Semana
passada, participei de um seminário promovido pelo Banco Central Europeu sobre
Liquidez Global. Liquidez Global,
obviamente, se refere a todo dinheiro circulando pelo mundo em decorrência das
impressões de dinheiro praticadas pelos bancos centrais ocidentais —
principalmente o Fed. Imaginei ser
interessante e proveitoso compartilhar algumas constatações, bem como destacar
algumas descobertas que fiz.
1. A esmagadora maioria dos
participantes era formada por economistas dos principais bancos centrais do
mundo. O grupo de 40-50 pessoas parecia estar
de acordo com o fato de que sua política monetária — e em particular a do Fed
— é a principal causadora do aumento dos preços dos ativos financeiros,
inclusive das commodities e dos imóveis.
Aprendi
que, embora não haja um consenso entre os banqueiros centrais sobre o aumento
do crédito bancário ser o único fator a impulsionar os preços dos ativos (não
obstante tenham me falado que muitos dizem que é sim, e um economista com quem
conversei disse que era), há um consenso de que, no longo prazo, ele de fato é
o único fator que gera inflação de preços.
Os fatores que alteram a inflação de preços no curto prazo são bastante
insignificantes. Um fator de curto prazo
com o qual concordo são as mudanças na oferta de produtos importados. Como diz um panfleto que comprei: "A inflação
é, em última instância, um fenômeno monetário".
Por
que os banqueiros centrais concordam que aumentos contínuos nos preços dos bens
de consumo são em última instância causados por um aumento da oferta monetária,
mas acreditam que aumentos contínuos nos preços dos ativos são apenas
parcialmente causados por um aumento da oferta monetária é algo que está além
da minha compreensão.
Só
para esclarecer, perguntei a um banqueiro central sobre a teoria de que os
sindicatos e suas exigências salariais podem elevar continuamente os
preços. Ele disse que podem — mas só se
houver um aumento da quantidade de dinheiro na economia. Perfeitamente correto.
Uma
observação bastante interessante ocorreu quando ele disse que eu soava como um
monetarista. Disse-lhe que, na
realidade, eu me alinhava mais com os austríacos. Ele imediatamente respondeu dizendo que a
Escola Austríaca não é muito diferente dos monetaristas em relação ao assunto em questão. Ele estava certo, é claro,
mas impressionou-me o fato de ele estar intimamente familiarizado com as visões
austríacas. Afinal, um banqueiro central
italiano com quem conversei há alguns anos me perguntou: "o que é um
austríaco?"
2. O grupo também discutiu os efeitos
da política monetária sobre a economia e o sistema financeiro. A conclusão foi a de que ela possui tanto um
efeito auxiliador quanto um efeito desestabilizador (nós austríacos,
obviamente, diríamos que ela é a única estimuladora da inflação de preços de
ativos, do PIB e do consumo no longo prazo).
Uma apresentação de PowerPoint feita por um economista do Banco
de Compensações Internacionais, a respeito da crise financeira, concluía:
"A quem culpar? Segundo o modelo, o Fed".
Concordo. Mas não deixa de ser
espantoso que eles de fato digam/admitam isso.
Outra
declaração foi a de que "o banco central pode criar distorções". De novo, para nós austríacos — na ausência
de catástrofes naturais —, um banco central é a única instituição capaz de
criar profundas distorções. E que estes
banqueiros centrais estejam aceitando as consequências de sua influência é
surpreendente, para dizer o mínimo.
3. O grupo comentava seguidamente que o
que estimulou a alavancagem dos bancos foi o aumento do crédito. Eles concordam que é a alavancagem o que
impulsiona os preços dos ativos. Porém,
como disse uma pessoa, "o aumento da alavancagem tem de estar vindo de algum
lugar" — isto é, você não pode criar mais alavancagem sem criar mais
dinheiro/crédito. (Eles definiram alavancagem como sendo
o total de ativos bancários dividido pelo patrimônio líquido do banco). Mais interessante, várias pessoas debateram e
ventilaram a hipótese de que a alavancagem dos bancos está inversamente
relacionada com o VIX [índice de volatilidade do S&P 500].
4.
Há toda uma área de pesquisa relacionada à seguinte informação, cuja
importância eu também tive de aprender mais cedo em minha carreira: a maneira
como o fluxo de dinheiro que entra na economia é transmitido para os preços dos
bens de consumo é completamente diferente da maneira como um mesmo fluxo de
dinheiro é transmitido para os preços dos ativos. Os mecanismos de transmissão são
distintos. O dinheiro que afeta os
preços dos bens de consumo é o dinheiro criado via expansão do
crédito/empréstimos bancários, ao passo que o dinheiro que afeta os preços dos
ativos é o dinheiro originado de empréstimos no mercado interbancário (entre os
grandes bancos). Este último vai parar
nos hedge funds, nas grandes corretoras e nos investidores institucionais (institutos
financeiros que investem grandes quantias de dinheiro) na forma de "passivos
bancários não-monetários, tais como papeis do mercado financeiro, certificados
de depósito, papeis comerciais, títulos e derivativos, os quais [são créditos
bancários, mas] não são reconhecidos como o meio de troca comum".
