segunda-feira, 7 jan 2013
A
distinção entre propriedade privada dos meios de produção (economia de mercado
ou capitalismo) e propriedade pública dos meios de produção (socialismo,
comunismo ou "planejamento central") é bastante nítida. Cada um desses dois sistemas de organização
econômica da sociedade pode ser descrito e definido de maneira precisa e sem
ambiguidades.
Não
podem jamais ser confundidos um com o outro; não podem ser misturados ou
combinados; não podem transitar gradualmente de um para o outro; são mutuamente
incompatíveis. Um fator de produção ou é
de propriedade privada ou pública.
Se,
no contexto de um sistema de cooperação social, alguns meios de produção são de
propriedade pública, enquanto os demais são controlados por entidades privadas,
isto não configura um sistema misto combinando socialismo e propriedade
privada. O sistema continuará sendo uma
sociedade de mercado desde que o setor socializado não se tornar inteiramente
separado do setor não socializado, passando a ter uma existência estritamente
autárquica. (Neste último caso,
estaríamos diante de dois sistemas que coexistem independentemente lado a lado
— um capitalista e outro socialista).
Empresas
estatais funcionando em um sistema no qual existam empresas privadas e um
mercado — assim como países socialistas que trocam bens e serviços com países
não socialistas — estão integradas em um sistema de economia de mercado. Estão sujeitas às leis do mercado e têm a
possibilidade de recorrer ao cálculo econômico.
Se
quisermos considerar a ideia de colocar lado a lado a estes dois sistemas, ou
entre eles, um terceiro sistema de cooperação humana baseado na divisão do
trabalho, teremos necessariamente de partir da noção de economia de mercado e
não da noção de socialismo. A noção de socialismo, com seu monismo e centralismo rígidos,
em que uma só vontade tem o poder de escolher e agir, não dá margem
a qualquer tipo de acordo ou concessão; não é um sistema passível de ajustes ou
alterações.
Mas
o mesmo não ocorre em relação à economia de mercado. Neste sistema, a coexistência do mercado com o
poder de coerção e compulsão do governo dá margem a diversas possibilidades. Seria realmente necessário ou conveniente,
perguntam-se as pessoas, que o governo se mantenha fora do mercado? Não seria uma tarefa do governo interferir e
corrigir o funcionamento do mercado? Será
que não há uma terceira alternativa entre capitalismo e socialismo? Será que não existem outros sistemas viáveis
de organização social que não sejam nem o comunismo e nem a pura economia de
mercado?
Em
resposta a essas questões já foram arquitetadas várias soluções — também
chamadas de terceira via — que,
segundo os seus criadores, estariam tão distantes do socialismo como do
capitalismo. Alegam esses autores que
tais sistemas não são socialistas porque preservam a propriedade privada dos
meios de produção, e não são capitalistas porque eliminam as
"deficiências" da economia de mercado.
Um
tratamento científico dessa questão deve necessariamente ser neutro em relação
a quaisquer julgamentos de valor — e, portanto, não pode condenar de antemão nenhum
aspecto do capitalismo como sendo prejudicial, defeituoso ou injusto. Consequentemente, não faz sentido recomendar,
em bases puramente emocionais, o intervencionismo. Cabe à ciência econômica analisar essas
questões e buscar a verdade; não pode ser invocada para louvar ou condenar a
realidade a partir de postulados preconcebidos e de preconceitos. Em relação ao intervencionismo, cabe à ciência
econômica apenas perguntar e responder: como é que funciona?
O
intervencionismo
Existem
duas maneiras de se chegar ao socialismo.
A
primeira (podemos denominá-la de modelo leninista ou russo) é puramente
burocrática. Todas as fábricas, lojas e
fazendas são formalmente estatizadas; passam a ser departamentos do governo
dirigidos por funcionários públicos. Cada
unidade do aparato de produção mantém com o órgão superior central a mesma
relação que uma agência local dos correios mantém com a central dos Correios.
A
segunda maneira (podemos denominá-la de modelo alemão ou de Hindenburg)
preserva nominal e aparentemente a propriedade privada dos meios de produção,
fazendo parecer que continuam a existir mercados, preços, salários e juros. Entretanto, já não existem empreendedores, mas
apenas gerentes de empresas (Betriebsführer na terminologia
nazista).
Esses
gerentes de empresa parecem estar efetivamente no comando das empresas que lhes
foram confiadas; compram e vendem, contratam e dispensam trabalhadores, fixam
remunerações, contraem dívidas, pagam juros e amortizam empréstimos. Mas, ao
exercer a sua atividade, são obrigados a obedecer incondicionalmente às ordens
emitidas pela agência central do governo encarregada de dirigir a produção.
