Mencione
a expressão "economia de livre mercado" para uma pessoa relativamente informada
e as chances são de que, caso ela já tenha ouvido falar dessa expressão, ela
irá relacioná-la completamente ao nome de Milton Friedman. Por vários anos, o professor Friedman obteve
várias menções honrosas na imprensa e entre seus colegas de profissão, e toda
uma escola de pensamento friedmaniana — os "monetaristas" — surgiu para
desafiar a ortodoxia keynesiana.
Entretanto,
em vez da típica reação de reverência e estupefação pelo fato de que "um dos
nossos chegou lá", os libertários deveriam encarar toda essa situação com muita
desconfiança: "Se ele é um libertário tão devoto, como e por que ele se tornou
o economista favorito de boa parte do Establishment?" Tendo sido conselheiro de Richard Nixon e
amigo e colaborador da maioria dos economistas que trabalharam para o governo,
principalmente sob Ronald Reagan, Friedman conseguiu deixar sua marca nas
políticas governamentais, e de fato passou a encarnar um tipo de apologista
não-oficial de determinadas políticas dos governos Nixon e Reagan.
Sendo
assim, mostrar alguma desconfiança deveria ser exatamente a reação adequada de
um libertário, pois o tipo específico de "economia de livre mercado" defendido
pelo professor Friedman dificilmente foi concebido para irritar ou mesmo
perturbar o poder do regime. Milton
Friedman é e sempre foi o Libertário da Corte do regime, e está mais do que na
hora de os genuínos libertários acordarem para este fato.
A Escola de Chicago
O
friedmanismo só pode ser completamente entendido dentro do contexto de suas
raízes históricas, e essas raízes estão na chamada "Escola de Economia de
Chicago" das décadas de 1920 e 1930. Friedman,
um professor da Universidade de Chicago, tornou-se o incontestável líder da
moderna (segunda geração) Escola de Chicago, que possui partidários difundidos
por toda a profissão econômica e cujos principais centros são, historicamente,
Chicago, UCLA e a Universidade da Virgínia.
Os
membros da primeira geração da Escola de Chicago, a geração original, eram
considerados "esquerdistas" na época, como de fato o eram por qualquer critério
de livre mercado que se adotasse como mensuração. E embora Friedman tenha modificado algumas de
suas abordagens, ele continuou sendo um homem de Chicago da década de 30. O programa político dos chicaguistas
originais é revelado em assombrosos detalhes na abominável obra de um de seus
fundadores e principais mentores políticos: A
Positive Program for Laissez Faire[1],
de Henry C. Simons. O programa político
de Simons era laissez-faire apenas no
mais inconsciente e satírico sentido do tempo.
Ele
era formado por três ideias principais:
1. Uma drástica política de proibição de todos os tipos de
truste para todos os tipos de empresas e sindicatos, reduzindo-os todos ao
tamanho de lojas de ferreiro. Tudo isso
com o intuito de se chegar à concorrência "perfeita" e àquilo que Simons
imagina ser um "livre mercado".
2. Um vasto esquema de igualitarismo compulsório, igualando
as rendas por meio de uma estrutura específica para o imposto de renda; e
3. Uma política proto-keynesiana de estabilização do nível
de preços durante uma recessão por meio de programas de expansão das políticas
monetária e fiscal.
Leis
antitruste extremadas, igualitarismo e keynesianismo: a Escola de Chicago
continha em seu núcleo a essência do programa adotado pelo New Deal — daí seu
status de esquerdista dentro da profissão econômica no início da década de
1930. E embora Friedman tenha modificado
e suavizado a posição linha-dura de Simons, ele continuou sendo, em sua
essência, um Simons redivivo; ele só passou a se parecer com um livre-mercadista porque todo o restante da profissão
econômica deslocou-se radicalmente para a esquerda e para a defesa do estado
nesse meio tempo.
E,
em alguns aspectos, Friedman acrescentou ao programa chicaguista lastimáveis
elementos estatistas que sequer estavam presentes na velha Escola de Chicago.[2]
A Escola de Chicago e a teoria do Monopólio
e da Concorrência
Peguemos
os principais elementos do laissez-faire
coletivista de Simons, um de cada vez.
