Em
nosso atual arranjo monetário pós-Bretton Woods, dominado por políticas
monetárias inflacionistas conduzidas coordenadamente pelos principais bancos
centrais mundiais, muitas pessoas normalmente simpáticas a todos os argumentos
contrários à existência de bancos centrais ainda assim acreditam que a
eliminação destas instituições centralizadoras é algo impraticável, um sonho
utópico.
Para
um exemplo prático e real de um sistema cuja política monetária é aquela
escolhida pelo mercado, sem o comando de um banco central, não é preciso olhar
para o passado; o exemplo existe atualmente na América Central, na República do
Panamá, um país que, desde sua independência em 1903, não possui um banco central,
e que, não obstante (ou por causa disso), usufrui um ambiente macroeconômico
estável e bastante exitoso.
A
ausência de um banco central no Panamá faz com que a oferta monetária do país
seja completamente determinada pelo mercado.
Neste caso, o mercado do Panamá escolheu o
dólar americano como sua moeda de fato.
Para comprar ou obter dólares, o país tem de produzir ou exportar bens e
serviços; o governo não tem como criar dinheiro do nada. Desta forma, o sistema é um tanto similar ao
velho padrão-ouro. Desde 1984, a
inflação média anual tem sido de 1%.
A
inflação de preços panamenha normalmente é de 1 a 3 pontos percentuais menor
que a inflação americana; ela é causada majoritariamente pelo efeito gerado
pelo Federal Reserve (o Banco Central americano) sobre os preços mundiais. Este sistema conduzido pelo mercado criou um
ambiente macroeconômico extremamente estável.
O Panamá é o único país da América Latina que nunca vivenciou um colapso
financeiro ou uma crise monetária desde sua independência.
Inflação de preços ao consumidor no Panamá (Fonte: FMI)

Assim
como a maioria dos países das Américas, a moeda do Panamá no século XIX era
baseada no ouro e na prata, com uma variedade de moedas metálicas de prata e
cédulas de papel lastreadas em ouro em circulação. O Peso
Prata (do México) era a moeda que havia sido escolhida. No entanto, por causa da ferrovia ístmica
— a primeira ferrovia a ligar o Atlântico ao Pacífico —, que fora construída
por uma empresa americana em 1855, o dólar americano também circulava
parcialmente no país.
O
Panamá originalmente se tornou independente da Espanha em 1821, mas foi
integrado à Grande Colômbia. Sendo um país pequeno, ele não conseguiu se
separar da Colômbia, como haviam conseguido a Venezuela e o Equador. Em 1886, o governo colombiano publicou vários
decretos forçando a aceitação de cédulas de papel produzidas pelo governo
central. A economia do Panamá, que era
aberta e baseada no transporte e no comércio, claramente não tinha como se
beneficiar deste arranjo imposto. Um
editorial do principal jornal do país, datado de 1886, declarou o seguinte:
Não há nenhum país no globo, certamente nenhum centro
comercial, em que a introdução de uma moeda de papel irredimível e sem lastro
traria consequências mais desastrosas que no Panamá. Tudo o que nós consumimos é importado. Não temos nenhum produto para ser exportado,
de modo que a única coisa que podemos mandar para fora em troca de nossas
importações é dinheiro.
Em
1903, o país se tornou independente, apoiado pelos EUA por causa do interesse
americano na construção de um Canal atravessando o Panamá. Os cidadãos do novo país, ainda receoso do
experimento de 1886 com as cédulas de papel colombianas, decidiram incluir o
artigo 114 na Constituição de 1904 dizendo que,
Nenhum dinheiro de papel será imposto como a moeda oficial
da República. Portanto, qualquer
indivíduo pode rejeitar qualquer cédula que ele porventura considere indigna de
confiança.
Com
este artigo, qualquer moeda em circulação seria gerenciada pelo mercado e não
seria de curso forçado. No entanto,
ainda em 1904, o governo do Panamá assinou um acordo monetário permitindo que o
dólar americano se tornasse moeda corrente e fosse de curso forçado. De início, os panamenhos não aceitaram o
dólar; eles não confiavam na moeda americana, preferindo continuar utilizando o
Peso Prata. A Lei de Gresham, no
entanto, se encarregou de tirar as moedas de prata de circulação.[1][2]
Em
1971, o governo aprovou uma lei abrindo e liberalizando o sistema
bancário. Não haveria nenhuma agência
governamental supervisionando o setor, e nenhum imposto poderia ser cobrado
sobre juros ou transações originadas no sistema financeiro. O número de bancos pulou de 23 em 1970 para
125 em 1983, a maioria deles formada por bancos estrangeiros. Esta lei bancária estimulou empréstimos
internacionais e, em decorrência de o Panamá ter um sistema tributário restrito
apenas ao seu território, os lucros obtidos com transações ou empréstimos
feitos no exterior são isentos.
