quinta-feira, 15 mar 2012
Apenas
o indivíduo possui uma mente; apenas o indivíduo pode sentir, ver, realizar e
entender; apenas o indivíduo pode adotar valores e fazer escolhas; apenas o
indivíduo pode
agir. Este princípio primordial do "individualismo
metodológico", central ao pensamento social de Max Weber, deve fundamentar
tanto a praxeologia quanto todas as outras ciências da ação humana. Ele implica que conceitos coletivos como
grupos, nações e estados não agem ou não existem realmente; eles são apenas
construções metafóricas utilizadas para descrever as ações similares ou
conjuntas de indivíduos. Em suma, não
existem "governos" por si sós; existem apenas indivíduos agindo harmoniosamente
de uma maneira "governamental". Max
Weber coloca de forma cristalina:
Estes
coletivos devem ser tratados unicamente como sendo os resultados e os modos de
organização das ações particulares de agentes individuais, uma vez que apenas
estes podem ser tratados como agentes no curso de uma ação subjetivamente
compreensível. . . .
Para propósitos sociológicos. . . não existe algo como uma 'personalidade
coletiva que "age"'. Quando se faz
referências, em um contexto sociológico, às . . . coletividades, está-se na
verdade se referindo . . . somente a um
certo tipo de desenvolvimento das ações sociais possíveis ou efetivas de
pessoas específicas.[1]
Ludwig
von Mises destaca que o que diferencia a ação puramente individual daquela de
indivíduos agindo como membros de um coletivo é o diferente significado atribuído pelas pessoas
envolvidas:
É
o significado que os agentes individuais, e todos que são afetados pela sua
ação, atribuem a uma ação o que determina o seu caráter. É o significado que
distingue uma ação como ação de um indivíduo e outra como ação do estado ou da
municipalidade. É o carrasco, e não o estado, quem executa um criminoso. É o
significado daqueles interessados na execução que distingue, na ação do
carrasco, uma ação do estado. Um grupo
de homens armados ocupa um local. É o significado destes envolvidos que imputa
esta ocupação não aos soldados e oficiais, mas à sua nação.[2]
Em
sua importante obra metodológica, o discípulo de Mises, F.A. Hayek, demonstrou
que a falácia de se tratar construções coletivas como sendo "conjuntos sociais"
("capitalismo", "a nação", "a classe") sobre os quais se é possível deduzir
leis tem origem na insistência objetivista-behaviorista de se considerar os
homens apenas a partir de seu exterior, como se fossem pedras, em vez de tentar
entender como suas ações são subjetivamente determinadas.
Ela
[a visão objetivista] trata os fenômenos sociais não como algo do qual a mente
humana faz parte e não como algo cujos princípios organizacionais podemos
construir a partir de partes conhecidas, mas sim como se eles fossem objetos
diretamente percebidos por nós como conjuntos. . .
Existe
a ideia um tanto quanto vaga de quem uma vez que os "fenômenos sociais" devem
ser objeto de estudo, o procedimento óbvio é começar a partir da observação
direta destes "fenômenos sociais", em que a utilização popular de termos como
"sociedade" ou "economia" é ingenuamente considerada como evidência de que deve
haver "objetos" definidos que correspondem a eles.[3]
Hayek
complementa dizendo que enfatizar o significado da ação individual revela que,
"o que conseguimos entender diretamente dos complexos sociais são apenas as
partes, pois o todo nunca é percebido diretamente; ele sempre é reconstruído por
meio de um esforço de nossa imaginação".[4]
Alfred Schütz, o
notório construtor do método da fenomenologia aplicado às
ciências sociais, nos relembrou da importância de se retornar "ao 'homem
esquecido' das ciências sociais, ao agente do mundo social cujos afazeres e
sentimentos residem na origem de todo o sistema. Nós, então, procuramos entendê-lo a partir
destes afazeres e sentimentos e do estado de espírito que o induziu a adotar
atitudes específicas relativas ao seu ambiente social". Schütz acrescenta que "para uma teoria sobre a
ação, o ponto de vista subjetivo deve ser conservado ao máximo, sendo que, na
ausência deste, esta teoria perde suas fundamentações básicas, qual seja, sua
referência ao mundo social da vida cotidiana e da experiência". Desprovida desta fundamentação, as ciências
sociais tendem a substituir o "mundo da realidade social" por um irreal mundo
fictício, todo ele construído pelo cientista observador. Ou, como Schütz coloca sucintamente: "Eu não
posso entender algo social sem antes reduzi-lo à atividade humana que o criou; mais
ainda, sem remeter esta atividade humana aos motivos que a originaram".[5]
Arnold
W. Green demonstrou recentemente como o uso de conceitos coletivos inválidos
prejudicou a disciplina da sociologia.