Essa
agência (a Reichswirtschaftsministerium na Alemanha nazista)
instrui os gerentes das empresas sobre o que e como produzir, de quem comprar e
a que preços, e a quem vender e a que preços.
Especifica o emprego de cada trabalhador e fixa o seu salário. Decreta a quem, e em que termos, os
capitalistas devem confiar os seus fundos. Em tais circunstâncias, as trocas de mercado
tornam-se meramente uma farsa. Os salários, preços e juros são fixados pelo
governo; são salários, preços e taxas de juros apenas na aparência; na
realidade, são meramente as expressões quantitativas das ordens do governo, as
quais determinam o emprego, a renda, o consumo e o padrão de vida de cada
cidadão.
O
governo de fato dirige toda a atividade econômica. Os gerentes das empresas obedecem às ordens do
governo e não à demanda dos consumidores e à estrutura de preços do mercado.
Isso é socialismo, só que disfarçado pelo uso da terminologia capitalista. Alguns rótulos da economia de mercado
capitalista são mantidos, mas com um significado inteiramente diferente do que
têm na economia de mercado.
É
necessário salientar este fato a fim de evitar que se confunda socialismo com
intervencionismo. O intervencionismo — ou a economia de mercado obstruída — difere
do modelo alemão de socialismo pelo simples fato de ainda ser uma economia de
mercado. As autoridades interferem no
funcionamento da economia de mercado, mas não desejam eliminá-la completamente.
Querem que a produção e o consumo sigam
caminhos diferentes dos que seguiriam se não houvesse as obstruções, e querem
atingir esse objetivo por meio de ordens, comandos e proibições, para cujo
cumprimento contam com o respaldo do seu poder policial e de seu correspondente
aparato de compulsão e coerção.
Tais
medidas, entretanto, são atos isolados de intervenção. Não
pretendem as autoridades integrá-las a um sistema que determinaria todos os
preços, salários e taxas de juros, colocando em suas mãos o controle absoluto
da produção e do consumo.
O
sistema de economia de mercado obstruída, ou intervencionismo, procura
preservar o dualismo de duas distintas esferas: a atividade do governo de um
lado e a liberdade econômica do sistema de mercado de outro. O que caracteriza o intervencionismo é o fato
de que o governo não limita suas atividades à preservação da propriedade
privada dos meios de produção e à proteção contra as tentativas de violência ou
fraude; o governo interfere na atividade econômica através de ordens e
proibições.
A
intervenção é sempre um decreto emitido, direta ou indiretamente, pela
autoridade responsável pelo aparato administrativo de coerção e compulsão que
força os empreendedores e os capitalistas a empregarem alguns dos fatores de
produção de maneira diferente daquela que o fariam se estivessem obedecendo
apenas aos ditames do mercado. Tal
decreto pode ser uma ordem para fazer ou para deixar de fazer alguma coisa.
Não
é necessário que o decreto seja emitido diretamente pelo poder legitimamente
constituído e estabelecido. Pode ocorrer
que algumas outras agências se arroguem o direito de emitir tais ordens ou
proibições, e as imponham por meio do seu próprio aparato de coerção e
opressão. Se o governo legalmente
constituído tolera esse procedimento ou até mesmo o apoia por meio de seu
aparato policial, as coisas se passam como se a ordem fosse do próprio governo.
Se o governo se opõe à ação violenta
dessas outras agências, e, embora o desejando, não consegue evitá-las nem com o
emprego de suas forças armadas, advém a anarquia.
É
importante lembrar que intervenção do governo significa sempre ou ação violenta
ou ameaça de ação violenta. Os fundos
gastos pelo governo em qualquer de suas atividades são obtidos por meio de
impostos. E os impostos são pagos porque
os contribuintes não se atrevem a desobedecer aos agentes do governo; eles
sabem que qualquer desobediência ou resistência seria inútil. Enquanto perdurar esse estado de coisas, o
governo tem a possibilidade de arrecadar tanto quanto queira para suas
despesas.
Governo
é, em última instância, o emprego de homens armados, de policiais, guardas,
soldados e carrascos. A característica
essencial do governo é a de impingir os seus decretos por meio do espancamento,
do encarceramento e do assassinato. Quem pede maior intervenção estatal está,
em última análise, pedindo mais coerção e menos liberdade.