quarta-feira, 29 fev 2012
O artigo a
seguir foi extraído do capítulo 11 do livro A Tragédia do
Euro.
Teria a Europa já chegado ao fatídico ponto sem retorno? Pode a crise da dívida soberana ser contida e
o sistema financeiro, estabilizado? Pode
o euro ser salvo? Para responder a estas
perguntas, temos de analisar a crise da dívida soberana, cujo advento foi
amplamente o resultado de intervenções governamentais em resposta à crise
financeira.
Como explica a teoria austríaca dos ciclos econômicos, a expansão do
crédito por meio do sistema bancário de reservas fracionárias provocou um
crescimento econômico insustentável. A taxas de juros artificialmente
baixas, novos projetos de investimentos foram empreendidos sem que tivesse
havido um correspondente aumento na poupança. Esses investimentos foram
pagos simplesmente pela criação artificial de crédito. Muitos desses
empreendimentos constituíam investimentos errôneos que teriam de ser
liquidados, cedo ou tarde. No atual ciclo, esses investimentos errôneos
ocorreram principalmente nos ultradimensionados setores automotivo, imobiliário
e financeiro.
A liquidação desses maus investimentos é benéfica no sentido de que ela
promove um expurgo dos projetos ineficientes e realinha a estrutura da produção
de modo que esta agora passe a atender às reais preferências dos
consumidores. Os fatores de produção que foram inadequadamente utilizados
nesses maus investimentos são liberados e transferidos para aqueles projetos
que os consumidores querem que sejam mais urgentemente realizados.
Em conjunto com esta insustentável expansão econômica gerada pela criação
artificial de crédito, o endividamento de toda a sociedade aumenta. A expansão do crédito e as taxas de juros
artificialmente baixas que tal expansão gera permitem um nível de endividamento
que não seria possível em um sistema bancário que não fosse de reservas
fracionárias, isto é, um sistema bancário com reservas de 100% e lastreado por
alguma commodity. Esta manipulação do
crédito faz com que as dívidas possam aumentar para um nível muito além daquele
que a quantidade de recursos reais existentes na economia normalmente
permitira, pois as taxas de juros sobre as dívidas se tornam baixas e novas
dívidas podem ser criadas do nada para substituir dívidas antigas. O sistema bancário de reservas fracionárias
promove um endividamento ostensivo tanto dos cidadãos quanto dos governos.
Embora um crescimento econômico artificial e um endividamento geral tivessem
ocorrido em escala mundial, o boom europeu apresentou ingredientes
próprios. Em decorrência da introdução
do euro, as taxas de juros nos países mais fortemente inflacionistas caíram,
ainda que a poupança de seus cidadãos não houvesse aumentado. O resultado foi um boom econômico nos países
do sul da Europa e na Irlanda.
O apoio implícito fornecido pelo governo alemão aos membros da união
monetária reduziu artificialmente as taxas de juros (seu componente de risco)
tanto para os devedores públicos quanto para os privados. Países tradicionalmente inflacionistas
repentinamente tiveram uma redução no fardo gerado pelo serviço de sua dívida
e, por conseguinte, vivenciaram um forte aumento nos gastos públicos e privados. Ao mesmo tempo, as taxas de câmbio fixadas em
níveis relativamente altos em toda a zona do euro — o que significa que as
moedas dos países inflacionistas se tornaram sobrevalorizadas — beneficiaram
estes países inflacionistas, fazendo com que os preços das importações caíssem
dramaticamente nos países periféricos. Italianos, espanhóis e gregos — pessoas
acostumadas a moedas mais fracas que as de seus vizinhos do norte da Europa —
vivenciaram uma poderosa valorização de suas moedas quando houve a convergência
monetária no final da década de 1990 e início da década de 2000. Como a adoção do euro significou um valor
comum para todas as moedas, e como a economia alemã — com seu poderoso marco
alemão — era a que predominava sobre toda a Europa, o resultado foi que esses
países periféricos passaram a ter uma unidade monetária com maior poder de
compra do que suas moedas locais até então vigentes.
Bens de consumo duráveis, como carros e imóveis, passaram a ser adquiridos
em maior volume, levando a um acentuado crescimento do setor imobiliário, o
mais espetacular deles ocorrendo na Espanha.
Os países do sul Europa foram perdendo competitividade à medida que os
salários foram aumentando em toda a zona do euro. O consumismo excessivo e a perda de competitividade
foram sustentados durante vários anos pelo crescente endividamento público e
privado, bem como pelas contínuas injeções de dinheiro criado pelo sistema
bancário.
