As
notícias se avolumam. Redução no ritmo
das
vendas
de imóveis (em algumas cidades, já há
queda
nos preços dos imóveis), redução no ritmo das
vendas
de material de construção, montadoras com
estoques
se acumulando,
redução
forte no
ritmo
de contratações para a indústria, para o comércio varejista, para a
construção civil e até mesmo para o setor de serviços. Apenas o setor agrícola apresenta expansão nos
empregos, e isso por causa da alta cotação das commodities.
Todos
esses fenômenos dão a entender que o ápice da expansão econômica já passou e, a
julgar pelos dados macroeconômicos (que veremos mais abaixo), a economia
brasileira já está em forte desaceleração, aproximando-se de uma recessão.
E
aí vêm as perguntas inevitáveis: Quando isso ocorrerá? Qual será a intensidade? Já os mais céticos (ou mais governistas)
perguntam até mesmo se realmente haverá alguma recessão.
Antes
de abordamos mais especificamente essas perguntas, seria importante apresentar
um pequeno, porém completo, resumo da mecânica de um ciclo econômico. Como ele começa, como ele termina e o que
acontece nesse ínterim. Após essa
explicação, poderemos então transportar a teoria para a prática.
O início de um ciclo econômico
Quando
o Banco Central decide reduzir a taxa básica de juros da economia (no caso do
Brasil, a SELIC), ele cria dinheiro eletronicamente e, com esse dinheiro criado
do nada, compra títulos públicos que estão em posse do sistema bancário. O dinheiro eletrônico vai então para as
reservas que os bancos mantêm depositadas junto ao Banco Central (os depósitos
compulsórios).
E
como isso afeta a SELIC?
A
taxa SELIC nada mais é do que a taxa de juros que os bancos cobram (pagam) entre
si no mercado interbancário para emprestar (tomar emprestado) dinheiro que
possuem em suas reservas. Os bancos
recorrem a essas operações interbancárias diariamente, pois, ao final de cada
dia, precisam manter um determinado volume de dinheiro em suas reservas. (Esse volume é o equivalente a uma
determinada porcentagem do total de suas contas-correntes, e é determinado pelo
Banco Central.)
As
reservas bancárias, portanto, são fundos que os bancos são obrigados — tanto
por lei quanto por necessidade — a manter disponíveis na forma depósitos à
vista junto ao Banco Central. Logo, uma
redução na SELIC significa que o Banco Central está injetando dinheiro nas
reservas do sistema bancário a uma velocidade maior do que antes. (Inversamente,
um aumento da SELIC significa que o BC está injetando dinheiro nas reservas
bancárias a uma taxa menor do que antes).
Com
mais dinheiro nas reservas, menos bancos se veem na necessidade de pedir
dinheiro emprestado no interbancário (ou do público em geral, via CDBs), e mais
bancos se veem com reservas acima do nível estipulado pelo Banco Central. É essa mudança nas condições de oferta e
demanda de reservas bancárias que altera a taxa de juros no mercado
interbancário. E essa taxa de juros é
justamente a SELIC.
No
exemplo acima, a maior disponibilidade de reservas bancárias levou a uma
redução da SELIC. Consequentemente,
houve um aumento na capacidade do sistema bancário de criar contas-correntes
adicionais, as quais serão utilizadas para a concessão de empréstimos — algo
que os bancos só podem fazer quando possuem reservas em nível acima daquele
estipulado pelo Banco Central.
Consequentemente, os juros que os bancos cobram sobre empréstimos
concedidos a pessoas e empresas diminuem.
Quando
os juros são reduzidos, aqueles projetos de longo prazo que antes eram
inviáveis tornam-se agora — justamente por causa dos juros mais baixos —
aparentemente viáveis. Esses projetos de
longo prazo (como empreendimentos imobiliários) são aqueles que demandam mais
capital, mais investimentos vultosos. O
que antes parecia caro, agora, repentinamente — por causa dos juros menores —
parece bem mais acessível.
Consequentemente,
os recursos econômicos — maquinário, matérias-primas, metais e mão-de-obra —
começam a ser desviados para esses setores intensivos em capital; para esses
projetos de longo prazo.
Porém,
ao contrário do que muita gente pensa, as taxas de juros não são o principal fator determinante para a formação de bolhas ou
mesmo de ciclos econômicos em
geral. A redução da
taxa de juros decorrente de manipulações monetárias feitas pelo Banco Central desencadeia o início do ciclo/bolha,
porém, a partir daí, alterações na oferta monetária têm mais importância.
Por
quê?
