segunda-feira, 14 jan 2013
Milton
Friedman, além de um grande debatedor, era um sujeito extremamente sagaz. Eu o conheci.
Eu gostava dele. Mas ele não
diferia em nada de outras pessoas perspicazes.
Quando ele se apegava a uma ideia conceitualmente errada, ele se tornava
perigoso.
Meu
professor de apologética no seminário foi Cornelius Van Til. A apologética é a defesa filosófica da fé
cristã. Van Til era tão perspicaz quanto
Friedman. Ele possuía um grande conjunto
de metáforas em seu arsenal retórico. A
minha favorita era a metáfora da serra circular. Ele dizia o seguinte: "Você pode ter a mais
afiada das serras circulares; mas se você a utilizar em um ângulo errado, ela
jamais fará um corte certeiro."
No
campo da teoria monetária, Milton Friedman era uma serra circular posicionada
em um ângulo torto. Jamais cortava
corretamente.
Friedman
descrevia a distribuição da moeda fiduciária em termos de uma metáfora: um
helicóptero cheio de papel-moeda saía jogando dinheiro para a população logo
abaixo. Ele utilizou essa metáfora em um
capítulo intitulado "O Mistério do Dinheiro".
Trata-se do capítulo 2 de seu livro de 1994, Money Mischief. Seu objetivo
neste capítulo era mostrar que dinheiro gratuito jogado dos céus, de maneira
contínua, aumentaria os preços. Ele
introduziu a metáfora na página
29.
O
que a metáfora não mostra é exatamente aquilo que a teoria monetária da Escola
Austríaca enfatiza: este dinheiro
recém-criado é introduzido em pontos específicos da economia. Ele não entra uniformemente em todos os
setores da economia. O Banco Central
cria dinheiro do nada e utiliza este dinheiro para comprar títulos em posse do
sistema bancário. Os bancos, por
conseguinte, utilizam este dinheiro para conceder empréstimos. É
assim que o dinheiro entra em circulação.
Um
dos primeiros clientes a receber este dinheiro é o governo federal, que está
sempre incorrendo em déficits — e, logo, está sempre pedindo empréstimos. O governo federal recebe este dinheiro antes
de todo mundo e o gasta. Aquelas pessoas
e empresas que consequentemente recebem este dinheiro são privilegiadas, pois
podem gastá-lo antes de todas as outras pessoas, quando os preços ainda não
subiram. Ao gastar esse dinheiro, os
preços começam a subir. Mas, como é
possível notar, os preços não sobem uniformemente. E, caso a produção da economia esteja
aumentando, os preços podem até nem mesmo subir. Mas o
que está sempre subindo são os gastos
do governo. Este fato — e não os
efeitos da criação de dinheiro sobre o nível geral de preços — deve ser o
cerne de qualquer análise correta sobre o Banco Central e seu poder de criar
dinheiro do nada. Tal fato é discutido
unicamente pelos economistas seguidores da Escola Austríaca.
Friedman
nunca admitiu que este processo de gastos sequenciais fosse relevante. Ele, assim como seu mentor intelectual Irving
Fisher, conscientemente rejeitou a abordagem analítica austríaca. Qual é essa abordagem? A mesma do roteiro do filme Todos os Homens do
Presidente: "Siga o dinheiro".
Irving
Fisher publicou seu livro sobre teoria monetária em 1911. Ludwig von Mises o refutou com seu livro de
1912, The
Theory of Money and Credit.
Fisher nunca respondeu explicitamente a Mises. Mas seus respectivos discípulos travaram
várias batalhas. Murray Rothbard
repetidas vezes criticou Friedman em relação a este mesmo ponto. Friedman jamais respondeu explicitamente a
Rothbard.
Friedman
sempre disse preferir a precificação feita pelo livre mercado. Mas sempre houve esta reluzente exceção: a
precificação do dinheiro. Sua metáfora
do helicóptero se tornou uma poderosa ferramenta retórica para persuadir outras
pessoas em relação aos seus argumentos contra a precificação da moeda feita
pelo livre mercado. Ele passou toda a
sua carreira tentando solapar a ideia de um livre mercado no âmbito monetário
(moedas de ouro) e de um sistema de preços baseado nele. Ele se tornou uma figura pública com seu
livro de 1961, Capitalismo
e Liberdade. O capítulo 3 é todo
sobre dinheiro. Ele já começa o capítulo
com uma rejeição do padrão-ouro puro, baseado no uso de moedas de ouro.