Em
decorrência disto, há um amplo debate sobre qual dos dois lados dos balancetes
dos bancos é o responsável pelo aumento nos preços: o lado dos ativos ou o lado
dos passivos. Este debate é conhecido
como 'a visão monetária versus a visão creditícia'. A visão monetária é a visão dos passivos, e
argumenta que é a criação de dinheiro na forma de depósitos bancários o que estimula
a inflação de preços. Já a visão
creditícia é a visão dos ativos, e argumenta é a criação de crédito na forma de
empréstimos bancários a responsável pelo aumento dos preços. Eles observaram que o crédito cresceu muito
mais rapidamente do que a oferta monetária ao longo dos últimos 25 anos.
Isso
explica por que tanto o crescimento do PIB quanto os preços dos bens de consumo
(na Europa e nos EUA) tiveram baixas taxas de crescimento enquanto que os
preços dos ativos explodiram. Explica
também por que o desempenho do mercado financeiro não está relacionado ao
desempenho da economia real — o dinheiro pode fluir para ativos e aumentar
seus preços sem, no entanto, fluir totalmente para os bens de consumo, o que
faz com que o PIB, que mensura o volume de dinheiro gasto em bens e serviços, permaneça
baixo.
5. Embora ainda haja algum debate sobre
isso, foi dito várias vezes que "os EUA são o provedor global de
liquidez". Eu imaginava que a Europa e
partes da Ásia também eram provedoras, por meio de uma política monetária
coordenada. No entanto, de alguma forma,
são os EUA quem supostamente conduz sozinho a liquidez. Talvez o que eles quiseram dizer foi que o
Fed é quem primeiro inicia as políticas monetárias e, após isso, todos os
outros bancos centrais têm de seguir os mesmos passos do Fed, de modo não
oficial, com a intenção de manter suas taxas de câmbio alinhadas. Ao intencionalmente se esforçarem para manter
suas taxas de câmbio alinhadas ao dólar, eles sugam capital estrangeiro, o que
estimula os preços de seus ativos.
Portanto, a liquidez criada nos EUA se transforma em liquidez global.
6. Uma das teses apresentadas
argumentava que a Europa influi enormemente nos preços dos ativos americanos,
mas que isso não é observado explicitamente porque os eurodólares utilizados
neste processo estão depositados em bancos americanos (tanto nos EUA quanto na
Europa), o que significa que eles aparecem como sendo apenas ativos
americanos. Se isso for verdade, então
os bancos europeus afetam os preços dos ativos americanos muito mais do que até
então se imaginava.
7. Fiquei surpreso em constatar como o
linguajar destes banqueiros centrais era bastante similar ao linguajar
austríaco, considerando-se que, normalmente, os economistas do mainstream mascaram seus argumentos com
uma linguagem obscura, indireta e tortuosa.
Os economistas monetários ali presentes não somente falavam com total
desenvoltura sobre bancos centrais criando dinheiro, como também seguidamente
observavam que isso só é possível devido à existência de um sistema bancário de
reservas fracionárias. Eles até mesmo
utilizaram o termo criação de dinheiro "ex nihilo" (do nada), exatamente como
os austríacos. Além disso, eles também
falaram sobre alocação errônea e insustentável de capital, distorções, e ciclos
econômicos. Curiosamente, uma monografia
apresentada fazia uma distinção entre demanda agregada artificial, causada
exclusivamente pela impressão de dinheiro, e demanda agregada real, que só pode
aumentar em decorrência de um aumento na produção [para que alguém possa genuinamente consumir algo, primeiro ela tem de
produzir; só assim ela irá conseguir o dinheiro necessário para o consumo].
8. Embora eles tenham deixado claro
saber que são os responsáveis por causar as elevações de preços, os ciclos econômicos,
a volatilidade nas commodities e nos ativos, e as crises financeiras, ainda
assim eles seguem apoiando a existência do sistema bancário de reservas
fracionárias e a criação artificial de crédito.
Eles realmente, genuinamente, acreditam que as economias precisam de
criação de crédito para crescer. Esta é
a falha de raciocínio que origina todos os problemas.
A
principal conclusão é que foi bastante surpreendente constatar o quão alinhado
com as ideias e com o linguajar austríacos os economistas ali presente estão. Creio que isso ocorre porque estas pessoas se
concentram tão detalhadamente em questões monetárias e de preços que acaba
sendo inevitável elas perceberem a realidade dos fatos. Dentro da esfera de ação de sua rotina
diária, tais indivíduos não lidam com politicagens e propagandas. Eles estão apenas tentando entender — assim
como os austríacos — como as coisas realmente funcionam. A se lamentar apenas que, baseando-se em suas
conclusões, eles não defendam políticas distintas das que implementaram até
então.