No que concerne a monopólio e concorrência, Friedman e seus colegas
felizmente se afastaram da extremada posição antitruste de Simons, tornando-se
mais racionais. Friedman reconhece que a
principal fonte geradora de
monopólios na economia é o governo e suas intervenções; por isso, passou a
combater várias medidas governamentais geradoras de monopólios, pedindo sua
completa abolição.
Os
chicaguistas foram se tornando progressivamente mais simpáticos à ideia de
grandes empresas operando no livre mercado, e alguns friedmanianos como Lester Telser
apresentaram excelentes argumentos a favor da publicidade, algo que antes era
anátema para todos os defensores da teoria da "concorrência perfeita". Porém, embora na prática Friedman tenha se
tornado mais libertário quanto à questão do monopólio,
ele ainda manteve a velha teoria chicaguista: que, de alguma forma, o absurdo,
irreal e deplorável mundo da "concorrência perfeita" (um mundo em que cada
empresa é tão minúscula, que nada que ela faça pode afetar a demanda e o preço
de seus produtos) é melhor e mais
desejável do que o mundo real da concorrência de mercado, a qual é rotulada
de "imperfeita".
Uma
visão infinitamente superior acerca da concorrência é fornecida pela Escola
Austríaca de economia, que faz escárnio do modelo de "concorrência
perfeita" e prefere o mundo real da concorrência de livre mercado.[3] Portanto, embora a noção prática de Friedman
sobre concorrência e monopólio não seja muito ruim, a debilidade da teoria na
qual ele se baseia pode permitir, a qualquer momento, um retorno ao desvario
das teorias antitruste dos chicaguistas da década de 1930. Por exemplo, há algum tempo, o mais eminente
colega de Friedman, o professor George J. Stigler,
defendeu perante o Congresso americano uma lei antitruste que fragmentasse a
siderúrgica U.S. Steel em
várias outras pequenas empresas.
O igualitarismo chicaguista de Friedman
Embora
Friedman tenha abandonado o apelo de Simons por um igualitarismo extremo, a ser
obtido por meio da estrutura do imposto de renda, as feições básicas de um
igualitarismo estatista permaneceram.
Permanece no âmbito do desejo chicaguista fazer com que a estrutura
tributária concentre toda a sua ênfase no imposto sobre a renda,
indubitavelmente o mais totalitário de todos os impostos. Os chicaguistas preferem mexer com o imposto
de renda porque, em sua teoria econômica, eles seguem a desastrosa tradição da
ortodoxia econômica anglo-americana, que defende uma separação profunda entre
as esferas "microeconômica" e "macroeconômica".
A
ideia é que existem dois mundos econômicos claramente separados e
independentes. De um lado, há uma esfera
"micro", um mundo no qual os preços individuais são determinados pelas forças
de oferta e demanda. Nesta esfera,
concedem os chicaguistas, a economia funciona melhor quando deixada a cargo das
forças livres e desimpedidas do mercado.
Entretanto, afirmam eles, existe também uma outra esfera, distinta e
totalmente separada da esfera micro: a economia "macro", formada pelos
agregados econômicos 'orçamento do governo' e 'política monetária', onde não há
nenhuma possibilidade de haver um livre mercado, o qual, aliás, não seria nem
mesmo desejável.
Em
comum com seus colegas keynesianos, os friedmanianos desejam dar ao governo
central o controle absoluto sobre essa área macro, para que ele manipule a
economia para fins sociais. Ao mesmo
tempo, afirmam que o mundo micro ainda assim irá, curiosamente, se manter livre
de intervenções governamentais. Em suma,
os friedmanianos, assim como os keynesianos, defendem que a vital esfera macro
fique sob o controle do estado, pois isso supostamente é necessário para que o
livre mercado haja com liberdade na esfera micro.
A
realidade, entretanto, como os economistas da Escola Austríaca mostraram, é que
as esferas macro e micro são integradas e entrelaçadas. É impossível fazer abordagens separadas para
cada uma. É impossível entregar a esfera
macro para o estado e, ao mesmo tempo, fazer com que haja liberdade em nível
micro. Qualquer tipo de imposto, e
principalmente o imposto sobre a renda, introduz esbulho e confiscos
sistemáticos na esfera micro formada pelo indivíduo, e gera efeitos distorcivos
e inauspiciosos sobre todo o sistema econômico.