Os keynesianos pilotam o helicóptero
Desde
o início, os keynesianos adoraram a metáfora friedmaniana do helicóptero cheio
de dinheiro de papel. Por quê? Porque esta metáfora retratava o Banco
Central como uma ofertante de bens gratuitos.
Os keynesianos compreenderam aquilo que os economistas austríacos já
sabiam: havendo um Banco Central sempre pronto para comprar títulos dos bancos,
o governo federal torna-se capaz de vender seus títulos para o sistema bancário
a juros menores do conseguiria sem um Banco Central. Isso permite ao governo gastar mais dinheiro
do que o total que arrecada por meio de impostos e de empréstimos junto ao
setor privado.
Eis
aqui uma lei básica da economia: tudo o mais constante, quando o preço de um bem diminui, uma maior quantia é demandada. Dinheiro fiduciário emitido por um Banco
Central permite ao governo adquirir mais poder e influência sobre toda a
economia. Dinheiro fiduciário criado pelo Banco Central é um grande subsídio ao
governo federal.
Keynesianos
acreditam que o governo pode e deve aumentar seus gastos — isto é, sua
aquisição de bens e serviços. Friedman
sempre disse que o governo não deveria poder fazer isso com muito frequência —
e que, quando o fizesse, que fosse de maneira eficiente (por exemplo, por meio
da emissão de vouchers para a
educação). Mas Friedman ignorou o óbvio:
o poder de criar dinheiro fiduciário reduz os custos do endividamento do governo. O governo poderá se endividar a juros cada
vez menores. Isso significa que o Banco
Central fornece poder e influência para o governo a um custo muito baixo. O governo irá sempre demandar mais dinheiro a
juros cada vez mais artificialmente baixos, pois isso amplia o âmbito e o
alcance das operações do governo.
Este
foi o cerne do erro analítico de Friedman, que durou toda a sua vida. E esse erro caiu como uma luva para os
keynesianos. Eles hoje sabem
perfeitamente qual é o maior benefício de existir um Banco Central: a
instituição fornece dinheiro extra e quase gratuito para o governo incrementar
seus gastos.
Friedman
tentou reduzir a ênfase dada a esse aspecto do arranjo. Ele passou a promover a ideia de uma inflação
monetária constante, com a oferta monetária crescendo a uma taxa anual fixa, em
torno de 3 a 5% ao ano. Segundo ele,
essa seria uma forma de manter o "motor" da economia funcionando
suavemente. Para Friedman, o
lubrificante necessário para a economia — metáfora minha, e não dele — era o
dinheiro. Ele realmente acreditava que o
dinheiro poderia ser ofertado pelo Banco Central a custo zero.
Ele
adquiriu sua reputação por meio de um livro escrito a quatro mãos, A
Monetary History of the United States (1963). Nele, Friedman e Anna Schwartz culpam o
Federal Reserve pela Grande Depressão. Por
quê? Porque o Banco Central americano não
inflacionou o bastante para socorrer 9.000 bancos e com isso interromper a
contração do M1. Os bancos quebraram e o
M1 entrou em deflação.
Para os keynesianos,
essa teoria foi um maná ideológico caído dos céus. Essa foi a ideologia anticapitalista
gratuitamente jogada por Friedman de um helicóptero: culpar um banco central
por não ter produzido uma inflação de preços adequada e por não ter
inflacionado a moeda o necessário para permitir um aumento dos gastos do
governo.
Friedman,
portanto, acreditava em um almoço grátis nesta área da economia. Essa sua teoria deu o tom a todas as suas
análises econômicas. Foi ela também que
lhe garantiu o Prêmio Nobel.
E
ele estava completamente equivocado.
Superando a deflação de preços
Os
9.000 bancos quebraram porque o seguro federal sobre depósitos (Federal Deposit
Insurance Corporation, de 1934) ainda não havia sido criado. Os
correntistas tiraram seu dinheiro dos bancos e não o redepositaram. Isso
levou à falência de milhares de bancos, o que criou uma deflação
monetária. O processo de reservas fracionárias foi implodido.