Este boom europeu afetou os países de maneiras distintas. Os investimentos errôneos e insustentáveis e
o consumismo excessivo foram mais altos nos países de inflação de preços
tradicionalmente alta, e menores nos países do norte, como a Alemanha, onde as
taxas de poupança permaneceram altas.
O esquema entrou em colapso quando o crescimento econômico mundial chegou
ao seu inevitável fim. A liquidação dos
investimentos errôneos e insustentáveis — preços dos imóveis em queda e
empréstimos insolventes — gerou problemas para o sistema bancário. Calotes e prejuízos nos investimentos passaram a
ameaçar a solvência dos bancos, inclusive bancos europeus. Esses
problemas de solvência desencadearam uma crise de liquidez na qual os bancos
com problemas de maturação de suas dívidas passaram a ter dificuldades para
rolar suas dívidas de curto prazo.
Na época,
havia alternativas disponíveis para lidar com o problema da solvência e
recapitalizar o sistema bancário. [1] Investidores privados
poderiam ter injetado capital naqueles bancos que eles considerassem viáveis no
longo prazo. Adicionalmente, credores poderiam ter se
transformado em acionistas, desta forma reduzindo o endividamento dos bancos e
reforçando seu capital. Instituições financeiras inviáveis — para as
quais não houvesse um número suficiente de capital privado ou de credores transformados
em acionistas — teriam sido liquidadas.
Entretanto, essas soluções de livre mercado para os problemas das
solvências bancárias foram deixadas de lado e, em seu lugar, outra opção foi
escolhida. Governos de todo o mundo
saíram injetando dinheiro nos bancos ao mesmo tempo em que garantiam os
passivos do sistema bancário. Já que
impostos são bastante impopulares, essas injeções governamentais foram
financiadas pelo aumento da dívida pública, algo menos impopular e cujas
consequências aparecem apenas mais tarde.
Em outras palavras, os investimentos errôneos induzidos pelo
inflacionário sistema bancário encontraram nos governos um patrocinador
supremo, cujo método de financiamento consistia em inchar as dívidas públicas.
Há outras razões para que as dívidas públicas tenham aumentado
dramaticamente. Os governos incorreram em medidas adicionais para lutar
contra o saudável processo de depuração que o livre mercado faria contra os
investimentos errôneos — medidas essas que serviram apenas para postergar a
recuperação. Além do setor financeiro, outros setores ultradimensionados
receberam injeções diretas de capital ou se beneficiaram com subsídios do
governo.
Dois principais exemplos de recebedores de subsídios foram o setor
automotivo em vários países europeus e o setor da construção civil na
Espanha. Tais subsídios postergaram ainda mais a reestruturação dessas
economias. A livre mobilidade dos fatores de produção foi obstruída por
programas de obras públicas que serviram apenas para absorver recursos escassos
que eram necessitados mias urgentemente em outras indústrias. Subsídios
mais generosos para os desempregados aumentaram o déficit ao mesmo tempo em que
reduziram os incentivos para que essas pessoas procurassem emprego fora dessas
indústrias sobredimensionadas. Outro fator que ajudou a aumentar os
déficits foi a queda nas receitas tributárias causada pelo aumento do
desemprego e pela queda dos lucros.
As intervenções governamentais não apenas postergaram a recuperação
econômica, como também fizeram isso à custa do aumento dos déficits públicos —
aumentos esses que estão avolumando os já enormes níveis da dívida
pública. Essa grande dívida pública pré-existente é o produto do
insustentável assistencialismo estatal. Como esses sistemas de pensão
criam passivos para os quais simplesmente não há fundos — obstáculos
insuperáveis para os modernos estados de bem-estar social —, de certa forma a
atual crise, com seu dramático aumento nas dívidas governamentais, representa
um passo adiante rumo ao inevitável colapso do estado de bem-estar social.
Como já vimos, na Europa, há uma peculiaridade adicional para o problema da
dívida. Quando o euro foi criado, as
nações-membro fizeram um acordo implícito de que nenhuma delas deixaria o euro
após se juntar a ele. Se as coisas
ficassem ruins, uma nação poderia ser socorrida pelo resto da União Monetária
Europeia. Com esta implícita garantia de
socorro, um severo problema de dívida soberana acabou sendo pré-programado.