É deplorável que os friedmanianos jamais tenham dado atenção à façanha
empreendida por Ludwig von Mises, o fundador da moderna Escola Austríaca, que,
ainda em 1912, em seu clássico The Theory of
Money and Credit, integrou as esferas micro e macro a toda uma
teoria econômica.
Milton
Friedman revelou de várias maneiras sua posição fundamentalmente igualitarista
e a favor do imposto sobre a renda. Como
em outras áreas, Friedman operou não
como um oponente do estatismo e um defensor do livre mercado, mas sim como um
tecnocrata que aconselha o estado a como ser mais eficiente na prática de suas
perversidades. (Do ponto de vista de um
genuíno libertário, quanto mais ineficiente o estado, melhor para a liberdade.[4])
Ele se opôs a isenções tributárias e denunciou todos os tipos de "brechas" nos
códigos tributários, além de ter batalhado para fazer com que o imposto de
renda fosse mais uniforme — logo, mais eficiente.
Uma
das façanhas mais desastrosas de Friedman ocorreu durante a Segunda Guerra
Mundial, quando ele trabalhou para o Tesouro dos EUA e impingiu sobre o sofrido
povo americano o sistema do imposto de renda retido na fonte, algo do qual ele sempre se orgulhou. Antes da Segunda Guerra, quando as alíquotas
do imposto de renda eram muito menores do que são hoje, não havia um sistema de
retenção na fonte; as pessoas pagavam suas contas anuais de uma só vez, no dia
15 de março. É óbvio que, sob esse
sistema, a Receita Federal jamais conseguiria extrair o montante que extrai
atualmente, a taxas confiscatórias, de toda a população trabalhadora. Todo esse sistema repugnante já teria
deliciosamente se desmoronado há muito tempo, por absoluta inépcia. Foi o friedmaniano sistema do imposto de
renda retido na fonte que possibilitou ao governo utilizar cada empregador do
país como um não remunerado coletor de impostos, que extrai o tributo serena e
silenciosamente de cada contracheque.
Sob vários aspectos, devemos agradecer a Milton Friedman pelo atual
leviatã que temos.
Além
do imposto de renda, o igualitarismo de Friedman foi revelado em um panfleto,
elaborado pela dupla Friedman-Stigler, atacando o controle dos preços dos
alugueis. "Para aqueles, como nós, que
gostariam de uma igualdade ainda maior do que a atual . . . é certamente melhor
atacar as existentes desigualdades de renda e de riqueza diretamente na origem"
do que restringir as compras de determinadas mercadorias, como imóveis.[5]
Já a influência mais desastrosa de Milton Friedman advém de um legado de seu velho
igualitarismo chicaguista: a proposta para uma renda mínimia anual garantida
para todos, por meio da criação de um imposto
de renda negativo — uma ideia aprovada e defendida intensamente por vários
esquerdistas mundo afora [no Brasil, seu
mais árduo defensor é Eduardo Suplicy].
Nesse
catastrófico esquema, Milton Friedman foi guiado novamente não pelo seu avassalador desejo de remover o estado de nossas vidas, mas sim por sua vontade de tornar
o estado mais eficiente. Ele olhou ao
seu redor, viu que os sistemas assistencialistas municipais e estaduais estavam
em penúria e concluiu que tudo seria mais eficiente se todo o esquema fosse
colocado sob o controle do governo federal — sob a rubrica do imposto de renda
—, dando a todas as pessoas a certeza de que receberiam um piso garantido de
renda.
De
fato, talvez seria mesmo mais eficiente, mas também muito mais desastroso, pois
a única coisa que faz com que o atual estado assistencialista seja tolerável é
exatamente sua ineficiência,
justamente porque, hoje, para conseguirem coletar suas benesses, as pessoas têm
de se enveredar pelo emaranhado caótico e aborrecido da burocracia
assistencialista, o que desanima a muitos.
O esquema de Friedman tornaria o recebimento das benesses totalmente automático, o que daria a qualquer
desocupado o direito de reivindicar automaticamente os frutos do trabalho de
gente produtiva.
