segunda-feira, 3 dez 2012
Vários
políticos e comentaristas, como
Paul
Krugman, alegam que o problema atual da Europa é a austeridade. Mais especificamente, alegam que os gastos
dos governos europeus estão insuficientes.
O
argumento padrão é o seguinte: em decorrência das reduções nos gastos
governamentais, a demanda na economia torna-se insuficiente. Isso leva a um aumento no desemprego. O desemprego piora a situação porque gera uma
queda ainda maior na demanda agregada, o que por sua vez provoca uma queda nas
receitas governamentais e um consequente aumento em seus déficits orçamentários. Ato contínuo, os governos europeus, pressionados
pela infatigável Alemanha, aprofundam seus cortes de gastos, reduzindo
novamente a demanda agregada da economia ao demitir funcionários públicos e cortar
gastos assistencialistas. Isso, por sua
vez, reduz ainda mais a demanda agregada, gerando uma infindável espiral
baixista de desemprego e miséria.
O
que pode ser feito para se sair desta espiral?
A resposta dada pelos comentaristas é simplesmente a de acabar com a
austeridade, turbinando os gastos governamentais para elevar a demanda
agregada. Paul Krugman chegou até mesmo
a argumentar em prol de uma organização
planetária contra uma invasão de alienígenas, o que induziria os governos a
gastarem mais. E por aí vão as
bizarrices. Mas esse raciocínio procede?
Em
primeiro lugar, será que há realmente alguma austeridade na zona do euro? Um indivíduo só pode ser considerado austero
se ele poupa, isto é, se ele gasta menos do que ganha. E a realidade é que não existe absolutamente
nenhum país na zona do euro que seja austero.
Todos eles gastam mais do que arrecadam de receitas.
Com
efeito, os déficits orçamentários dos governos da zona do euro estão
extremamente altos, em níveis insustentáveis, como pode ser visto no gráfico
abaixo, o qual retrata os déficits de cada governo em porcentagem de seu
PIB. Note que os números para 2012 são
aqueles desejados por cada governo.

Os
números absolutos para os déficits — em bilhões de euros — são ainda mais
impressionantes.

Outro
bom retrato da austeridade é comparar os gastos dos governos às suas
respectivas receitas (o quão maior é o gasto público em relação à receita, em
termos percentuais).