Porque
a expansão da oferta monetária da economia, como Mises explicou, não ocorre de
maneira uniforme. Sempre há aqueles
setores que recebem esse novo dinheiro antes do resto da economia. E esse dinheiro recém-criado que entra
primeiramente em determinados setores da economia altera toda a estrutura de
preços da economia; altera todos os preços relativos. Se o dinheiro recém-criado vai primeiramente
para o setor imobiliário, por exemplo, a estrutura de preços da economia fica
distorcida em relação a este setor, fazendo com que investimentos nesse setor
aparentem ser mais vantajosos, mais lucrativos, pois os preços estão sempre
subindo.
A
taxa de juros pode permanecer constante esse tempo todo. Ela pode estar nominalmente alta (como sempre
foi no Brasil). Não interessa. O que interessa são as expectativas de lucros. As
taxas de juros por si sós têm pequeno efeito sobre o planejamento
empreendedorial e, consequentemente, sobre a formação de bolhas e de ciclos
econômicos. O que afeta uma decisão de
planejamento é a expectativa de lucros. E
se os lucros propiciados por um investimento forem maiores do que os juros
cobrados sobre os empréstimos para esse investimento, tal investimento é
vantajoso.
Ademais,
os lucros são totalmente afetados por variações da quantidade de dinheiro na
economia. Mais dinheiro sendo criado, maiores
os lucros contábeis daqueles setores que recebem esse dinheiro antes dos
outros.
Portanto,
para resumir: a redução da taxa de juros decorrente de manipulações monetárias
feitas pelo Banco Central desencadeia o início do ciclo; porém, a partir daí,
alterações na oferta monetária têm
mais importância. Variações na
quantidade de dinheiro na economia afetam os preços relativos dos setores da
economia e, consequentemente, alteram as expectativas de lucros de cada
setor. Isso importa mais do que os juros
praticados.
O período da expansão econômica insustentável
Após
a expansão monetária acima descrita causar uma redução nos juros, os
investimentos começam a surgir mais intensamente na economia. Porém, como essa redução nos juros não foi causada por um aumento na
poupança (isto é, pela abstenção do consumo), mas sim pela simples manipulação dos juros feita pelo Banco
Central, não houve uma liberação de
recursos de um setor para ser utilizado em outro setor. Aí começam os problemas.
Mais
dinheiro entrando economia via financiamentos para investimentos faz aumentar a
demanda por mão-de-obra na indústria e na construção civil, mas ao mesmo tempo
os setores de serviço e comércio continuam precisando de mão-de-obra e recursos,
pois não houve aumento na poupança (abstenção de consumo). Assim, começa a haver uma batalha por
mão-de-obra e por recursos. Houvesse
poupança genuína, a mão-de-obra de um setor seria liberada para outro setor, e
os recursos mais demandados por um setor seriam liberados para outros setores. Mas como não há poupança, esses fatores de
produção começam a ser disputados via aumentos salariais e aumentos de preços.
Assim,
ao mesmo tempo em que uma construtora passa a demandar mais engenheiros,
arquitetos, mestres-de-obras, corretores, vendedores, relações públicas etc., os
setores de serviço e comércio continuam demandando com a mesma intensidade
esses profissionais, pois as pessoas não estão poupando, o que significa que o
consumo segue aquecido em todos os setores — a redução dos juros, como dito,
não veio da poupança, mas sim da criação de dinheiro pelo Banco Central.
O
desemprego cai e os preços e os salários sobem, exatamente como está
acontecendo no Brasil.
Enquanto
estiver havendo essa expansão do dinheiro e do crédito, mas os preços
continuarem contidos — subindo a um ritmo moderado —, os números positivos da
economia irão durar. A demanda por bens
e serviços irá continuar em
alta. Os estoques das
empresas serão prontamente vendidos.
Apartamentos continuarão sendo vendidos na planta. Novos empreendimentos continuarão sendo
iniciados. Carros zero continuarão sendo
vendidos aceleradamente. Novos
restaurantes e novas lojas continuarão sendo abertos. Os preços e os lucros continuarão
subindo. Trabalhadores continuarão
encontrando empregos a salários nominais cada vez maiores.
No
entanto, tal expansão econômica não pode durar.
Em algum momento, essa expansão monetária começará a provocar um aumento
generalizado nos preços, como já vem acontecendo no Brasil.
O fim da ilusão
A
consequência é que esse aumento de custos vai ficando fora do controle das
empresas que estavam realizando investimentos.
Quando começaram a investir, elas não previam (e não tinham como prever)
que haveria esse rápido aumento em seus custos (tanto de mão-de-obra quanto de
matéria-prima).