O assistencialismo e sua "função de oferta"
O
que poucos entendem é que o assistencialismo não é, como muito creem, um simples e absoluto ato de Deus ou uma
rígida constante da natureza, como
uma erupção vulcânica. O
assistencialismo, como todos os outros atos econômicos humanos, possui uma
curva de oferta, ou uma "função de oferta": em outras palavras, se você fizer
com que um programa assistencialista pague benesses generosas, você poderá
produzir o tanto de clientes assistencialistas que você quiser. Por outro lado, pague pouco a eles e você
poderá reduzir o número de clientes ao seu sabor. Em suma, se o governo anunciar que qualquer
pessoa que se apresentar a um balcão "assistencialista" irá receber
automaticamente um cheque anual de, digamos, $60.000 pela duração de tempo que
ela quiser, rapidamente vamos descobrir que praticamente todo mundo irá se
tornar um beneficiário do assistencialismo.
E ainda pior: rapidamente irão criar uma organização em prol do "direito
dos assistidos" e fazer lobby para pressionar o governo a aumentar as benesses
para $90.000, como forma de compensar o aumento no custo de vida.
Mais
especificamente, a função de oferta dos usuários do assistencialismo é
inversamente proporcional à diferença entre o salário vigente em um determinado setor e o nível de pagamentos assistencialistas. Essa diferença é o "custo de oportunidade" de
se ir para o assistencialismo — o quanto uma pessoa perde ao vadiar ao invés
de trabalhar. Se, por exemplo, os
salários em um dado setor aumentam, mas os pagamentos assistencialistas
permanecem os mesmos, o "custo de oportunidade" de se ficar ocioso aumenta, e
as pessoas tenderão a sair do assistencialismo e ir trabalhar. Se ocorrer o oposto, mais pessoas irão para o
assistencialismo. Se estar no
assistencialismo fosse um fato absoluto da natureza, então não haveria relação
entre esse diferencial e o número de pessoas recebendo assistencialismo.
Em
segundo lugar, a oferta de usuários dos programas assistencialistas é
inversamente proporcional a um outro fator também de importância vital: o
desincentivo cultural de se entrar para o assistencialismo. Se esse desincentivo for forte; se, por
exemplo, um indivíduo ou um grupo acreditar piamente que há algo ruim ou maléfico em utilizar o assistencialismo,
então eles não o farão, ponto. Se, por
outro lado, eles não se importarem com o estigma do assistencialismo, ou, ainda
pior, considerarem o assistencialismo como um direito — um direito de exercer uma reivindicação compulsória e
espoliativa sobre a produção alheia —, então o número de pessoas recebendo
assistencialismo irá aumentar astronomicamente, como vem acontecendo nos
últimos anos.
Há
vários exemplos recentes sobre esse "efeito estigma". Já foi demonstrado que, dado o mesmo nível de
renda, mais pessoas tendem a ir para o assistencialismo nas áreas urbanas do
que nas áreas rurais, presumivelmente em função da maior visibilidade e, consequentemente, maior estigma sobre os assistidos
nas regiões mais esparsamente povoadas.
Ainda mais importante é o fulgurante fato de que determinados grupos étnicos
e religiosos, mesmo quando significativamente mais pobres do que o resto da
população, simplesmente não aceitam
ir para o assistencialismo por causa de suas crenças profundamente éticas. Assim, nos EUA, por exemplo, os
sino-americanos, embora predominantemente pobres, quase nunca são encontrados
recebendo assistencialismo. Uma recente
reportagem sobre pessoas descendentes de albaneses que moram em Nova York ilustra esse
mesmo fato.
Os
albaneses são invariavelmente pessoas pobres que moram em cortiços, e mesmo
assim não há albaneses americanos recebendo assistencialismo. Por quê?
Porque, disse um de seus líderes, "albaneses não mendigam nem
suplicam. E, para um albanês, receber
assistencialismo é o mesmo que mendigar na rua".[6]
Outro
exemplo é o dos membros da Igreja Mórmon.
Pouquíssimos recebem assistencialismo público. Pois os mórmons não apenas inculcam em seus
membros as virtudes da poupança, da frugalidade, da autoajuda e da
independência, como também cuidam de seus próprios membros necessitados por meio
dos programas de caridade privada da própria igreja, os quais se baseiam no
princípio de ajudar os pobres a se
ajudarem a si próprios, e, com isso, a saírem da caridade o mais
rapidamente possível.[7] Desta forma, a Igreja Mórmon afirma a seus
membros que "buscar e aceitar auxílio público direto é algo que frequentemente
traz a maldição da indolência e do ócio, além de estimular várias outras
perversidades trazidas pelo assistencialismo.