Esse suposto apoio dado por nações fiscalmente mais robustas reduziu
artificialmente as taxas de juros sobre os títulos das dívidas das nações
fiscalmente irresponsáveis. Acesso ao crédito barato permitiu que países
como a Grécia mantivessem um setor público agigantado e ignorassem os problemas
estruturais gerados por salários artificialmente altos (pouco
competitivos). Em última instância, quaisquer déficits poderiam ser
financiados pela criação de dinheiro pelo Banco Central Europeu, externalizando
os custos sobre os outros membros da UME.
Do ponto de vista de um político, os incentivos em tal sistema são
explosivos: se eu, como um político em campanha, prometesse bondades para meus
eleitores a fim de ganhar a eleição, poderia externalizar os custos dessas
promessas, jogando-os todos sobre os outros países membros da UME por meio da
inflação monetária — e os pagadores de impostos futuros é que terão de arcar
com a dívida. Mesmo que o governo venha a precisar de um socorro (o pior
cenário possível), isso acontecerá somente em um distante futuro pós-eleitoral.
Ademais, quando a crise estourar, eu poderei convencer os eleitores de que
ela não foi causada por mim; ela se abateu sobre o país como um desastre
natural — ou, ainda melhor, que ela foi causada por especuladores malvados. Embora medidas de austeridade impostas pela
UME ou pelo FMI possam surgir no futuro, a próxima eleição está bem mais
próxima. É fácil perceber como a típica
miopia dos políticos de uma democracia combina-se com a capacidade de externalizar
sobre outras nações os custos dos déficits, produzindo uma explosiva inflação
causada pelo endividamento.
Devido a esses incentivos, alguns países europeus já estavam bastante
adiantados em seu processo de insolvência quando estourou a crise financeira e
os déficits explodiram. Os mercados se tornaram descrentes de várias
promessas governamentais. O episódio grego é um exemplo óbvio desta
desconfiança do mercado. Como os políticos querem salvar o euro a
qualquer custo, as garantias de socorro se tornaram explícitas. A Grécia
recebe empréstimos da UME e do FMI, totalizando um valor estimado de €110
bilhões de 2010 a 2012. Além disso, mesmo com os títulos do governo grego
sendo classificados como lixo, o BCE continua os aceitando, passando
inclusive a comprá-los diretamente do governo grego.[2]
O contágio da Grécia se espalhou para outros países — como Portugal,
Espanha e Itália — que também possuíam déficits e dívidas altos. Alguns
destes sofrem com alto desemprego e mercado de trabalho inflexível. O
contágio destes países pode desencadear sua insolvência — e o fim do
euro. A UME reagiu a essa possibilidade e entrou "com tudo",
prometendo, em conjunto com o FMI, um pacote adicional de €750
bilhões para os países-membro em apuros.
A Irlanda foi forçada a recorrer ao
fundo de resgate em novembro de 2010.
Os governos
podem conter a crise?
O governo grego tentou várias medidas para acabar com seu problema da
dívida. Ele anunciou um congelamento nos
salários do setor público, uma redução no número de servidores públicos, e um
aumento nos tributos sobre gasolina, tabaco, álcool e grandes imóveis.
Mas seriam estas medidas suficientes?
Há essencialmente cinco maneiras de os países excessivamente endividados
da UME atenuarem os problemas de suas dívidas.
1) Reduzir o gasto público. O governo grego vem reduzindo seus gastos,
mas ainda segue incorrendo em
déficits. A redução no
gasto pode simplesmente não ser o bastante.
Ademais, não está claro se o governo pode manter estes pequenos cortes
no orçamento. A Grécia é famosa por seus
protestos violentos contra reformas políticas relativamente pequenas. Como a maioria da população parece ser contra
cortes nos gastos, o governo pode não conseguir reduzir o orçamento de maneira
suficiente e duradoura.
2) Aumentar
sua competitividade para estimular o aumento das receitas tributárias. O governo grego, no entanto, ainda não teve a
coragem de seguir este caminho. Seu
enorme setor público não foi substancialmente reduzido, e os salários
permanecem pouco competitivos em decorrência de sindicatos poderosos e ainda
muito privilegiados. Esta falta de
competitividade é um permanente obstáculo sobre as finanças públicas. Um padrão de vida artificialmente elevado é
mantido em decorrência de déficits governamentais. Aqueles trabalhadores que são pouco
competitivos aos níveis salariais vigentes vão procurar emprego no setor
público, ou se aposentam precocemente, ou se contentam em receber
seguro-desemprego.
A alternativa seria parar de subsidiar o desemprego, seja ele na forma disfarçada
de aposentadoria precoce, na forma de empregos públicos improdutivos, ou
abertamente, com seguros-desemprego. Isso
reduziria os salários na economia privada.
