Nos
tempos atuais, fomos doutrinados a crer que pequenos pedaços retangulares de
papel são a exata definição de dinheiro, e que o governo — mais
especificamente seu banco central — é sua única fonte possível. Para se discutir honestamente como é possível
obter uma moeda forte, é necessário antes entender como surgiu o
dinheiro e como se estabeleceu nosso atual costume monetário.
No
início, era cada um por si. Cada indivíduo
comia ou vestia apenas aquilo que ele fosse capaz de coletar ou caçar.
E
então surgiu o escambo, que foi o primeiro avanço. Se você estivesse em posse de alguns quilos
extras de carne, e o seu vizinho possuísse uma quantidade excedente de pele de animal,
vocês dois poderiam incorrer em uma troca direta. Se alimentos, água, roupas e ferramentas
simples são os únicos bens disponíveis no mercado, o escambo acaba sendo um
meio relativamente eficiente de troca — você sempre poderá encontrar alguém
que possui aquilo que você quer e que quer aquilo que você possui.
Porém,
tão logo surgiu um esquema básico de produção e manufatura, e a
prosperidade começou a aumentar, o escambo se tornou uma prática
inadequada. Imagine que você é um
caçador e quer adquirir uma cama, mas o único produtor de camas da cidade é um
vegetariano. O que você pode fazer neste
caso? Você primeiro teria de descobrir o
que o produtor de camas aceitaria em troca da cama (talvez tofu), e então teria
de encontrar alguém que possuísse tofu e estivesse disposto a trocar por
carne. Se você não conseguisse encontrar
tal pessoa (o produtor de tofu quer um chapéu em troca), você teria de procurar
por uma quarta pessoa (alguém que quisesse carne e que possuísse o chapéu que o
produtor de tofu quisesse), ou tentar convencer o produtor de camas vegetariano
a aceitar sua carne para, algum tempo depois, tentar trocá-la por algum outro
bem.
A
carne, no entanto, estraga com o tempo, de modo que o produtor de camas teria
de se livrar dela rapidamente.
Consequentemente, sendo você incapaz de conseguir arrumar algum bem que
o produtor de camas queira consumir, você decide trocar sua carne por um pouco
de sal. Ato contínuo, você se aproxima
do produtor de camas e diz: "Olha só, eu sei que você não quer sal, mas pense
em todas as outras pessoas que querem.
Elas utilizam sal para preservar suas carnes e para dar mais sabor às
suas sopas. E o sal é imperecível, de
modo que você pode armazená-lo pelo tempo que quiser. E se, quando o vendedor de tofu vier à
cidade, e ele não quiser sal, você poderá explicar a ele exatamente isso que
acabei de explicar para você — que ele poderá utilizar o sal para comprar algo
que ele queira futuramente."
Se
você e o produtor de camas chegarem a um acordo, você acabou de inventar o
dinheiro. Organicamente, mais pessoas na
sua comunidade começarão a utilizar o sal como meio de pagamento, mesmo que
elas não tenham a intenção de consumi-lo, pois sabem que outras pessoas irão aceitá-lo
como meio de troca.
Porém
— e isso é muito importante —, o valor do sal-dinheiro não depende exclusivamente
de as outras pessoas aceitarem-no como meio de pagamento. Se, por algum motivo, as pessoas pararem de
aceitar sal como meio de pagamento, você ainda assim poderá utilizar o sal como...
sal. O sal não perdeu suas funções
originais.
O
sal já foi utilizado como dinheiro e mostrou ser uma ótima moeda, especialmente
antes da invenção da refrigeração, pois era amplamente demandado, divisível até
o nível granular, muito portátil e transportável, fácil de ser pesado, e podia
ser facilmente testado contra falsificações: bastava prová-lo com seu
paladar. Os romanos utilizaram o sal
como dinheiro.
No
entanto, o fato de o sal ter passado a servir como dinheiro não significava que
não poderiam surgir outras formas de dinheiro em circulação. Folhas de tabaco também
poderiam ser amplamente aceitas como meios de pagamento, assim como o ouro ou a
prata.
A maior invenção da história?
A
questão é que o dinheiro surgiu naturalmente na sociedade, e surgiu como uma
maneira de auxiliar as transações econômicas voluntárias. Foi uma das maiores invenções da
humanidade. O dinheiro não apenas facilitou
às pessoas adquirirem o que queriam, como também tornou o ato de poupar muito
mais possível — você podia agora acumular o dinheiro excedente para gastá-lo
em um momento posterior.