O
aumento generalizado nos preços e nos custos força as empresas a obterem mais
empréstimos (ou a refinanciar seus empréstimos) para que possam finalizar seus
projetos já iniciados. Mais recursos
passam a ser demandados. Essa busca por
mais crédito provoca um aumento dos juros dos empréstimos. Entretanto, o Banco Central pode intervir aumentando
o ritmo das injeções de dinheiro no sistema, evitando temporariamente essa
subida nos juros. Porém, tais injeções
de dinheiro farão — como foi explicado no início — com que haja ainda mais
distorções nos preços relativos e na estrutura de produção da economia,
reiniciando o ciclo de mais procura por crédito. Isso vai se repetir até o momento em que o
Banco Central, assustado com a inflação de preços, resolver reduzir o ritmo das
injeções monetárias e deixar os juros subirem gradualmente.
Mesmo
que o Banco Central continuasse injetando dinheiro indefinidamente, uma hora os
bancos teriam de aumentar os juros dos seus empréstimos, pois a expansão
monetária estaria provocando um inevitável aumento de preços. Assim, se os bancos não aumentassem os juros
cobrados, eles simplesmente receberiam — no momento da quitação do empréstimo
— um dinheiro com um poder de compra menor do que o que esperavam receber
quando concederam o empréstimo.
Enquanto
isso, os preços dos fatores de produção (mão-de-obra e bens de capital) seguem
subindo, por causa da forte demanda. Quanto
mais os preços dos fatores de produção sobem, mais desesperadas por novos
empréstimos ficam aquelas empresas que deram início a projetos de longo prazo
levadas pela crença de que o crédito seria farto e barato durante muito tempo,
e que os lucros seriam fáceis. O aumento
dos preços — e, por conseguinte, dos juros — altera seus planos.
Esse
aumento dos juros inviabilizará a conclusão desses empreendimentos de longo
prazo — sejam eles a construção de shoppings, a construção de prédios, a
expansão de indústrias ou até mesmo a abertura de franquias de restaurantes. Descobre-se, finalmente, que não havia
poupança suficiente (poupança no sentido de recursos físicos disponíveis; a
escassez fez com que seus preços subissem) para sustentar a viabilidade de
longo prazo desses investimentos.
Quando
isso ocorre, há um processo de correção na economia, também conhecido como
recessão. A mão-de-obra que foi desviada
para setores que se expandiram apenas por causa dos juros artificialmente
baixos — indústrias e qualquer grande empreendimento de longo prazo —
descobrirá que suas habilidades não mais estão sob demanda. Elas perdem o emprego e passam a ter de se
reeducar para adquirir novas habilidades para outros empregos, os quais
provavelmente estarão agora no setor de serviços e comércio.
O
período da expansão econômica irá terminar e dar-se-á início à recessão. Quanto mais cedo esta vier, menor terá sido a
destruição de capital desse período da expansão.
A expansão monetária no Brasil
Cada
economista seguidor da Escola Austríaca tem seu método preferido para analisar
a expansão monetária da economia brasileira.
Alguns utilizam o M1. Outros, o M2.
Outros, as reservas bancárias. E
outros olham apenas a evolução dos depósitos em conta-corrente (este método é o
meu segundo preferido).
Particularmente,
acho que o método mais completo é analisar a evolução dos meios
fiduciários. Meios fiduciários são os
depósitos bancários que podem ser utilizados como meios de pagamento e que não
estão lastreados por absolutamente nada (no atual sistema monetário, isso
significa que não há nenhuma cédula de papel ou moeda metálica depositada no
banco para cobrir essa quantia).
Ou
seja, trata-se da moeda escritural que não tem nenhuma reserva lastreando-a,
pois foi criada do nada pelo sistema
bancário de reservas fracionárias. Falando
mais popularmente, é o dinheiro que você utiliza como pagamento via cheques ou
cartão de débito, mas que não possui um correspondente valor em dinheiro físico
dentro dos cofres dos bancos ou nos depósitos eletrônicos dos bancos junto ao
Banco Central.
Em
termos técnicos, para você saber o total de meios fiduciários, basta subtrair o
total da base monetária do total do M1[1]. (Aos mais interessados, realmente recomendo
clicar nessa nota de rodapé).
E
por que analisar os meios fiduciários?
Porque a quantidade de meios fiduciários em qualquer momento representa
o acumulado total de toda a expansão de crédito ocorrida na oferta monetária do
país até aquele momento. Ela representa a soma de todos os empréstimos
que o sistema bancário de reservas fracionárias fez baseando-se na criação de
dinheiro sem qualquer lastro.