Isto,
em conjunto com a presença de numerosos bancos estrangeiros, gerou uma total
integração internacional do sistema. Ao contrário
de outros países da América Latina, o Panamá não possui controle de
capitais. Sendo assim, quando o capital
internacional porventura decide inundar o sistema bancário panamenho, os bancos
emprestam este excesso de capital aos mercados estrangeiros, evitando assim os
corriqueiros desequilíbrios e a alta inflação que outros países vivenciam
quando também recebem volumosos influxos de capital.
A
política fiscal tem pouco espaço para manobras, dado que o Tesouro não pode
contar com um Banco Central para monetizar seus déficits. Sendo assim, a política fiscal não influencia
a oferta monetária; se o governo tentar aumentar a quantidade de dinheiro na
economia durante uma recessão vendendo títulos no mercado internacional e
trazendo o dinheiro arrecadado para a economia panamenha, os bancos irão
contrabalançar esta medida pegando este dinheiro adicional e o enviando para o
estrangeiro na forma de empréstimos (que, como dito, não são tributáveis). Logo, não haverá alterações significativas na
oferta monetária.
Adicionalmente
— e ao contrário do que ocorre nas economias cujos sistemas bancários são
controlados por bancos centrais —, os bancos do Panamá não têm como combinar
uma expansão coordenada da oferta monetária via reservas fracionárias, pois,
como mencionado acima, o número de bancos é enorme, e a concorrência entre eles
é forte. Ademais, por não existir um
banco central, não há como socorrer aqueles bancos que expandirem
excessivamente o crédito sem terem uma quantidade minimamente segura de dinheiro
guardado em seus cofres. Pânicos e
corridas bancárias, muito comuns no sistema bancário americano durante todo o
século XIX, nunca ocorreram no Panamá. As
eventuais quebras bancárias que já ocorreram não se espalharam para outros
bancos. Vários bancos que passaram por
problemas foram comprados — antes que ocorresse qualquer corrida bancária —
por bancos maiores, atraídos pelos lucros possibilitados por esta obtenção de
ativos a preços reduzidos.
Como
não há seguros federais para depósitos bancários e nem um emprestador de última
instância para socorrer os bancos, todo o sistema bancário tem de atuar de
maneira bastante responsável. Qualquer
empréstimo ruim que resulte em calote será pago pelos acionistas do banco;
ninguém irá socorrer os bancos que fizerem trapalhadas e entrarem em apuros.
No
entanto, este sistema não é imune a ciclos econômicos — afinal, o sistema
bancário ainda tem liberdade para expandir o crédito artificialmente via
reservas fracionárias, o que gera períodos de euforia econômica que resultam em
um acúmulo de investimentos insustentáveis.
Porém, o período de correção dos ciclos econômicos é muito mais
eficiente no sistema panamenho. Após o
período de euforia gerado pela expansão artificial do crédito, o que gera um acúmulo
de investimentos insustentáveis, os próprios bancos dão início ao processo de
inevitável liquidação dos empréstimos ruins.
Como não há um banco central para intervir e prolongar a expansão
artificial do crédito, a recessão começa sem nenhuma obstrução criada por políticas
monetárias contracíclicas. Os bancos
simplesmente são forçados pelas próprias leis de mercado a criar a contração
creditícia necessária para pôr fim à euforia e, com isso, corrigir os
desequilíbrios gerados na estrutura de produção da economia — caso não o
fizessem, sua própria solvência estaria em risco.
As recessões no Panamá geralmente resultam em inflação
de preços praticamente nula, o que alivia o fardo dos consumidores e facilita o
processo de recuperação ao reduzir os custos de produção.
O
único fato que atrapalha os processos de correção é a lei do salário mínimo,
que não permite a flexibilização para baixo dos salários, o que faz com que as
recessões sejam mais longas do que o necessário. Não obstante, as recessões ocorrem sem
absolutamente nenhuma das terríveis consequências que os economistas
keynesianos afirmam que haverá caso não seja adotada uma política monetária
expansionista para amenizar a recessão.
Portanto,
aquelas pessoas que dizem que a abolição do banco central é algo utópico e impraticável
devem apenas olhar para o ambiente macroeconômico do Panamá — o qual tem sido
auspicioso há mais de 100 anos — para constatar que, de fato, a abolição não
apenas é algo possível, como na realidade é algo extremamente benéfico. Claramente, a ausência de uma moeda de papel
controlada pelo governo nacional, a inexistência de um banco central, e uma
inflação de preços desprezível estão funcionando muito bem neste pequeno
país. Quem pode argumentar que estas
mesmas políticas não funcionariam em economias maiores?
[1] Carlos E. Ramirez, Monetary
History of Panama,
p. 5.
[2] A lei de Gresham —
em homenagem ao financista e comerciante inglês Thomas Gresham — diz que, a
uma dada paridade cambial, o dinheiro ruim expulsa o dinheiro bom de
circulação. Ou seja: em um sistema monetário em que há mais de uma moeda em
circulação, a moeda de valor inerente mais baixo (uma moeda artificialmente
valorizada) será a preferida para ser usada como moeda corrente, ao passo que a
moeda de valor inerente mais alto (aquela que está artificialmente
desvalorizada) será estocada para ser usada apenas em eventualidades ou
contingências.