Embora
poupar seja hoje um ato vilipendiado pelas elites políticas, trata-se de um
elemento essencial para o progresso econômico.
Ao facilitar às pessoas o ato de poupar, o dinheiro efetuou duas medidas
cruciais. Primeiro, ele inspirou mais
diligência e empreendedorismo: havia agora um incentivo para se trabalhar mais
duro para se auferir em um dia mais do que você poderia gastar em um dia. Segundo, a poupança possibilitou a empreendedores
ambiciosos fazer grandes investimentos em capital: máquinas que economizavam
trabalho humano, armazéns e transportes.
Se
o poupador não tivesse grandes planos em mente para o seu dinheiro, ele ainda
assim poderia fazer com que ele fosse produtivo: bastaria emprestá-lo para
terceiros. Financiamento era algo
praticamente impossível sem dinheiro. É
claro que você poderia dar um porco para o seu vizinho este ano em troca de um
porco e de uma galinha no ano seguinte, mas haveria muito mais espaço para
contendas. "Este porco não é tão saudável
quanto o porco que dei a você ano passado."
Já
um dinheiro-commodity utiliza medidas universais e objetivas, como peso, para
mensurar sua qualidade. Logo, não
havendo espaço para variações de qualidade, você pode emprestar seu dinheiro
tendo a confiança de que, o que você receberá em troca no futuro, terá a mesma
qualidade que você emprestou.
O
dinheiro também tornou a especialização algo mais fácil. Se você fosse realmente bom em algo — por
exemplo, fabricar pregos (utilizando o famoso exemplo de Adam Smith) —, você
poderia agora ganhar a vida apenas fabricando pregos. Sem o dinheiro, alguém que passou o dia
inteiro fabricando pregos teria de encontrar (a) alguém com comida em excesso
que quisesse pregos, (b) alguém com abrigo sobrando que quisesse pregos, (c)
alguém com excesso de roupas que também quisesse pregos naquele momento, e por
aí vai.
Porém,
quando o dinheiro é introduzido, o vendedor de pregos necessita encontrar
apenas (a) pessoas com dinheiro que queiram pregos, e (b) diferentes pessoas
que possuam os bens que o vendedor de pregos queira comprar e que queiram
dinheiro em
troca. Facilitar a
especialização cria eficiências. A
especialização permite a divisão do trabalho, de modo que as pessoas passam a agir
de acordo com suas habilidades e seus interesses. A produtividade aumenta. De incontáveis maneiras, o dinheiro aperfeiçoa
a sociedade.
Moedas concorrenciais
No
passado, diferentes tipos de dinheiro-commodity concorriam entre si. O sal possuía suas vantagens, mas também
apresentava desvantagens — além de você ter de mantê-lo seco, era fácil perder
alguma porção. Em Roma, a elevação do
nível dos oceanos foi tornando muito mais difícil a obtenção de sal ao longo
dos anos.
Enquanto
isso, o ouro ia continuamente apresentando várias vantagens. Era fácil de ser armazenado. Não deteriorava. Assim como o sal, era de fácil divisibilidade,
e também fácil de ser modelado em formatos diferente: você podia criar blocos
ou moedas de diferentes pesos ou denominações, os quais podiam ser
padronizados. Ele não enferrujava, não
sujava e não sofria outras reações indesejadas ao entrar em contato com
produtos químicos.
Como
qualquer dinheiro verdadeiro, surgido no mercado, o ouro possui utilidade
própria, o que sempre irá lhe garantir algum valor. Majoritariamente, pensamos em seu valor
decorativo — em praticamente qualquer cultura, o ouro é considerado algo
bonito. As mulheres adoram ouro, e
satisfazer as fantasias femininas é universalmente considerado algo bom. O ouro possui uso industrial devido à sua
resistência à corrosão e à facilidade com que pode ser reduzido a placas
extremamente finas.
O
ouro também é raro o suficiente para ser valioso, mas ao mesmo tempo abundante
o suficiente para ser de ampla circulação.
Sua oferta cresce, mas nunca a taxas altas.
Nenhuma
autoridade teve de declarar que o ouro era dinheiro. Ele surgiu espontaneamente como meio de
troca, e em vários casos venceu a concorrência contra outras moedas. Ele nem sempre venceu à custa da exclusão de
todos os outros tipos de dinheiro, mas foi provavelmente o mais bem-sucedido dinheiro
que já existiu, graças não a algum decreto superior, mas sim aos seus próprios
atributos.
E
isso é extremamente importante: o dinheiro não vem do governo; ele surge na
própria sociedade.