E
o principal: a diferença entre a quantidade de meios fiduciários entre
dois períodos de tempo representa exatamente a expansão do crédito ocorrida
nesse intervalo.
Logo,
a evolução dos meios fiduciários representa um bom indicador da evolução do
crédito artificial no país, além de mostrar como esse crédito está sendo
afetado pela política de juros do Banco Central.
Nos
dois gráficos a seguir, foi mapeada a evolução dos meios fiduciários desde
janeiro de 2003. Dividi a evolução em
dois gráficos para fazer uma análise mais detalhada.
O
primeiro gráfico vai de 2003 até o final de 2006. (Ignore os solavancos dos meses de dezembro e
janeiro, pois são meses em que a oferta monetária aumenta temporariamente para
acomodar as demandas por moeda geradas pelas festas de fim de ano, 13º e afins.)

Em
primeiro lugar, é notável a queda ocorrida de janeiro a agosto de 2003. Quem se lembra dessa época vai se lembrar da
total estagnação do país, com desemprego chegando a 13% (hoje está em 6%). Tal queda se deveu tanto a um aumento do
compulsório quanto a um aumento dos juros, pois a inflação de preços em 2002
havia chegado a 12%. Para piorar o
cenário, no primeiro semestre de 2003 ocorreram vários reajustes de preços,
pois o câmbio havia disparado em 2002. A
combinação de redução dos meios fiduciários com aumento de preços reduziu
sobremaneira o volume de gastos na economia brasileira, o que levou ao aumento
do desemprego.
Porém,
a inflação de preços começou a cair já a partir de maio de 2003. Em maio, no acumulado de 12 meses, ela estava
em espantosos 17,24%. (A partir daí, por
causa dessa forte redução dos meios fiduciários, a inflação de preços caiu
continuamente até maio de 2004, quando atingiu o acumulado de 5,15%. Mas em maio de 2004, ela volta a subir
forte).
Em
agosto de 2003, já sentindo a queda da inflação de preços, o Banco Central
começa a afrouxar o compulsório, a reduzir os juros e a expandir o crédito,
medida essa que dura até o final de 2004.
Os meios fiduciários se expandem fortemente (mas não muito em relação a
onde estavam ainda no início do ano de 2003). A economia cresce e o desemprego cai, mas a
inflação de preços — que havia se reduzido rapidamente por causa do baque nos
meios fiduciários em 2003 — volta a subir forte no segundo semestre de 2004, fechando
o ano em 7,60%. Isso obriga o BC a iniciar
um novo ciclo de elevação dos juros a partir do último trimestre daquele
ano.
Como
consequência desse ciclo de elevação dos juros, os meios fiduciários ficam
bastante contidos em 2005. Veja no
gráfico que, em termos líquidos, a expansão foi praticamente zero. A economia cresce pouco (houve uma queda no
PIB no segundo trimestre de 2005), e a inflação de preços, que havia chegado a
8,07% em abril de 2005 (consequência da grande expansão dos meios fiduciários
havida em 2004), perde fôlego e termina o ano em 5,69%.
A
partir de 2006 começa a haver um maior afrouxamento dos juros, pois a inflação
de preços indicava tendência de queda já no final de 2005, em decorrência
justamente da quase zero expansão dos meios fiduciários ocorrida em 2005. Mas a expansão dos meios fiduciários só seria
intensificada no segundo semestre de 2006, e seus efeitos só seriam sentidos no
ano seguinte. Assim, o ano de 2006
terminaria apresentando uma inflação de preços de 3,14%, a segunda menor do
real (perdendo apenas para 1998, quando foi de 1,66%).
O
que nos leva ao segundo período da nossa análise: 2007 a julho de 2011. (Obs: desde a publicação original deste artigo, em setembro de 2011, o gráfico abaixo está sendo mensalmente atualizado).

Em
2007, principalmente a partir do segundo semestre, a expansão dos meios
fiduciários é substancial (ignore, como sempre, os solavancos de dezembro e
janeiro). O PIB cresce e o desemprego
cai. A inflação de preços, que vinha
baixa nos primeiros meses do ano, começa a subir continuamente, só que ainda em
decorrência da expansão dos meios fiduciários ocorrida no segundo semestre de
2006. A inflação de preços de 2007
totaliza 4,47%, valor ainda baixo para os nossos padrões.
Logo
no primeiro trimestre de 2008, o Banco Central inicia um novo ciclo de elevação
da SELIC. Toda a expansão dos meios
fiduciários ocorrida em 2007 começa a fazer efeito. A inflação acumulada em 12 meses bate em
6,37% já em junho.