Ele destaca o crescente uso de "sociedade" como uma entidade que pensa,
sente e age, e, em anos recentes, foi a responsável por perpetrar todas as
desgraças sociais. Por exemplo, é a
"sociedade", e não o criminoso, quem geralmente é considerada a responsável
pelos crimes. Para muitos, a "sociedade"
é considerada quase que demoníaca, uma "vilã materializada" que "pode ser
atacada à vontade, acusada aleatoriamente, ridicularizada e escarnecida com uma
fúria virtuosa e fanática, [e] pode até ser derrubada por decreto ou pelo
anseio utópico — e, de alguma forma, tudo continuará funcionando
perfeitamente." Green complementa dizendo
que "se, por outro lado, a sociedade é vista como pessoas cujas relações
sociais instáveis são preservadas apenas pela submissão às regras morais, então
a área de livre escolha permitida, na qual se pode fazer demandas, questionar
e solapar desejos com impunidade, está severamente restringida."
Ademais,
se entendermos que "a sociedade" não existe por si só, mas é uma criação feita a
partir de indivíduos, então dizer que "a sociedade é a responsável pelos
crimes, e os criminosos não são os responsáveis pelos crimes que cometem, é o
mesmo que dizer que apenas os membros da sociedade que não cometeram crimes
devem ser considerados os responsáveis pelos crimes. Este óbvio absurdo só pode ser contornado caso se considere a sociedade como
o diabo encarnado, um mal exterior e isolado das pessoas e do que elas fazem".[6]
A
ciência econômica está repleta de falácias que surgiram quando metáforas
sociais coletivas passaram a ser tratadas como se fossem objetos reais. Assim, durante a era do padrão-ouro, era
comum o temor de que "a Inglaterra" ou "a França" corriam grande perigo porque
"elas" estavam perdendo ouro. O que
realmente aconteceu foi que ingleses e franceses estavam voluntariamente
enviando ouro para o exterior e, com isso, ameaçando os banqueiros de seus
países com a necessidade de cumprirem suas obrigações de restituir depósitos em
um volume de ouro que eles não mais possuíam.
Porém, o uso da metáfora coletiva transformou um grave problema do setor
bancário em uma confusa crise nacional pela qual cada cidadão era, de alguma
forma, o responsável.
Similarmente,
durante os anos de 1930 e 1940, muitos economistas proclamaram que, diferentemente
das dívidas contraídas no exterior, o tamanho da dívida pública nacional era
irrelevante porque "nós devemos para nós mesmos". A implicação era a de que o indivíduo, do
ponto de vista nacional e coletivo, devia dinheiro "para ele mesmo", bastando
para saldar esta dívida mover o dinheiro que estava no bolso do lado direito da
calça para o bolso do lado esquerdo.
Esta explicação, no entanto, obscurecia o fato de que faz uma enorme
diferença saber a qual dos dois pronomes coletivos você pertence: ao
"nós" (o infeliz pagador de impostos) ou ao "nós mesmos"
(aqueles que vivem da renda oriunda dos impostos).
