
diretamente na economia (podia até o ano 2000, quando a Lei de
Responsabilidade Fiscal finalmente proibiu esta prática); apenas os bancos
podem fazer isso.
Se
os bancos sentirem que o momento econômico é bom, eles irão conceder
empréstimos. E bancos, ao concederem
empréstimos, criam dinheiro do nada e jogam este dinheiro na economia (para
entender todo este processo em detalhes, recomendo este artigo). Portanto, se os bancos quiserem emprestar
dinheiro, a oferta monetária irá aumentar.
Por outro lado, se eles sentirem que o momento econômico não é muito
favorável, eles reduzirão o ritmo de concessão de empréstimos, e a quantidade
de dinheiro na economia crescerá a um ritmo bem mais vagaroso.
Outra
maneira de os bancos jogarem dinheiro na economia é comprando títulos do Tesouro. Quando o governo incorre em déficits
orçamentários — e o governo brasileiro sempre incorre em déficits
orçamentários (chamado de "déficit nominal") —, o Tesouro vende títulos para
arrecadar dinheiro. Esses títulos são
adquiridos pelo sistema bancário, sendo que, para comprar estes títulos do
Tesouro, os bancos também criam dinheiro do nada. O Tesouro recebe esse dinheiro e o utiliza
para custear suas despesas. O dinheiro
entra na economia.
Tendo
entendido esse mecanismo, algumas extrapolações se tornam mais claras. Por exemplo, se a economia estiver indo bem e
os bancos estiverem otimistas, eles concederão mais empréstimos (tanto para o
setor privado quanto para o governo).
Isso, por si só, fará com que os juros do interbancário, a SELIC, subam
— afinal, como estão concedendo muitos empréstimos, os bancos continuamente terão
de recorrer ao mercado interbancário para manter suas reservas naquele nível
estipulado pelo Banco Central.
Ato
contínuo, o Banco Central — que trabalha com uma meta SELIC definida — terá
de injetar dinheiro no mercado interbancário para conter esta subida na
SELIC. Se ele injetar uma quantia
suficiente, a SELIC permanecerá no mesmo nível.
Se ele injetar uma quantidade insuficiente, a SELIC subirá.
E
essa conclusão é extremamente importante: sempre que os bancos expandem o
crédito, ocorre uma maior atividade no mercado interbancário. Logo, sempre que os bancos expandem o
crédito, a SELIC irá disparar caso o
Banco Central nada faça. No entanto,
dado que o Banco Central existe justamente para harmonizar esse processo de
expansão monetária, ele irá intervir injetando dinheiro no interbancário a um
ritmo que faça com que esta subida da SELIC seja mais branda e suave. Em outras palavras, o Banco Central irá
injetar dinheiro no interbancário a um ritmo suficiente para fazer com que a
SELIC suba suavemente. Neste cenário,
temos um aumento da SELIC, mas o Banco Central não está genuinamente
restringindo a expansão do crédito bancário.
A quantidade de dinheiro na economia continuará crescendo
vigorosamente. Estará havendo, portanto,
um "aumento acomodatício" da SELIC.
Logo,
é plenamente possível vivenciarmos um aumento na SELIC e os empréstimos bancários
seguirem crescendo a um ritmo forte. Ou
seja: é perfeitamente possível que um aumento na SELIC não seja de forma alguma
uma medida anti-inflacionária.
Inversamente,
caso os bancos, por algum motivo específico, se tornem mais pessimistas em
relação ao futuro da economia e reduzam a concessão de crédito, a atividade
deles no mercado interbancário será bem menos volumosa. Isso significa que, caso o Banco Central
continue no mesmo ritmo de injeções monetárias, a SELIC cairá. E ela cairá sem que isso gere um aumento da
expansão do crédito. Ou seja, é
perfeitamente possível que a SELIC caia e que o volume de concessão de
empréstimos bancários caia junto. Ou,
para ser mais direto, é perfeitamente possível haver uma situação em que uma
queda na SELIC seja acompanhada por uma postura anti-inflacionária dos bancos.