Como
mostra o gráfico, como consequência desse novo ciclo de aumento de juros a
expansão dos meios fiduciários estanca em 2008.
E isso após a vigorosa expansão iniciada ainda em meados de 2006. Os meios fiduciários aumentaram 34% em apenas
um ano e meio. Essa parada súbita gerou
a recessão do último trimestre de 2008 e de todo o ano de 2009. O setor intensivo em capital, como as
indústrias, foi o mais atingido. Veja
todos os detalhes desse período aqui.
Ainda
em novembro de 2008, para combater a recessão que se avizinhava, o Banco
Central reduziu o compulsório. Em
janeiro de 2009, ele começou a reduzir a SELIC.
Essa combinação expandiu sobremaneira os meios fiduciários, como mostra
o gráfico. O crédito ficou farto. A partir daí intensificou-se a formação da
bolha imobiliária e deu-se início à farra do consumo.
Em
2010, o ritmo da expansão dos meios fiduciários ficou ainda maior. A economia apresentou números vigorosos, vários
setores se expandiram, o PIB foi o mais alto em décadas e o desemprego atingiu
o menor patamar da era Lula. Porém, nos
últimos meses do ano, a inflação de preços começou a sair do controle —
evidência daquela briga por recursos e mão-de-obra explicada na seção sobre os
ciclos econômicos.
De
agosto de 2008 a novembro de 2010, os meios fiduciários cresceram 38%. Toda essa vigorosa expansão creditícia vem se
refletindo na atual inflação de preços, que em agosto acumulou 7,23% em doze
meses.
No
entanto, o gráfico mostra uma situação interessante. A partir de fevereiro de 2011, a expansão dos
meios fiduciários começou a se retrair fortemente, de modo que ao final de
julho eles estavam no mesmo nível de setembro de 2010. Claramente, houve uma contração em relação ao
último trimestre de 2010. Fenômeno igual
a esse só ocorreu em 2003. É justamente
essa contração que vem desacelerando a economia, reduzindo o ritmo de
contratações e até mesmo reduzindo os preços dos imóveis em algumas regiões do
país.
Essa
forte desaceleração da expansão do crédito vem provocando um aumento dos juros
para os empréstimos tanto para pessoas físicas quanto para pessoas
jurídicas. Esse aumento dos juros, ao
que tudo indica, está arrefecendo o desejo de se iniciar novos empreendimentos,
algo que, por sua vez, está reduzindo a demanda por novos bens de capital — os
preços dos produtos industriais, por exemplo, os quais são utilizados em
investimentos intensivos em capital, fecharam 2010 com uma inflação de
10,13%. Com a redução do crédito e o
arrefecimento da demanda por novos investimentos a partir de 2011, a inflação
acumulada destes bens nos últimos 12 meses caiu para 4,97%.
O que vai acontecer?
A
resposta típica é: depende. Caso esta
tendência continue, isto é, caso o Banco Central continue deixando que os meios
fiduciários decresçam ou até mesmo que se mantenham no atual nível, é possível
que haja uma recessão durante algum trimestre vindouro, talvez no último
trimestre deste ano ou no primeiro trimestre de 2012.
Entretanto,
e isso deve ser muito enfatizado, caso
ele reverta a atual postura, nitidamente contracionista, e adote uma mais
expansionista, tanto a desaceleração econômica quanto a desinflação da bolha imobiliária
podem ser revertidas — porém, ao custo de uma inflação de preços acima do teto
da meta. A recente redução dos juros de
12,5% para 12%, a julgar pelos números divulgados provisoriamente, não alterou
o atual quadro contracionista.
Vale
sempre ressaltar que uma recessão nada mais é do que uma fase de correção dos
investimentos insustentáveis cometidos no período expansionista. Em vez de ser combatida, toda recessão deve
ser aceita e deixada livre para expurgar todos os desequilíbrios existentes na
economia. Para alguns é difícil aceitar
isso, mas recessões nada mais são do que correções necessárias para uma
economia artificialmente inflada. Recessões ocorrem porque parte do capital
da economia foi desperdiçada tanto em investimentos insustentáveis quanto na farra
consumista, ambos fenômenos provocados pela expansão do crédito.
A
importância da recessão está no fato de que ela libera recursos escassos (capital
e mão-de-obra) de um setor que os estava sobreutilizando, e faz com que eles
sejam alocados para setores que estavam subutilizados, e que agora estão
precisando desses fatores. Trata-se de
uma retirada de recursos de setores que não mais possuem a mesma demanda de
antes. E isso representa poupança de
recursos; isso evita o desperdício de recursos escassos, algo essencial para a
saúde de qualquer economia.