Tal atitude destrói a independência individual, a diligência, a
frugalidade e o respeito próprio".[8] Assim, o altamente exitoso programa
caritativo privado da Igreja Mórmon baseia-se nos princípios que a Igreja
estimulou seus membros a estabelecer e a manter: independência econômica,
poupança, e a criação de empreendimentos geradores de emprego. A igreja manteve-se pronta e preparada
durante todos os momentos para ajudar os membros fieis necessitados.
A
abordagem libertária para o problema do assistencialismo, portanto, é abolir
toda a assistência pública coerciva, substituindo-a pela caridade privada
baseada no princípio do estímulo à independência e à autoajuda, reforçando
também por toda a sociedade as virtudes da autossuficiência e da
autonomia. Nenhuma pessoa fisicamente
capaz deve voluntariamente jogar para outra pessoa o fardo do seu sustento
próprio.
Os incentivos sob o plano de Friedman
Porém,
o plano de Friedman, ao contrário, vai exatamente em direção oposta, pois estabelece o
assistencialismo como um direito
automático; uma reivindicação automática e coerciva sobre os frutos do labor
alheio. O plano, portanto, remove o
'efeito estigma' por completo, ao desastrosamente desencorajar o trabalho
produtivo por causa da tributação excessiva e ao estabelecer uma renda
garantida para quem não trabalha, estimulando o ócio. Ademais, ao estabelecer uma renda mínima como
um "direito" coercivo, os usuários do assistencialismo são estimulados a exigir
pisos cada vez mais altos, o que agrava continuamente todo o problema. Porém, Friedman, preso naquela separação
anglo-americana entre "micro" e "macro", dedica pouca ou quase nenhuma atenção
estes efeitos cataclísmicos sobre os incentivos.
Até
mesmo os deficientes são prejudicados pelo plano friedmaniano, pois a concessão
automática de assistencialismo remove o incentivo para que um trabalhador
fisicamente incapacitado invista em sua própria reabilitação vocacional, dado
que o retorno monetário líquido de tal investimento passaria agora a ser
extremamente reduzido. Assim, a renda
garantida tende a perpetuar a
situação desses deficientes. Por fim, o
assistencialismo friedmaniano também garantiria o pagamento de uma maior renda por pessoa para famílias em programas
assistenciais, desta forma subsidiando um contínuo aumento na população
infantil entre os pobres — justamente aqueles que menos podem bancar tal
crescimento populacional. Sem querer me
juntar à atual histeria sobre "explosão demográfica", é certamente um absurdo
subsidiar deliberadamente a procriação de mais crianças pobres, que é o que
plano de Friedman faria ao garantir seu direito
automático ao
assistencialismo.
A moeda e os
ciclos econômicos
A terceira principal característica do programa do New Deal
era proto-keynesiana: o planejamento da esfera "macro" pelo governo com o
intuito de acabar com os ciclos econômicos.
Nessa abordagem relativa a toda área da moeda e dos ciclos econômicos
— uma área em que, infelizmente, Friedman concentrou a maior parte de seus
esforços —, ele remete não somente aos chicaguistas antigos, mas, assim como
eles, ao economista da Universidade de Yale Irving Fisher, que era a
personificação absoluta do economista pró-establishment ao longo das décadas de
1900, 1910 e 1920. Friedman, com efeito,
saudou abertamente Fisher como o "maior economista do século XX". E quando se lê os escritos de Friedman,
tem-se a pura impressão de se estar lendo uma mera reciclagem de Fischer com
notas de rodapé, tudo camuflado, é claro, com volumosas tolices matemáticas e
estatísticas. Economistas e a imprensa,
por exemplo, aclamaram a "descoberta" de Friedman de que as taxas de juros nominais
tendem a subir à medida que os preços sobem.
Nesse caso, um prêmio inflacionário é acrescido à taxa de juros nominal
de modo a fazer com que a taxa de juros "real" permaneça a mesma. Aparentemente, ambos — economistas e
imprensa — ignoram o fato de que Fisher já havia apontado isso ainda no começo
do século XX.