Durante
este período, o Fed inflacionou a base monetária com o intuito de impedir este
fenômeno, ao contrário dos relatos de Friedman e Schwartz. O que
aconteceu é que, de 1931 a 1933, os correntistas americanos frustraram os
planos do Fed. Um gráfico produzido pela sucursal do Fed de St. Louis
deveria para sempre silenciar aqueles economistas que creem que Friedman e
Schwartz provaram a "complacência" do Fed. Mas não irá, é claro. A história
contada por Friedman e Schwartz é conveniente demais para ser utilizada como
ferramenta de pressão para novas rodadas de inflação monetária. Friedman
e Schwartz escreveram o livro mais importante da história a favor da inflação
monetária, pois os meios acadêmicos acreditam universalmente nele. A
única seção do livro que sempre é citada pelos economistas convencionais é a
seção sobre as ações do Fed no início dos anos 1930. A história é analítica
e historicamente mentirosa. Eis aqui os fatos.
Friedman
ignorou o que deveria ser discutido: a política adotada pelo Federal Reserve,
de 1926 a 1929. Foi isso que o livro de
Murray Rothbard, também publicado em 1963, discutiu: A Grande Depressão
Americana.
Em
sua seção sobre jogar dinheiro do helicóptero, Friedman não discutiu nem governo
e nem tributação, mas os keynesianos já haviam entendido tudo. Em última instância, dado que os Bancos Centrais
compram os títulos da dívida do governo, a expansão monetária feita pelo Banco
Central resulta em um aumento dos gastos do governo sem que seja necessário um
aumento da tributação. Esta é a grande implicação
de posição de Friedman. E os keynesianos
adoraram. (Em 1963, os keynesianos
simbolicamente convidaram Friedman para entrar no establishment acadêmico
profissional por causa de seu livro.
Antes disso, ele era um pária.)
E
a inescapável implicação dessa posição — a expansão do tamanho do estado por
meio da inflação monetária — foi explicada claramente por Murray Rothbard em
seu livro What
Has Government Done to Our Money?:
A invenção do dinheiro, embora uma bênção para a espécie
humana, também abriu um caminho mais sutil para a expropriação
governamental. No livre mercado, a moeda
pode ser adquirida de duas formas: ou o indivíduo produz e vende bens e
serviços desejados por terceiros, ou ele se dedica à mineração de ouro (um
negócio tão lucrativo como outro qualquer, no longo prazo). Mas se o governo descobrir maneiras de se
envolver em falsificação — na criação de nova moeda do nada —, então ele poderá,
rapidamente, produzir o próprio dinheiro sem ter o trabalho de vender serviços
ou garimpar ouro. Ele poderá, então, se
apropriar maliciosamente de recursos e quase sem ser notado, sem suscitar as
hostilidades desencadeadas pela tributação.
De fato, a falsificação gera, nas próprias vítimas, a feliz ilusão de
incomparável prosperidade.
É evidente que a falsificação não é senão outro nome para
a inflação — as duas criam novo "dinheiro" que não é ouro ou prata, e ambas
funcionam do mesmo modo. E agora vemos
por que os governos são inerentemente inflacionários: porque a inflação é um
meio poderoso e sutil para o governo adquirir recursos do público, uma forma de
tributação indolor e bem mais perigosa.
O que se vê e o que não se vê
Em
1850, Frédéric Bastiat nos alertou a, sempre que fossemos fazer uma análise
econômica, prestarmos atenção às coisas que não
víamos. Ele utilizou a metáfora da vidraça
quebrada e os gastos que tal acontecimento gera. Temos de pensar no que está acontecendo ao
longo de todo o processo, ele disse. A
vidraça quebrada altera o padrão de gastos.
Ela reduz investimentos em bens e serviços que eram de alta prioridade antes
de a vidraça ser quebrada e aumenta os gastos na nova prioridade: reparar a
vidraça quebrada. O homem cuja vidraça
foi quebrada sofreu uma perda. Logo,
disse Bastiat, não pode ser válido um argumento que afirma que os gastos com o
conserto de vidraça produzem um benefício pessoal líquido para o sujeito. Sendo assim, se não houve um benefício
pessoal líquido, também não pode ter
havido um benefício social líquido. Este é o âmago de sua análise.