Às
vezes, o conceito coletivo é tratado descaradamente como um organismo
biológico. Assim, o conceito popular de
crescimento econômico implica que toda economia está, de alguma forma, como um
organismo vivo, destinada a "crescer" de uma maneira predeterminada. O uso de tais termos análogos é uma tentativa
de ignorar, e até mesmo de negar, a vontade e a consciência individual nos
assuntos econômicos e sociais. Como escreveu
Edith Penrose em uma crítica ao uso do conceito de "crescimento" no estudo de
empresas:
Quando
analogias biológicas explícitas surgem na ciência econômica, elas são extraídas
exclusivamente daquele aspecto da biologia que lida com o comportamento imotivado
dos organismos . . . não existe nenhuma razão para se acreditar que o padrão de
crescimento de um organismo biológico é determinado pela vontade do próprio
organismo. Por outro lado, temos todos
os motivos do mundo para acreditar que o crescimento de uma empresa é determinado
pela vontade daqueles que tomam as decisões da empresa . . . e a prova disso
está no fato de que ninguém pode descrever o desenvolvimento de uma dada
empresa qualquer . . . a não ser que seja em termos das
decisões tomadas por indivíduos.[7]
Não
há melhor maneira de resumir a natureza da praxeologia e o papel da teoria
econômica em relação a eventos históricos concretos do que aquela presente na discussão
de Alfred Schütz sobre a metodologia econômica e Ludwig von Mises:
Nenhuma
ação econômica pode ser concebida sem alguma referência a um agente econômico,
mas este último é absolutamente anônimo; ele não é você, nem eu, nem um
empreendedor, nem mesmo um "homem econômico", mas um puro e universal
"indivíduo". É por esta razão que as
proposições da teoria econômica possuem aquela "validade universal" que confere
a elas a idealidade do "e assim por diante" e "posso fazer novamente".
No
entanto, pode-se estudar o agente econômico como tal e tentar descobrir o que
se passa em sua mente; logicamente, não se estaria fazendo teorizações
econômicas, mas sim história econômica ou sociologia econômica. . . . Entretanto,
os enunciados destas ciências não podem reivindicar nenhuma validade universal,
pois elas lidam tanto com sentimentos econômicos de específicos indivíduos
históricos quanto com tipos de atividades econômicas para as quais as ações
econômicas em questão são manifestações.
. . .
De
acordo com nossa visão, a ciência econômica pura é um exemplo perfeito de um complexo
de significado objetivo sobre uma configuração de significado subjetivo —
complexos, em outras palavras, de um significado objetivo — estipulando as
típicas e invariáveis experiências subjetivas de qualquer pessoa que aja dentro
de uma estrutura econômica. . . . Teria de ser excluído de tal cenário qualquer
consideração acerca do uso a que os "bens" serão destinados depois de terem
sido adquiridos. Porém, tão logo
voltamos nossa atenção para o significado subjetivo de um indivíduo real,
deixando o anônimo "qualquer um" de lado, então logicamente faz sentido falar
de comportamento atípico. . . Não há dúvida de que este comportamento é
irrelevante do ponto de vista da ciência econômica, e é neste sentido que os
princípios econômicos são, nas palavras de Mises, "não uma declaração do que
geralmente ocorre, mas uma declaração sobre o que necessariamente deve
ocorrer".[8]
[1] Max Weber, The Theory of Social and
Economic Organization (Glencoe, Ill.: The Free Press, 1957), citado em Alfred Schütz, The
Phenomenology of the Social World (Evanston, Ill.: Northwestern University Press, 1967),
p. 199. Para uma aplicação do individualismo
metodológico à política externa, veja Parker T. Moon, Imperialism and World Politics (New York: Macmillan, 1930), p. 58. Para aplicações
políticas mais gerais, veja Frank Chodorov, "Society Are People," in The Rise
and Fall of Society (New York: Devin- Adair, 1959), pp. 29?37.
[2] Mises, Ação Humana, p. 70
[3] Hayek, Counter-Revolution of
Science, pp. 53?54.
[4]
Ibid., p. 214.
[5] Schütz, Collected Papers, vol. 2,
pp. 7, 8, 10.
[6] Arnold W. Green, "The Reified Villain,"
Social Research 35 (Winter, 1968): 656, 664. Sobre o conceito de
"sociedade", veja também Mises, Theory and History, pp. 250ff.
[7] Edith Tilton Penrose, "Biological
Analogies in the Theory of the Firm," American Economic Review (December 1952):
808.
[8] Schütz, Phenomenology of the Social
World, pp. 137, 245.
Tradução: Fernando Fiori Chiocca