Imagine
que um conhecido seu tenha gastado, em 2008, 12% a mais do ganhou; em 2009, 31%
a mais; em 2010, 25% a mais; e, em 2011, 26% a mais. Você diria que essa pessoa é austera? Você diria que esse comportamento é
sustentável? Pois é exatamente isso o
que o governo da Espanha tem feito. E
ele vem se mostrando incapaz de mudar de postura. Perversamente, os comentaristas da mídia
estão dizendo que é justamente essa "austeridade" a responsável pelo
encolhimento da economia espanhola e pelo seu alto desemprego.
Infelizmente,
austeridade é uma condição necessária para a recuperação da Espanha, da zona do
euro, e de qualquer outra economia em recessão. A
redução dos gastos do governo faz com que recursos reais — que até então
haviam sido absorvidos pelo estado — sejam liberados e consequentemente
disponibilizados para o setor privado. A
redução dos gastos do governo faz com que novos projetos de investimento se
tornem lucrativos e impede os antigos de irem à falência.
Considere
o seguinte exemplo. João quer abrir um
restaurante. Ele faz alguns
cálculos. Ele estima que as receitas do
restaurante serão de $10.000 por mês. Já
os custos estimados são os seguintes: $4.000 de aluguel do espaço; $1.000 de
conta de luz, água, gás e telefone; $2.000 pela comida; e $4.000 para os
salários. Com as receitas estimadas em
$10.000 e os custos estimados em 11.000, João não irá começar seu
empreendimento.
Agora,
suponhamos que o governo se torne mais austero, ou seja, ele efetivamente
reduza seus gastos. Suponhamos que o
governo extinga algumas agências reguladoras e alguns ministérios, e venda os
prédios dessas burocracias no mercado.
Como consequência, haverá uma tendência de queda nos preços dos imóveis
e dos alugueis. O mesmo ocorrerá com os
salários. Os burocratas demitidos sairão
à procura de empregos no setor privado, e essa maior oferta de mão-de-obra
exercerá uma pressão baixista sobre os salários. Adicionalmente, as agências e os ministérios
abolidos não mais estarão consumindo energia e demais serviços de utilidade
pública, o que gerará uma tendência de queda no preço destes serviços. João poderá agora alugar um espaço para seu
restaurante no local onde funcionava uma destas burocracias por $3.000, dado
que os alugueis estão barateando. Suas
contas de luz, água, telefone, gás etc. caem para $500, e os burocratas
demitidos poderão ser contratados para lavar pratos e servir mesas por
$3.000. Agora, com as receitas estimadas
em $10.000 e os custos em $8.500, o lucro esperado será de $1.500, e João
poderá iniciar seu empreendimento.
Dado
que o governo reduziu seus gastos, ele poderá reduzir também seus impostos,
medida essa que poderá elevar o lucro líquido final de João (que agora tem de
pagar um imposto de renda menor). Graças
à austeridade, o governo foi capaz também de reduzir seu déficit. Aquele dinheiro que até então era emprestado
ao governo para financiar seu déficit poderá agora ser emprestado para João
para que ele faça seu investimento inicial: transformar as antigas instalações
burocráticas em um restaurante. Com
efeito, um dos principais problemas de países como a Espanha é que a poupança
real dos cidadãos está sendo utilizada pelo sistema bancário não para financiar
empreendimentos privados, mas sim para financiar o governo. Empréstimos estão praticamente indisponíveis
para empresas privadas porque os bancos utilizam seus fundos para comprar
títulos do governo a fim de financiar o déficit público.
No
final, tudo se resume à seguinte questão: quem deve determinar o que deve ser
produzido e como? O governo, que usa
recursos alheios para proveito próprio (como expandir a burocracia por meio de
agências reguladoras, ministérios, programas assistencialistas, guerras etc.),
ou empreendedores em um ambiente concorrencial, batalhando entre si para
satisfazer os desejos dos consumidores com produtos cada vez melhores e mais
baratos (como João, que agora utiliza em seu restaurante parte dos recursos
anteriormente imobilizados no aparato estatal)?
Se
você crê que a segunda opção é a melhor, então a austeridade é o caminho
certo. Mais austeridade e menos gastos
governamentais significam menos recursos para o setor público (menos
burocracia, menos agências reguladoras, menos ministérios) e mais recursos para
o setor privado, que os utiliza para satisfazer os desejos dos consumidores
(mais restaurantes). Austeridade é a
solução para os problemas da Europa e dos EUA, uma vez que ela estimula o
crescimento sólido e reduz os déficits governamentais.
Um PIB menor?
Mas
não seria verdade que, ao menos temporariamente, a austeridade reduz o PIB e
joga a atividade econômica em uma espiral descendente?
Infelizmente,
o PIB é um número bastante enganador. O
PIB nada mais é do que o valor de mercado de todos os bens finais e serviços
produzidos em um país dentro de um dado período.
Há
dois motivos por que um PIB menor nem sempre é um mau sinal.
O
primeiro motivo está relacionado à questão dos gastos governamentais. Imagine um burocrata do governo que emite
alvarás de funcionamento. Quando ele
nega a autorização para um determinado empreendimento, quanta riqueza foi
destruída? Como calcular? Seria por meio das receitas esperadas desse
empreendimento ou por meio de seus lucros esperados? E se o burocrata involuntariamente tiver
impedido o surgimento de uma inovação que poderia evitar o desperdício de
inúmeros recursos escassos para a economia?
É difícil dizer qual o tamanho da destruição de riqueza provocada pelo
burocrata. Poderíamos simplesmente, e
arbitrariamente, pegar seu salário anual de $120.000 e subtraí-lo da produção
privada da economia. O PIB seria menor.
No
entanto — está sentado? —, o exato oposto ocorre na prática. Os gastos governamentais contam positivamente para o PIB.
O salário do burocrata — e sua atividade destruidora de riqueza —
eleva o PIB em $120.000. Isso significa
que, se a agência reguladora desse burocrata for fechada e ele for demitido,
então o imediato efeito dessa austeridade será uma redução de $120.000 no
PIB. No entanto, essa redução no PIB é
um ótimo sinal para a produção privada e para a satisfação dos desejos dos
consumidores.
Segundo,
se a estrutura de produção se encontra distorcida após um período de crescimento
econômico aditivado pela expansão artificial do crédito, a reestruturação da
economia também irá gerar uma queda temporária no PIB. Com efeito, o PIB só poderia ser mantido se a
estrutura de produção permanecesse inalterada.
Mas a permanência dessa estrutura distorcida e artificial representaria
um consumo de riqueza, e não uma produção.
Se
a Espanha ou os EUA tivessem continuado utilizando a mesma estrutura de
produção vigente durante seus anos de crescimento, eles teriam continuado
construindo a quantidade de imóveis que construíram em 2007. Vários recursos escassos teriam sido
desperdiçados nesses projetos, mais empresas estariam falidas no futuro e
haveria menos capital disponível na economia. A reestruturação de uma economia que foi
artificialmente distorcida pelo crédito farto e barato direcionado ao setor
imobiliário requer justamente um período de encolhimento do setor
imobiliário. Mais especificamente, tal
setor terá de fazer um menor uso dos fatores de produção, liberando mão-de-obra
e capital para outros setores. E estes
fatores de produção devem ser transferidos para aqueles setores onde eles estão
sendo demandados com mais urgência pelos consumidores.
A
reestruturação não é instantânea; ela é organizada e conduzida por
empreendedores em um processo dinâmico e competitivo que é incômodo, fatigante
e que leva tempo. Durante esse período
de transição, quando os empregos naqueles setores artificialmente inchados da
economia estão sendo destruídos, o PIB tende a cair. Essa queda no PIB é apenas um sinal de que a
necessária reestruturação da economia já está ocorrendo. A alternativa seria continuar produzindo a
mesma quantidade de imóveis produzida em 2007.
Se o PIB não caísse acentuadamente, isso significaria que a expansão
econômica destruidora de riqueza estaria continuando exatamente como estava nos
anos 2005—2007.
Conclusão
A
austeridade do governo é uma condição necessária para a prosperidade privada e
para uma rápida recuperação econômica. O
problema da Europa (e dos EUA) não é o excesso, mas sim a escassez de
austeridade — ou melhor, a sua completa ausência. Uma queda no PIB pode ser um indicador de que
a necessária e saudável reestruturação da economia já está ocorrendo.
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