Não
adianta tentar utilizar de meios artificiais para se evitar uma recessão, pois
ela um dia virá inevitavelmente. E quanto mais ela for adiada, mais dolorosa
ela será quando vir.
Por que uma estabilização dos meios
fiduciários é desejável
A
economia brasileira está claramente em desequilíbrio. A elevação dos preços vem
causando vários desajustes setoriais e dificultando a situação fiscal de várias
empresas.
E
isso ocorre porque um dos principais efeitos da inflação (tanto a monetária
quanto a de preços) é solapar a formação de capital das empresas. A inflação faz com que a carga tributária efetiva de uma empresa seja muito maior.
Por
exemplo, imagine que uma empresa apresente uma taxa de lucro de 10%. Imagine também que os preços de todos os seus
ativos que ela precisa constantemente repor subam 8%. Nesse cenário, a empresa ainda conseguiria
pagar por todos os seus ativos de reposição e ficar com uma taxa de lucro de
2%. Entretanto, o imposto de renda de
pessoa jurídica incide justamente sobre o lucro, a uma taxa que pode chegar a 34%. Caso seja esta a alíquota, ao invés
de um lucro de 10%, a empresa ficará com um lucro líquido de apenas 6,6%, ao
passo que ela precisa de 8% para pagar seus ativos de reposição. Logo, a empresa não conseguirá nem manter seu
estoque de capital, muito menos acumular capital.
Daí
a importância suprema de se combater a inflação de preços (bem como de se abolir
o IRPJ). E a atual redução e/ou
estabilização dos meios fiduciários é algo que vai nesse caminho e, por isso,
deve ser comemorado. Entretanto, é
natural — diria até que é compreensível — que nos próximos meses ainda haja substanciais
aumentos de preços, pois os agentes econômicos estão aproveitando o momento
atual da economia, em que ela ainda aparenta estar bem, para recuperar todas as
"perdas inflacionárias" que ocorreram nos últimos anos.
Uma consequência bastante visível destas "perdas inflacionárias" é a insurreição de movimentos
grevistas que exigem reposições salariais.
Os funcionários dos Correios
ameaçam cruzar os braços em troca de aumentos.
Vários canteiros de obras pelo país afora estão enfrentando piquetes de
movimentos sindicais que exigem altos reajustes para operários. Funcionários públicos de todas as áreas querem
aumentos. No final, quem sai perdendo é
o trabalhador comum, pois é o dinheiro dele que cobrirá todas essas exigências.
E
há o protecionismo. Com a inflação em
alta e o dólar barato, as importações se tornam atraentes. Consequentemente, o governo sai criando
várias restrições para proteger a indústria nacional. A última foi um aumento de singelos 30
pontos percentuais no IPI sobre veículos importados, que agora terão taxas
de até 55%. Curiosamente, a legislação
não permite discriminar produto importado de nacional para a incidência de IPI. E depois reclamam dos altos preços dos carros
nacionais...
E
há também a bolha imobiliária. Sua
duração e os preços tanto dos imóveis quanto dos recursos empregados em sua
construção mostram que está havendo um consumo excessivo de bens escassos, bens
que poderiam e deveriam estar sendo utilizados mais proficuamente em outros
setores da economia, mas que não o estão justamente porque o dinheiro criado está
indo majoritariamente para o setor imobiliário, dando-lhe vantagens na
aquisição destes recursos.
Por
tudo isso, é realmente imperativo acabar com a inflação monetária.
Uma consideração sobre a bolha imobiliária
Imóveis
são bens. Como qualquer bem, seus preços
são determinados essencialmente da mesma forma que os preços de todos os outros
bens que existem em oferta limitada na economia, sejam eles carros clássicos,
mão-de-obra qualificada, livros raros, moedas antigas, discos de vinil
etc. Ou seja, os preços dos imóveis são
determinados pela combinação de oferta limitada e intensidade da demanda.
Logo,
pela lógica, o que fez aumentar os preços dos imóveis no Brasil foi um rápido e
contínuo aumento na demanda por eles.
Esse aumento na demanda, por sua vez, é consequência do aumento
contínuo, intenso e progressivo dos meios fiduciários, praticado pelo sistema bancário
e coordenado pelo Banco Central. Isso
significa que os preços dos imóveis aumentaram em decorrência do acentuado
aumento da quantidade de dinheiro na economia.