Um
exemplo extremo deste último fenômeno está ocorrendo nos EUA e na Europa neste
momento: a SELIC deles está abaixo de 1%, e não está havendo nenhuma explosão
na concessão de crédito. Ou, articulando
mais corretamente, a SELIC deles está em níveis historicamente baixos
justamente porque não está ocorrendo nenhuma explosão na concessão de crédito. Como os bancos estão pessimistas, eles não
saem concedendo empréstimos a torto e a direito (como fizeram até 2008). Consequentemente, a atividade no
interbancário é menos intensa e os juros ficam baixos. As injeções monetárias feitas pelo Fed e pelo
Banco Central Europeu nos bancos não se traduziram em acentuadas expansões do
crédito.
E
o Brasil? Ao nosso modo, estamos também
passando por este fenômeno, mas com menos intensidade.
Onde estamos e como chegamos aqui
O
gráfico abaixo mostra a evolução do agregado monetário M2. O M2 mensura a quantidade total de cédulas e
moedas metálicas em poder do público mais depósitos em conta-corrente mais
depósitos em poupança mais depósitos a prazo e outros depósitos no sistema
bancário.
Analisar
o M2 é interessante porque ele mostra exatamente como os bancos estão se
comportando. Da mesma forma que os
bancos jogam dinheiro na economia quando concedem crédito, eles também retiram
dinheiro da economia quando vendem algum papel para se recapitalizar, ou quando
vendem dólares ou quando pegam algum empréstimo junto a corretoras e fundos de
investimento. É bom ter isso em mente
porque é o resultado destas duas medidas opostas (expansão monetária e
contração monetária) que determinará a quantidade total de dinheiro na economia
Se
o M2 cresce aceleradamente — sempre que a linha do M2 se torna mais inclinada
em relação ao ano anterior —, isso significa que os bancos estão otimistas e
expandindo o crédito. Se o M2
desacelera, isso significa que os bancos estão mais contidos em sua concessão
de crédito. Estão criando empréstimos
mas também estão retirando dinheiro da economia em um volume maior em relação
ao ano anterior.
Veja
a evolução do M2 no Brasil desde 2002.

Gráfico 1:
evolução do M2 (01/2002 — 02/2013)
Agora,
observe a evolução da SELIC.

Gráfico 2:
evolução da SELIC (01/2002 — 03/2013)
No
início de 2003, as alterações na SELIC realmente geraram os efeitos esperados
pelos senso comum. A inflação de preços
havia disparado em 2002 (ver gráfico 3) tanto por causa da forte expansão do M2
quanto por causa da acentuada desvalorização cambial (por causa da eleição e
Lula), e o Banco Central teve de deixar os juros do interbancário subir de 18
para 26,5%. A subida dos juros no
interbancário tende a ocorrer automaticamente, pois os bancos naturalmente
elevarão os juros de seus empréstimos para se protegerem da inflação de preços.
Nesta situação, o Banco Central
simplesmente reduz suas injeções monetárias no mercado interbancário — ou, no
extremo, ele simplesmente pára de injetar dinheiro.
Tal
elevação súbita e acentuada dos juros no final de 2002 e no início de 2003 fez
com que ninguém se interessasse em pegar empréstimos, pois estavam muito
caros. Como consequência, o M2 parou de
crescer abruptamente, e o país entrou em recessão.
A
partir de meados de 2003, ocorre uma forte redução na SELIC, de 26,25% para
16,25%. Dado que esta redução não gerou
nenhuma explosão no M2 até o final daquele ano, isso significa que a SELIC caiu
justamente porque os bancos estavam contidos.
Ou seja, primeiro os juros subiram porque a inflação de preços se
manifestou de maneira súbita. Depois,
voltaram a cair porque a concessão de crédito estava extremamente baixa,
diminuindo a demanda no mercado interbancário.
A
inflação de preços acumulada em 12 meses cairia de 17% em maio de 2003 para
5,15% em maio de 2004 (gráfico 3).