A abolição dos privilégios sindicais reduziria ainda mais os preços. Desta forma, a competitividade das empresas gregas
aumentaria e os déficits do governo seriam reduzidos. Os países europeus latinos passam por situações
similares.
3) Tentar aumentar suas receitas aumentando
impostos. A Grécia já fez isto. Mas o aumento nos impostos está gerando novos
problemas para os gregos. Riqueza está
sendo retirada do setor produtivo e redirecionada para o improdutivo setor público. Os incentivos para produzir, poupar e
investir foram adicionalmente reduzidos.
O crescimento econômico está obstruído.
4) Crescimento induzido pela desregulamentação. Esta pode ser a alteração mais fácil de ser alcançada
politicamente, e também a mais promissora.
Sua desvantagem é que ela demora um tempo que alguns países podem não ter.
Com um crescimento econômico mais vigoroso, as receitas de impostos tendem
a aumentar, o que pode automaticamente reduzir os déficits. Crescimento e inovação são gerados pela liberalização
completa de economias problemáticas. Com
regulamentações e privilégios abolidos, e empresas e propriedades públicas
privatizadas, novas áreas são abertas para empreendedores competitivos. O setor privado passa a ter mais espaço para
respirar.
Os pacotes promulgados pelo governo grego consistem deste tipo de desregulamentação. A Grécia privatizou empresas e eliminou privilégios
— como a obrigatoriedade de licenças para motoristas de caminhões (os quais, não
surpreendentemente, se revoltaram contra este ataque ao seu cartel, entraram em
greve e paralisaram o país por alguns dias).
Mas a Grécia, ao mesmo tempo, implantou medidas que dificultam a
respiração do setor privado. Aumentos de
impostos, especialmente os aumentos nos impostos sobre vendas, são bons
exemplos. As medidas, conjuntamente,
parecem ser insuficientes para produzir o crescimento econômico necessário para
a redução da dívida pública.
5) Ajuda
externa. Mas pode um socorro externo
conseguir aquilo que insuficientes medidas de liberalização não conseguiram? Pode o socorro de €110
bilhões ao governo grego, em conjunto com os €750
bilhões adicionais que foram prometidos, impedir essa crise da dívida
soberana? Ou o ponto sem retorno já foi cruzado? Há vários motivos
que explicam por que apenas jogar dinheiro sobre um problema causado por
dinheiro abundante e barato pode ser algo incapaz de impedir a propagação dessa
crise de dívida soberana.
a. Os €110
bilhões dados à Grécia podem, por si sós, não ser suficientes. O que vai
acontecer se a Grécia não tiver conseguido reduzir seus déficits
suficientemente ao final do prazo do empréstimo? A Grécia não parece
estar no rumo de se tornar autossuficiente.
Ela está, paradoxalmente, fazendo pouco e muito para atingir esse
intento. Ela está fazendo muito no que tange aos impostos, aumentando a
carga tributária e, com isso, prejudicando o setor privado. Ao mesmo
tempo, a Grécia está fazendo pouco no que tange aos gastos, não reduzindo
suficientemente as despesas do governo, além de também não estar
desregulamentando sua economia. Ademais, as greves estão paralisando a
economia e as demonstrações violentas estão colocando em risco as medidas de
austeridade.
b. Ao se
gastar dinheiro para socorrer o governo grego, menos fundos ficam disponíveis
para socorrer outros países. Aumenta-se o risco de não haver dinheiro
suficiente para socorrer o governo de outras nações (tais como Portugal e Espanha)
caso uma ajuda se faça necessária. Consequentemente, as taxas de juros
cobradas sobre os títulos desses países — que agora se revelaram ainda mais
arriscados — subiram. Embora o pacote adicional de €750 bilhões
tenha sido criado em resposta a esse risco, a iminente ameaça de contágio foi
interrompida a um custo: um maior endividamento dos membros mais fortes da UME,
o que significa que o problema da dívida soberana foi agravado ainda mais.
c. No final,
sempre haverá alguém que terá de pagar por esse empréstimo de juros a 4% (antes,
eram 5%) feito pela UME à Grécia. (Com efeito, os EUA [e o Brasil]
estão pagando uma parte dessa soma indiretamente, por meio de sua participação
no FMI).[3] À
medida que as dívidas dos outros membros da UME aumentam, eles terão de pagar
juros maiores sobre seus títulos. Quando o socorro foi anunciado, Portugal
já estava pagando mais por sua dívida, e teria prejuízo caso emprestasse
dinheiro a 5% para a Grécia. Dado que tanto a dívida total quanto os
juros cobrados do governo português estão subindo, é provável que brevemente o
país não mais consiga refinanciar sua dívida. Por conseguinte, se o
governo português tiver então de ser socorrido pelo resto da UME, as dívidas e
os juros cobrados de outros países subirão ainda mais. Isso poderá
derrubar o próximo país mais fraco da lista, o qual por sua vez também
necessitaria de um socorro, e assim por diante, em um efeito dominó.
