O artigo a
seguir é o capítulo final do livro A Tragédia do
Euro.
O arranjo institucional
da União Monetária Europeia tem se revelado um desastre econômico. O euro é um projeto político; interesses
políticos impulsionaram a moeda europeia rumo ao seu caminho mortificante e,
como consequência, estes interesses estão travando uma desenfreada batalha
entre si. E os argumentos econômicos
lançados para disfarçar a verdadeira agenda por detrás do euro não lograram êxito
em convencer a população geral de suas vantagens.
O euro foi bem sucedido tanto
em servir como um veículo para centralizar a Europa quanto para alcançar o
objetivo do governo francês de estabelecer um Império Europeu sob seu controle
— restringindo a influência da Alemanha.
A política monetária foi o meio político para a criação da união
política. Os defensores de um projeto
socialista para a Europa viram no euro o seu trunfo contra a defesa do modelo
liberal clássico para a Europa que vinha expandindo seu poder e influência
desde a queda do Muro de Berlim. A moeda
única foi vista como uma etapa rumo à centralização e à integralização
política. A lógica das intervenções impulsionou
o sistema europeu rumo à unificação política sob um estado centralizado sediado
em Bruxelas. Uma vez que os estados
nacionais são abolidos, o mercado europeu se torna uma nova União Soviética.
Poderia um estado
centralizado salvar as elites políticas de toda a Europa? Ao se fundirem monetariamente com governos
financeiramente mais fortes, elas conseguiram manter seu poder e a confiança
dos mercados. Como os governos
financeiramente mais fortes se opuseram a mudanças abruptas, as recessões foram
inevitáveis. Mas a alternativa era muito
pior.
Países mediterrâneos, e
em particular o governo francês, possuíam outro interesse com a introdução do
euro. O Bundesbank, por tradição, sempre
havia seguido uma política monetária mais rígida e austera do que a dos outros
bancos centrais e, por isso, era sempre visto por estes outros bancos centrais
como um constrangedor padrão de comparação.
Além do mais, era o Bundesbank quem indiretamente determinava a política
monetária da Europa. Se um banco central
não seguisse as políticas restritivas do Bundesbank, sua moeda teria de ser desvalorizada
para se realinhar ao marco alemão.
Alguns políticos franceses consideravam a influência do Bundesbank como
sendo um injustificável e inaceitável poder em mãos da militarmente derrotada
Alemanha.
Políticos franceses
queriam criar um banco central comum para controlar a influência alemã. Eles idealizaram um banco central que iria
cooperar com seus objetivos políticos. A
compra de títulos do governo grego por bancos francês sob a supervisão de um
BCE comandado por Trichet foi o resultado — e um sinal da vitória desta
estratégia.
O governo alemão cedeu
por várias razões. A moeda única era
vista por muitos como sendo o preço da reunificação alemã. A classe dominante alemã se beneficiou com a
estabilização do sistema financeiro e soberano.
A harmonização dos padrões trabalhistas, ambientalistas, tecnológicos e
sociais que veio junto com a integração europeia foi benéfica para as
tecnologicamente avançadas empresas da Alemanha e seus trabalhadores
socialmente bem assistidos e protegidos.
Os exportadores alemães se beneficiaram com uma moeda que era mais fraca
do que o marco alemão jamais seria.
Porém, os consumidores
alemães saíram perdendo. Antes da
introdução do euro, um marco alemão menos inflacionista, aumentos na
produtividade e o grande volume de exportações haviam feito com que o marco
alemão se apreciasse contra outras moedas após a Segunda Guerra Mundial. Importações e férias no estrangeiro se
tornaram mais baratas, o que aumentou o padrão da vida da maioria dos alemães.
Frequentemente argumenta-se
que uma moeda única não tem como funcionar entre países com instituições e
culturas distintas. É verdade que as
estruturas fiscais e industriais dos países da UME são bastante diferentes
entre si. Cada país vivenciou distintas
taxas de inflação de preço no passado.
Produtividade, competitividade, padrões de vida e flexibilidade de
mercado diferem enormemente umas das outras.
Porém, não há por que tais diferenças devam impedir o funcionamento de
uma moeda única. Com efeito, há
estruturas muito distintas até mesmo dentro da cada país. Na Alemanha, por exemplo, a Bavária rural é
muito diferente da costeira Bremen.
Dentro de cada cidade, de cada família, os indivíduos são bastante
heterogêneos no uso que fazem da mesma moeda.
Ademais, sob um padrão-ouro,
todos os países do mundo usufruíam uma moeda única. Bens eram comercializados internacionalmente
entre países ricos e pobres. O
padrão-ouro não se desintegrou porque os países participantes possuíam
diferentes estruturas; ele foi destruído por governos que queriam se livrar das
amarras impostas pelas correntes de ouro e, assim, poderem aumentar livremente
seus próprios gastos.
O euro não foi um
fracasso porque os países participantes possuem estruturas distintas, mas sim
porque ele permite uma redistribuição de renda em favor dos países cujos
governos e sistemas bancários inflacionam a oferta monetária mais rapidamente
do que os outros. Ao incorrerem em
déficits orçamentários e emitirem títulos da dívida, os governos podem
indiretamente criar dinheiro. Títulos da
dívida de seus governos são comprados pelo sistema bancário. O BCE aceita estes títulos como colateral
para conceder novos empréstimos aos bancos.