Em
2004, com a inflação de preços contida, o otimismo voltou e houve uma forte
aceleração na concessão de crédito (daí o robusto PIB daquele ano). É possível dizer que a explosão do M2 em 2004
ocorreu por causa da forte redução da SELIC em 2003, sendo que tal redução foi
possível porque os bancos praticamente não expandiram o crédito naquele
ano. Após terem se contido por um ano, o
que permitiu a redução na SELIC e a acentuada redução na inflação de preços, os
bancos voltaram a expandir o crédito.
Ou
seja, até aqui, a relação entre SELIC e expansão monetária está indo de acordo
com o senso comum. Um aumento na SELIC
gerou contenção monetária, e uma redução na SELIC gerou expansão monetária.
Já
a partir de 2004, essa relação assume um comportamento errático. Por exemplo, de 2004 até o final de 2007, não
se nota nenhuma correlação entre aceleração do M2 e alterações na SELIC. A SELIC sobe e desce, e o M2 continua subindo
em velocidade constante.
Mas
em 2008 ocorre um fenômeno inverso ao de 2003: a SELIC aumenta porque os bancos
estavam extremamente animados. A SELIC
começou a se elevar em abril (de 11,25 para 11,75%) e foi até 13,75% em setembro. E o M2 foi junto. A elevação da SELIC não conteve o M2 naquele
ano simplesmente porque, como explicado no início do artigo, ela foi uma consequência da forte aceleração da
expansão de crédito naquele ano, o que gerou uma enorme demanda no mercado
interbancário. Caso o Banco Central interrompesse
suas injeções monetárias no mercado interbancário, a SELIC dispararia e toda
essa expansão monetária seria interrompida.
Porém, ele não fez isso. Ele
optou por acomodar essa expansão do crédito com contínuas injeções monetárias,
fazendo com que a SELIC subisse apenas suavemente. Esse foi o primeiro exemplo de "aumento
acomodatício" da SELIC, isto é, um aumento que visa a possibilitar a
continuidade da expansão do crédito.
Já
em 2009, o M2 se desacelera abruptamente (daí a recessão daquele ano), e junto
com ele vem a SELIC, que cai de 13,75% para 8,75%. A desaceleração do M2 em 2009 está muito mais
correlacionada ao clima de incerteza gerado pela crise financeira de outubro de
2008 do que pela elevação da SELIC ao longo de 2008, tanto é que a forte redução
da SELIC ao longo de 2009 não estimula o M2.
Ou seja, o M2 cresceu pouco em 2009, e a SELIC caiu acentuadamente, justamente
por causa da postura mais comedida dos bancos, que não apenas se recuperavam
dos excessos de 2008, como ainda estavam assustados com a crise de 2009.
Já
de abril de 2010 a agosto 2011, a SELIC pula de 8,75 para 12,50%. Mas o M2 dispara. Tem-se uma repetição de cenário de 2008. Os bancos estavam extremamente animados com
as perspectivas econômicas do país, e seu crescente volume de empréstimos
concedidos gerou grande demanda no mercado interbancário, o que elevou a
SELIC. Novamente, se o Banco Central houvesse
interrompido suas injeções monetárias, a SELIC dispararia, e essa expansão
creditícia seria interrompida. Mas como
a SELIC aumentou apenas vagarosamente ao passo que o M2 cresceu fortemente,
isso significa que o Banco Central injetou de forma contínua dinheiro no
mercado interbancário, apenas a um ritmo um pouco menor. Ou seja, o Banco Central na realidade estimulou essa expansão creditícia. Se ele quisesse, ele poderia ter interrompido
suas injeções monetárias no sistema bancário.
Mas isso não seria popular. Mais
um exemplo de "aumento acomodatício" da SELIC, um aumento que não configurou nenhuma
restrição à expansão monetária.