O único fator que explica esse boom
imobiliário que ocorreu nos últimos três anos é a criação de meios
fiduciários.
Esse
dinheiro criado do nada aportou primeiramente no setor imobiliário, financiando
a juros baixos novas construções e empreendimentos. À medida que os projetos iam sendo aprovados,
especuladores compravam apartamentos na planta apenas para revendê-los mais
tarde, a um preço mais alto. Isso era
possível justamente porque mais dinheiro ia sendo criado e jogado no mercado
imobiliário, o que dava sustentação a esse processo de contínua alta dos preços.
Essa
criação contínua de dinheiro não elevou apenas os preços dos novos imóveis
comprados. Elevou também os preços de
todos os outros imóveis já existentes no mercado. Isso porque as pessoas que compravam imóveis
na planta e os revendiam a preços mais altos utilizavam o lucro obtido nesse
processo para adquirir outros imóveis que estavam com preços menores. E os vendedores destes imóveis, por sua vez,
utilizavam esse dinheiro da venda para adquirir outros imóveis. Assim, o dinheiro criado do nada e jogado no
mercado para financiamentos imobiliários ia passando sucessivamente pelas mãos
de vários compradores e vendedores, elevando nesse processo os preços de todos
os imóveis.
No
entanto, é claro que essas injeções monetárias não elevam somente os preços dos
imóveis. Inevitavelmente, uma
parte desse dinheiro sempre acaba "vazando" para fora desse ciclo — seja por
meio de vendedores que agora resolveram gastar em outras coisas, seja por meio
de operários e corretores que, com seus inevitáveis aumentos salariais,
resolveram aumentar seu consumo de bens e serviços. Esse dinheiro irá parar em outros setores da
economia, elevando também os preços nesses outros setores (a inflação do setor
de serviços é especialmente notável).
É
desta forma que os meios fiduciários criados vão se espalhando pelo resto do
sistema econômico, elevando o nível de gastos e, consequentemente, os preços de
todos os setores por onde passa.
O
leitor mais atento já deve ter percebido que, caso houvesse apenas uma rodada
de injeção monetária, ou apenas algumas poucas rodadas, a elevação de preços
ocorreria até um certo ponto. Uma vez
findada as injeções monetárias, e todo esse dinheiro novo já tiver perpassado
toda a economia, os preços irão se estabilizar.
Não haveria como eles continuarem subindo indefinidamente.
Sendo
assim, para que haja uma contínua e sustentada elevação dos preços dos imóveis
e, por conseguinte, de todos os bens e serviços da economia, as injeções de
dinheiro criado do nada têm de ser constantes e cada vez maiores. Essas injeções não apenas irão mais do que
contrabalançar esse inevitável vazamento de dinheiro para fora do setor
imobiliário, como também, em decorrência de já terem estabelecido um padrão de
ganhos contínuos no setor imobiliário — desta forma criando e mantendo a
crença de que é impossível ter prejuízos nesse setor —, conseguirão atrair
para o mercado ainda mais financiamento.
E assim o ciclo de alta se perpetua.
Portanto,
todo o processo de formação de bolha se resume à inflação monetária, e eleva os
preços não só do setor imobiliário, como também de todos os outros setores da
economia.
Esse
processo de formação de bolha só será interrompido quando a criação de meios
fiduciários for interrompida. Geralmente
isso acontece quando o Banco Central fica preocupado com o nível da inflação de
preços e decide elevar os juros.
Consequentemente, o fluxo de dinheiro para esse setor que está em uma
bolha será interrompido. Os preços não
somente pararão de subir, como na realidade irão necessariamente cair.
Irão
cair por uma combinação de dois motivos: pelo fato de que sempre há aquela parte
do dinheiro que vaza e vai parar em outros setores da economia, pelos motivos
já explicados acima, e pelo fato de que boa parte da valorização dos imóveis se
dava justamente porque as pessoas estavam levadas pela crença de que os preços
subiriam continuamente. Tão logo fica
claro que o processo de aumento acabou, o mercado irá necessariamente entrar em declínio. E ele vai entrar em
declínio simplesmente porque não mais se espera que ele continue subindo.
Conclusão
Bolhas
e ciclos econômicos são iniciados por
reduções nos juros, mas são sustentados
por aumentos na oferta monetária, os quais são mais importantes do que o nível
nominal dos juros. Sendo assim, é
perfeitamente possível haver bolhas no Brasil, mesmo com sua taxa de juros
nominal sendo reconhecidamente alta.
Uma
observação à parte: os aficionados podem comparar a evolução dos meios
fiduciários com a evolução do Ibovespa.