Aplicando
este mesmo princípio a um helicóptero que joga dinheiro lá de cima, a alteração
no padrão de gastos que tal fenômeno gera — do setor privado para o setor
estatal — não pode, ipso facto, ser tida como geradora de um benefício social
líquido. Ao contrário, ela tem de ser
considerada como geradora de uma perda
social líquida.
Friedman
nunca falou nada a respeito disso. Ele sempre
dizia que havia algum tipo de regra jurídica teoricamente válida que poderia
ser aplicada pelo governo para proibir este uso indevido do helicóptero, isto
é, para impedir a expansão dos gastos do governo para além do que (1) os
pagadores de impostos estão dispostos a aceitar e (2) os emprestadores privados
estão dispostos a financiar a juros baixos.
Tal raciocínio implicava ser confiável colocar raposas para tomar conta
do galinheiro. (Todos nós adoramos metáforas, não?) A ideia era ilógica desde sua criação, e,
ainda assim, este homem brilhante jamais se dispôs a encarar abertamente sua
total absurdidade.
De
1963 até sua morte em 2006, Friedman jamais publicou a seguinte mensagem:
Os keynesianos utilizaram inapropriadamente minha tese
sobre a Grande Depressão. Eles
defenderam uma expansão monetária empreendida pelo Banco Central e pelo sistema
bancário com o intuito de contrabalançar uma deflação de preços e uma depressão
econômica. Eu também. Eles culparam o Fed, 1930-33, por não ter
inflacionado o bastante. Este foi
exatamente o meu argumento, e a Dra. Schwartz forneceu várias estatísticas para
provar. Mas eu não me responsabilizo de
forma alguma pela expansão dos gastos governamentais ocorrida desde 1933. Nada.
Nem um fiapo. Minhas mãos estão
limpas.
Os keynesianos defendem mais gastos governamentais. Eu não.
Sim, é verdade que, dado que o Banco Central expande a base monetária ao
comprar títulos do Tesouro em posse do sistema bancário, isso necessariamente estimula
o aumento dos gastos do governo. Mas
isso não é culpa minha. O Banco Central
poderia igualmente, e com a mesma facilidade, comprar títulos emitidos por
empresas. Eu nunca recomendei isso, e
simplesmente não é justo utilizar a minha teoria e as evidências históricas
fornecidas pela Dra. Schwartz para justificar uma expansão governamental. Repudio toda e qualquer responsabilidade por
qualquer expansão ocorrida nos governos federais.
Ele
deveria ou ter publicamente adotado esta obviamente implausível linha de
raciocínio, ou ter admitido que ele e Schwartz eram culpados da acusação. Mas ele nunca o fez.
Conclusão
A
metáfora do helicóptero distribuindo dinheiro de papel serve aos propósitos dos
keynesianos e dos monetaristas. Mas ela
não é uma metáfora correta. Tampouco ela
é relevante para o real processo da inflação monetária.
A
metáfora correta seria a de um homem carregando uma grande valise de
dinheiro. Este "homem da valise" atua
como agente da máfia. Ele carrega em sua
valise várias cédulas de dinheiro para subornar políticos corruptos.
A
máfia seria o sistema bancário de reservas fracionárias, que nada mais é do que
um cartel protegido pelo Banco Central. E
o Banco Central seria, portanto, o homem da valise. Ele suborna os políticos: compra títulos do
Tesouro com dinheiro criado do nada (o mesmo que falsificação).
Milton
Friedman foi o agente operacional que fornecia a teoria que respaldava o homem
da valise dos grandes bancos comerciais: sua função era a de passar a ideia de
que era possível reformar o Banco Central. Ele subornou os porta-vozes dos políticos, os
keynesianos, com a moeda na qual estes negociam: fórmulas matemáticas e várias
notas de rodapé. Ele foi saudado como um
desbravador econômico pelos keynesianos por causa deste seu crucial serviço
ideológico.
Em
contraste, Rothbard e Mises, por terem defendido que um padrão-ouro puro faria
o serviço de precificação de livre mercado sem qualquer tipo de intervenção
econômica, passaram toda a sua carreira como profetas, gritando sozinhos na imensidão
do deserto.
Veja também:
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