A
partir de agosto de 2011, a SELIC começa a cair. Cai de 12,50% para seus atuais 7,25%. E o M2 perceptivelmente desacelera junto: o
crescimento do M2 em 2012 foi sensivelmente menor que o de 2011 — daí o baixo PIB
do ano passado —, não obstante a SELIC tenha caído quase pela metade. Tudo indica que a SELIC caiu porque os bancos
diminuíram seu ritmo de concessão de crédito, não obstante o Banco Central tenha
continuado injetando dinheiro no mercado interbancário.
Conclusão:
um aumento da SELIC nem sempre significa contenção monetária (vide 2008, 2010 e
2011) e uma diminuição da SELIC nem sempre significa aceleração da expansão
monetária (vide 2009 e 2012). Uma SELIC
baixa, ou em queda, pode ser consequência de uma postura mais cautelosa dos
bancos, que estão mais contidos em conceder empréstimos e, por conseguinte,
estão demandando menos empréstimos no mercado interbancário.
O que efetivamente aniquila uma inflação de
preços
Tendo
entendido que a relação entre SELIC e inflação monetária nem sempre é explícita
— aumento da SELIC não necessariamente significa contenção monetária e redução
não necessariamente se reverte em expansão monetária —, façamos agora uma
análise direta das medidas corretas e comprovadamente eficazes para se combater
uma inflação de preços.
Apenas
duas medidas comprovadamente aniquilam uma inflação de preços de maneira
efetiva: a quantidade de dinheiro na economia tem de parar de aumentar e a taxa
de câmbio tem de se apreciar. Mais ainda:
essas duas têm de ocorrer simultaneamente.
Se
a interrupção da expansão da quantidade de dinheiro na economia for acompanhada
de uma depreciação cambial — arranjo esse que é incomum —, a inflação de
preços não será debelada. Isso aconteceu no Brasil em 2003. Naquele ano, a quantidade de dinheiro na
economia cresceu a uma das menores taxas de história do real, mas como o câmbio
havia se desvalorizado fortemente no final de 2002 (por causa dos temores com a
eleição de Lula), indo de R$2,25 para quase R$4 por dólar, o IPCA de 2003
chegou a um pico de 17% em maio de 2003.
Observe
os três gráficos a seguir. O primeiro
gráfico mostra a variação do IPCA acumulado em 12 meses. O segundo gráfico mostra a variação do
câmbio. E o terceiro gráfico mostra novamente
a variação do M2.

Gráfico 3: IPCA
acumulado em 12 meses (01/2002 — 03/2013)

Gráfico 4:
evolução da taxa de câmbio (01/2002 — 03/2013)

Gráfico 5:
evolução do M2 (01/2002 — 02/2013)
Logo
de início, é possível observar que uma aceleração no M2 — a qual ocorre sempre
que a linha do M2 se torna mais inclinada em relação ao ano anterior — é
preponderante em determinar a variação do IPCA.
Mas o efeito de uma forte alteração na taxa de câmbio não pode ser
ignorado.
Além
do já citado exemplo de 2003 — quando o M2 ficou parado, mas o câmbio havia se
desvalorizado —, são notáveis também os exemplos de 2005 e 2006. O M2 cresceu moderadamente nestes 2 anos (não
houve nenhuma aceleração no crescimento, dado que a inclinação da linha não se
altera), e a taxa de câmbio se valorizou continuamente. Como consequência, o IPCA acumulado em 12
meses caiu de 8% para 3% (e a SELIC também caiu continuamente, como mostra o
gráfico 2).
Já
em 2007, embora a taxa de câmbio continuasse caindo, o M2 apresenta uma ligeira
aceleração, o que altera o IPCA de 3% para 4,5%. Em 2008, a coisa degringola: o M2 dispara ao
longo do ano, e o câmbio se desvaloriza fortemente nos quatro últimos
meses. O IPCA atinge picos de 6,5%.
Em
2009, há a súbita interrupção no crescimento do M2. A taxa de câmbio se aprecia. O IPCA chega a um mínimo de 4,17% naquele ano
(ano em que a SELIC apresentou o menor valor de sua história até então).
Em
2010, a variação cambial é relativamente pequena, mas o M2 apresenta uma
aceleração vertiginosa. O IPCA sai de
4,17% para quase 6%.