O processo de alta das ações funciona semelhantemente ao processo
descrito de alta dos imóveis. De 2003 a
2011, o Ibovespa funcionou de acordo com a evolução dos meios fiduciários (e
não poderia ser diferente). O aumento
ocorrido a partir de meados de 2003, o soluço ocorrido no primeiro semestre de
2005, a recuperação do segundo semestre, o crescimento trôpego do primeiro
semestre de 2006, e finalmente a disparada até abril de 2008, quando chegou à
cotação máxima. A estagnação dos meios
fiduciários em 2008 derrubou acentuadamente o índice, o qual recuperou-se
fortemente em 2009, manteve-se alto em 2010, e caiu de novo em 2011.

A
atual evolução dos meios fiduciários indica que a economia está adentrando uma
fase contracionista. Caso o atual padrão
seja mantido, uma recessão tende a ocorrer já nos próximos trimestres. Caso o atual padrão seja revertido, a
recessão pode ser evitada, mas ao custo de uma inflação de preços perigosamente
acima do teto da meta.
O
fim do boom do setor imobiliário é
algo que deve ser fervorosamente desejado.
Não apenas porque sua eventual continuação gera um crescente estado de
mania e obsessão, no qual fortunas são criadas sem nenhuma causa racional,
meramente em virtude da pressão de um crescente fluxo de dinheiro que busca vazão
em canais que nada mais são do que sonhos e esperanças vazios, mas
principalmente porque tal atividade gera um grande desperdício de capital. Recursos que poderiam ser mais bem
aproveitados em outros setores da economia acabam sendo desviados para uma atividade
esbanjadora de recursos e destruidora de capital, escasseando e encarecendo toda
a oferta de bens de capital e de mão-de-obra para o restante da economia.
E
o mesmo deve ser dito para a desaceleração da economia brasileira e a
consequente correção de todos os seus atuais desequilíbrios. Que ela
venha rápido para que possa acabar rápido. Quem mais perde com os
atuais desarranjos são
justamente aqueles que possuem menos recursos e menos influência
política. Além disso, há o fato de que a economia como um todo fica mais
pobre durante essa expansão econômica artificial, pois recursos
escassos são desperdiçados em empreendimentos insustentáveis.
Uma recessão (ou "reajuste da estrutura de produção da economia") se faz necessária para o bem de nossas riquezas.
Notas
[1] Essa
operação é fácil de entender.
A base monetária é igual ao total de cédulas e moedas
metálicas criadas pela Casa da Moeda mais
o total de reservas bancárias eletrônicas que os bancos mantêm depositados
junto ao Banco Central.
O M1 é igual às cédulas e moedas metálicas
(papel-moeda) em poder do público mais
os depósitos em conta-corrente.
Ao fazermos a subtração M1 - BM, temos o seguinte
resultado:
Meios fiduciários = (a) papel-moeda em poder do público
+ (b) depósitos em conta-corrente - (c) papel-moeda total - (d) reservas
bancárias.
Essas variáveis podem ser rearranjadas da seguinte
forma:
Meios fiduciários = (b-d) + (a-c)
b - d = depósitos em conta-corrente que não possuem um
valor equivalente em reservas bancárias eletrônicas depositadas junto ao Banco
Central
a - c = — (papel-moeda em posse da rede bancária; isto
é, papel-moeda nos cofres dos bancos, nos caixas eletrônicos etc.); como a é
necessariamente menor que c, esse valor será negativo.
Consequentemente,
Meios fiduciários = (b-d) + (a-c) = dinheiro na
conta-corrente que não possui lastro nem em reservas bancárias eletrônicas
depositadas no Banco Central, nem em dinheiro vivo que os bancos mantêm em seus
cofres.
E por que não levar em conta as outras variáveis, como
M2, M3 e M4? Por que escolher apenas os
depósitos em conta-corrente? Porque é
sobre o volume das contas-correntes que se baseiam todas as formas de crédito
do sistema financeiro de uma economia.
Todas as outras aplicações financeiras (sejam elas depósitos a prazo,
renda fixa, curto prazo, multimercado, referenciado, ações etc.) são meros papeis
que, para serem convertidos em dinheiro, precisam antes ser vendidos para algum
agente obviamente disposto a comprá-los.
E este só irá fazê-lo se tiver dinheiro disponível em sua
conta-corrente. Portanto, os depósitos
em conta-corrente definem, em última instância, a oferta monetária da economia
brasileira.
Para mais
detalhes técnicos sobre meios fiduciários, veja este artigo.