O socorro à Grécia e à Irlanda
(e a promessa de apoio a outros países-membros problemáticos) reduziu os incentivos
para se controlar os déficits. O resto dos países da UME pode muito bem
pensar que eles, assim como a Grécia, também têm direito ao auxílio da
UME. Por exemplo, dado que as taxas de juros podem se estabilizar após o
socorro, a pressão sobre o governo espanhol para que este reduza seu déficit e
flexibilize suas leis trabalhistas será artificialmente removida — uma vez que
estas medidas, embora necessárias, são extremamente impopulares entre os
eleitores.
A Espanha é o próximo governo
na fila após Portugal. Os problemas da Espanha
são inúmeros e contêm as características de outros países periféricos. O principal problema da Espanha é o seu alto
endividamento público e privado. Taxas
de juros artificialmente baixas provocadas pelo BCE formaram uma bolha imobiliária. Os preços dos imóveis dispararam, os espanhóis
se endividaram e passaram a viver muito além de suas reais condições financeiras. Quando a bolha estourou, os preços dos imóveis
caíram e os espanhóis perderam seus empregos; várias pessoas não mais conseguiram
pagar suas dívidas. Construtoras e famílias
deram o calote em suas dívidas, gerando problemas para o sistema bancário.
O endividamento do
governo praticamente dobrou, saindo de 36,1% em 2007 para estimados 70,2% em
2011. Já as dívidas privadas estão acima
de 200% do PIB. Em 2007, em decorrência da
atividade econômica gerada pelo auge da bolha imobiliária, o governo espanhol
apresentou um superávit orçamento de 1,7%.
Já em 2009, após a crise e o estouro da bolha, o governo mergulhou em um
déficit de 11,2%, indo depois para 9,3% em 2010. A taxa de desemprego continua em torno dos
20%. Ao mesmo tempo, políticos não parecem
muito dispostos a implantar reformas estruturais.
É provável que os bancos
espanhóis ainda tenham uma substancial quantia de empréstimos insolventes
concedidos a Portugal, o que os deixa totalmente expostos. Um aumento nas taxas básicas de juros
anunciado pelo BCE para conter a inflação irá gerar problemas para as finanças públicas
do país, podendo desencadear mais calotes privados e gerar mais problemas para
o sistema bancário.
Os próximos países na
fila são Itália e Bélgica, os quais são grandes demais para serem socorridos
pelo atual fundo de resgate. Em 2010, a
dívida pública da Itália subiu para 119% do PIB, com seu déficit chegando a
4,6%. A Bélgica, que não possui um
governo formalmente estabelecido, está com sua dívida pública ao redor de 100%
do PIB. O último prego no caixão da UME,
no entanto, pode ser a França. Sua dívida
em relação ao PIB aumentou para 81,7%, com um déficit que chega a 7%. Mesmo pequenas reformas estruturais como um
aumento na idade de aposentadoria de 60 para 62 anos geraram enormes protestos
e greves em outubro de 2010, o que gera dúvidas sobre a possibilidade política de
se reduzir substancialmente o déficit da França.
Embora, na Europa como
um todo, os déficits tenham sido ligeiramente reduzidos, o endividamento público
segue crescendo; em alguns países, de maneira veloz e insustentável. A cada dia que passa que a dívida continua
aumentando e as reformas estruturais não são feitas, vai se tornando mais provável
que o continente já tenha passado daquele ponto além do qual não há mais
retorno.
[1] Ver
Philipp Bagus, "The
Fed's Dilemma," Mises.org daily
(October 8, 2009), http://mises.org.
[2] Ver Robert
Lindsay, "ECB in U-turn on Junk Bonds to Save Greek Banking System," Times Online (May 4, 2010), http://business.timesonline.co.uk.
No dia 14 de janeiro de 2011, a Fitch foi a última das três grandes agências de
classificação de risco a rebaixar a dívida do governo grego ao status de lixo.
[3] Ver
Bob Davis, "Who's on the Hook for the Greek Bailout?" The Wallstreet Online (May 5, 2010), http://online.wdj.com.