Em
2011, o M2 continua em forte expansão, e o IPCA atinge um pico de 7,31% em
setembro, muito embora o câmbio tenha chegado à sua menor cotação (R$1,54 em
julho) desde 2008. E com um detalhe
adicional: a SELIC já havia subido de 8,75% para 12,50%, mostrando-se
totalmente ineficaz para controlar a escalada da inflação de preços.
Em
2012, há uma desaceleração substantiva do M2, mas tal desaceleração — que
deveria ajudar a conter a inflação de preços — é contrabalançada pela
desvalorização do câmbio, de R$1,70 no início de 2012 para um pico de R$ 2,11
em dezembro daquele ano.
É
neste ponto em que estamos atualmente.
Primeira conclusão: a variação da oferta
monetária é o fator preponderante para a inflação de preços. Se a oferta monetária estiver apresentando
aceleração (a linha estiver mais inclinada em relação ao ano anterior), os
preços subirão.
E
um aumento da SELIC nesta situação — algo que inevitavelmente ocorrerá, por causa da maior demanda no mercado interbancário
—, não necessariamente significará uma política contracionista do Banco
Central, e pelo seguinte motivo: para realmente conter uma expansão monetária
que está em aceleração, o Banco Central tem de interromper por completo suas injeções no mercado
interbancário. Isso faria com que os
juros deste mercado — a SELIC — disparassem.
Porém, ao continuar injetando dinheiro, o Banco Central evita esta
disparada dos juros, e acaba por acomodar a expansão monetária. Isso ocorreu em 2008, 2010 e 2011.
Segunda conclusão: apenas uma redução da
expansão monetária não é garantia de redução da inflação de preços. É preciso que o câmbio também se
aprecie. Caso isso não ocorra, pode
haver uma estagflação (de certa forma, estamos atualmente neste cenário).
Terceira conclusão: uma SELIC em queda
não necessariamente significa aceleração da expansão monetária. A SELIC pode estar caindo porque, além de o
Banco Central estar injetando dinheiro no mercado interbancário, os bancos
estão reduzindo seus empréstimos, o que faz com que a atividade no
interbancário seja menor. E como são os
bancos que jogam dinheiro na economia, são eles que, em última instância,
definem a intensidade da expansão monetária, à revelia do Banco Central.
E agora?
Observe
que, de janeiro de 2008 a janeiro de 2013, a quantidade de dinheiro na economia
mais do que duplicou. Isso permite uma
explicação para vários fenômenos.
Por
exemplo, o baixo desemprego. Essa
duplicação da quantidade de dinheiro na economia estimulou o aumento do emprego,
pois a maior quantidade de dinheiro reduz o custo real dos encargos sociais e trabalhistas — ao menos
temporariamente, enquanto os preços e custos estiverem crescendo bem abaixo da
inflação monetária. Se a quantidade de
dinheiro aumenta bem mais do que o aumento de preços, o volume de gastos tende
a aumentar, o que significa que o desemprego tende a cair.
Outro
fenômeno também explicado por essa duplicação na quantidade de dinheiro é o
contínuo aumento do salário mínimo sem o subsequente aumento do desemprego. Um comparativo entre a evolução do salário
mínimo e a evolução do emprego estará totalmente incompleto se você não levar
em conta a evolução da quantidade
de dinheiro na economia. A
análise que diz que aumento do salário mínimo gera desemprego pressupõe uma
oferta monetária razoavelmente constante. Porém, se por uma conjunção de
circunstâncias, a oferta monetária crescer muito e os preços crescerem bem
menos, não há nenhum motivo para um aumento do salário mínimo gerar desemprego.
No
momento, como dito, o M2 está em clara tendência de desaceleração. Após ter crescido 18,7% em 2011, cresceu
apenas 9% em 2012. Essa redução na sua
taxa de crescimento foi suficiente para derrubar o PIB, mas, por causa da
desvalorização cambial (o dólar foi de R$1,70 para R$2,11) e de todo esse
robusto crescimento do M2 desde 2008, a inflação de preços praticamente não foi
afetada. Dado que há uma defasagem entre
expansão monetária e aumento dos preços, ainda há "gordura" para os preços
subirem, mesmo que o M2 porventura mantenha a atual tendência de desaceleração.