Os governos, portanto, convertem títulos em dinheiro novo. Como consequência, países que possuem
déficits orçamentários mais altos podem aumentar sua oferta monetária e com
isso incorrer em déficits comerciais, comprando bens de nações exportadoras que
mantêm orçamentos mais equilibrados.
O processo é muito
semelhante a uma tragédia dos comuns. Um
país se beneficiará do processo de redistribuição de renda caso inflacione mais
rapidamente do que outros países — no caso, se ele incorrer em mais déficits
orçamentários do que os outros países.
Os incentivos criam uma corrida à impressora de dinheiro. O Pacto de Estabilidade e Crescimento tem se
mostrado impotente para eliminar por completo esta corrida; o sistema do euro
tende à autoimplosão.
Déficits orçamentários
causam uma contínua perda de competitividade destes países deficitários. Países como a Grécia podem bancar um estado
assistencialista e manter funcionários públicos e desempregados em um padrão de
vida mais alto do que teria sido possível sem estes déficits. Os países deficitários, por estarem
constantemente expandindo sua oferta monetária, podem importar mais bens do que
exportam, pagando esta diferença parcialmente com a emissão de novos títulos
governamentais.
Antes da introdução do
euro, estes países desvalorizavam suas moedas de tempos em tempos para readquirir
competitividade. Agora, eles não mais têm
de desvalorizar, pois os gastos governamentais resolvem sozinhos os problemas
resultantes. O consumismo desenfreado
possibilitado pela redução das taxas de juros e pelo aumento dos salários nominais
incitados por sindicatos aumenta a desvantagem competitiva.
O sistema começou a
apresentar sérios problemas quando a crise financeira acelerou os déficits orçamentários. A resultante crise da dívida soberana na Europa
trouxe consigo uma maior centralização do poder. A Comissão Europeia assumiu um maior controle
discricionário sobre os gastos dos governos e o BCE assumiu maiores poderes,
como a compra direta de títulos dos governos.
A zona do euro já chegou
àquela etapa que pode ser chamada de união de transferência de renda III. A união de transferência de renda I é a redistribuição
de renda direta feita por meio de pagamentos monetários gerenciados por Bruxelas. A união de transferência de renda II é a redistribuição
monetária canalizada por meio das operações do BCE. E a união de transferência de renda III
implementa compras diretas de títulos governamentais de governos excessivamente
endividados, bem como garantias de socorro a estes governos.
O que o futuro reserva
para um sistema cujos incentivos o destinam à autodestruição?
1. O sistema entra em
colapso.
Um país pode decidir
se retirar da UME por ser vantajoso para ele desvalorizar sua moeda e dar o
calote em suas dívidas. O governo deste
país pode simplesmente não estar disposto a reduzir seus gastos para permanecer
na UME. Outros países podem impor sanções
a um país deficitário ou parar de apoiá-lo.
Alternativamente, um governo
mais sólido, como o da Alemanha, também pode decidir sair da UME e retornar ao marco
alemão. Os superávits comerciais da Alemanha
bem como uma política monetária menos inflacionista provavelmente levariam a
uma apreciação do novo marco alemão. A apreciação
permitiria importações, férias e investimentos estrangeiros mais baratos,
aumentando o padrão de vida de sua população.
O euro poderia perder credibilidade e se esfacelar. Embora esta opção seja possível, a vontade política
— por ora — ainda é a de permanecer no projeto do euro.
2. O Pacto de Estabilidade e Crescimento é finamente aplicado. Medidas de austeridade e reformas estruturais
em países deficitários levam a um crescimento econômico sustentável e eliminam
os déficits. Um haircut único sobre os títulos da dívida dos países extremamente
endividados podem reduzir o atual fardo da dívida sobre eles. Penalidades severas e automáticas são instituídas
caso o limite de 3% do PIB para o déficit orçamentário seja infringido. As penalidades podem ser a suspensão dos
direitos de votação no Conselho Europeu, a suspensão dos subsídios ou simplesmente
multas diretas. Porém, há enormes incentivos
para que políticos excedam continuamente o limite de 3%, o que torna este cenário
altamente improvável. Os membros da UME
ainda são nações soberanas, e a classe política pode não querer impor limites severos
que venham apenas a diminuir seu poder.
3. Incentivos para se ter déficits mais altos do que os de outros países
levarão à intensificação da união de transferência de renda. Nações mais ricas pagam para cobrir os déficits
das mais pobres, e o BCE monetiza as dívidas governamentais. Este fenômeno pode gerar protestos dos países
mais ricos, fazendo com que eles, em última instância, decidam abandonar a união,
como mencionado acima. Outro possível fim
da união de transferência de renda é a hiperinflação gerada por uma corrida à
impressora de dinheiro.
Na atual crise europeia,
os governos parecem estar tendendo mais para as opções dois e três. Qual cenário final prevalecerá fica a cargo
da imaginação de cada um.