A
conclusão, por ora, é que toda a propaganda governamental sobre "forçar" os
bancos a conceder mais empréstimos felizmente
não surtiu o efeito esperado. Sim, a
carteira de empréstimos continuou se expandindo, mas a um ritmo mais contido,
principalmente nos bancos privados, que aumentaram suas carteiras em apenas 7,4%
nos últimos 12 meses. O principal risco,
como sempre, vem dos bancos públicos, que aumentaram suas carteiras em 28,9%
neste mesmo período.
Bancos
privados não são bobos. Eles sabem que
emprestar dinheiro para uma população cujo endividamento está em níveis recordes
nunca é uma boa política. É mais sensato
e prudente expandir sua carteira de empréstimos de forma comedida, selecionando
bem as pessoas para quem conceder empréstimo, a sair desvairadamente
emprestando para qualquer um, como quer o governo. Sofrer calotes não é algo que nenhum banco
privado quer vivenciar, especialmente no mundo pós-2008.
Se
os bancos privados mantiverem esta prudência e este comedimento, e os bancos
públicos não desvairarem, não há por que esperar que haja grandes elevações na
SELIC.
Aliás,
na atual situação, dado que a expansão monetária está em desaceleração — o que
significa uma menor atividade no interbancário, e consequentemente uma SELIC
baixa —, um aumento na SELIC seria algo inédito. Ainda não vivenciamos uma situação em que a
SELIC foi elevada quando o M2 já estava em perceptível desaceleração e o PIB
estava perto de zero. Para isso
acontecer, o Banco Central teria de reduzir sobremaneira suas injeções
monetárias no mercado interbancário, ou até mesmo retirar reservas do sistema bancário. Isso seria bastante atípico.
O
Banco Central tem sim o poder de elevar a SELIC quando quiser e até o nível que
quiser. Basta ele anunciar que estará
vendendo títulos do Tesouro a preços menores que seus valores atuais.
Quanto mais baixos os preços a que ele estiver vendendo (e ele pode
reduzir o preço o tanto que quiser), maiores serão os juros, maior será a
quantidade de dinheiro que os bancos direcionarão para a compra destes títulos
e consequentemente maior será o volume de reservas retiradas dos bancos, o que
afetaria diretamente a expansão do crédito.
Mas tal medida é politicamente inviável — ela afetaria todo o leilão de
venda de títulos do Tesouro, que agora conseguiria apenas um valor muito
pequeno por leilão, dado que todos os investidores prefeririam comprar mais
barato do Banco Central.
Consequentemente, o governo teria enormes dificuldades em financiar seus
déficits e em rolar sua dívida. Impensável.
Caso
o Banco Central opte por deixar tudo como está, que é o que ele vem fazendo já
há algum tempo, a única maneira de a inflação de preços cair é se os bancos
voluntariamente decidirem conter seus empréstimos — o que também significa que o governo
tem de reduzir seus déficits orçamentários — e o dólar se desvalorizar
perante o real.
Eis,
portanto, o resumo da situação: por causa de um Banco Central totalmente
inoperante e submisso ao governo, temos de ficar na torcida para que os bancos,
contra seus próprios interesses lucrativos e contra os interesses do governo,
se contenham e evitem a expansão de sua carteira de crédito. E temos de
fazer figa para que aquele aloprado que está no comando da Fazenda demonstre
algum bom senso e equilibre o orçamento.
E temos de esperar alguma manifestação sobrenatural que faça com que os
desenvolvimentistas que ocupam Brasília fiquem repentinamente sãos, abandonem a
histeria e permitam uma eventual apreciação do câmbio.
Ou
seja, quando foi que você imaginou que chegaria o dia em que o preço do seu
almoço seria totalmente dependente do bom senso e da frugalidade de banqueiros?