Mas o principal problema com a abordagem fisheriana de
Friedman é que ele faz aquela mesma separação ortodoxa entre as esferas macro e
micro, que arruinou suas ideias sobre tributação. Pois, de novo, Fisher acreditava que, de um
lado, há um mundo em que os preços individuais são determinados pela oferta e
pela demanda, mas, de outro, há um mundo em que o agregado "nível de preços" é determinado
pela oferta de moeda e pela velocidade com que esse dinheiro troca de
mãos. E ambos os mundos, nessa teoria,
nunca entram em
conflito. A esfera
agregada, macro, deve estar sujeita à manipulação e ao planejamento
governamental, supostamente sem interferir ou afetar a esfera micro dos preços
individuais.
A teoria de
Fisher sobre a moeda
Mantendo seu enfoque, Irving Fisher escreveu um famoso
artigo em 1923, "The Business Cycle Largely a 'Dance of the Dollar'" — citado
favoravelmente por Friedman —, que estabeleceu o modelo para a "puramente
monetária" teoria chicaguista dos ciclos econômicos. Nessa visão simplista, os ciclos econômicos
são meramente uma "dança"; em outras palavras, uma essencialmente aleatória e
causalmente desconexa série de aumentos e diminuições no "nível de
preços". Os ciclos econômicos, em suma,
são variações aleatórias e supérfluas no nível agregado de preços. Portanto, dado que o livre mercado provoca
normalmente essa "dança" aleatória, a cura para um ciclo econômico é fazer com
que o governo implemente medidas para estabilizar
o nível de preços, para manter esse nível constante. Este se tornou o propósito da Escola de
Chicago da década de 1930, e permaneceu sendo também o objetivo de Milton
Friedman.
Por que um nível de preços estável seria uma ideia ética, a
ser alcançada até mesmo pelo uso da coerção governamental? Os friedmanianos simplesmente assumem esse
objetivo como autoevidente e sem a necessidade de apresentarem qualquer
argumentação racional. Porém, os
trabalhos originais de Fisher demonstram um total equívoco quanto à natureza do
dinheiro, e quanto aos nomes das várias unidades monetárias. Na realidade, como a maioria dos economistas
do século XIX sabia muito bem, estes nomes (dólar, libra, franco etc.) não eram
nomes que designavam realidades em si próprias, mas simplesmente nomes para unidades de peso de ouro ou prata. Foram essas duas commodities, ao serem
adotadas voluntariamente pelo livre mercado, que surgiram como sendo dinheiro
genuíno; os nomes e as cédulas eram simplesmente substitutos monetários, meros
recibos ou títulos que davam ao seu portador o direito de redimi-los em ouro ou
prata.
Mas Irving Fisher se recusava a reconhecer a verdadeira
natureza do dinheiro, a correta função do padrão-ouro, e o fato de que o nome
de uma moeda representava uma unidade de peso em ouro.
Em vez disso, ele partiu do princípio de que esses
nomes escritos nas cédulas de papel emitidas por vários governos eram
absolutos, eram dinheiro em si mesmo. E
que a função desse "dinheiro" era "mensurar" valores. Por conseguinte, Fisher julgava necessário manter
o poder de compra da moeda — ou o nível de preços — constante.
Esse objetivo quixotesco de manter um nível de preços
estável contrasta com a visão econômica do século XIX — e com a subsequente
Escola Austríaca. Eles aclamavam os
resultados gerados pelo mercado livre e desimpedido — pelo capitalismo laissez-faire —, os quais
invariavelmente produziam uma regular e contínua queda no nível de preços.
Pois sem a intervenção do governo, a produtividade e a oferta de bens
tende a aumentar constantemente, o que gera um declínio nos preços. Assim, na primeira metade do século XIX — a
"Revolução Industrial" —, os preços tendiam a cair constantemente, aumentando
desta forma os salários reais mesmo que não tivesse havido um aumento dos
salários nominais.
Atualmente, podemos ver, em exemplos como aparelhos de TV
cujos preços caem ao mesmo tempo em que versões mais modernas vão sendo
lançadas, como esse declínio constante nos preços gera os benefícios de um
maior padrão de vida para todos os consumidores. E isso em um período de inflação de preços
crescente.
Foi Irving Fisher, suas doutrinas e sua influência, quem em
grande parte foi o responsável pelas desastrosas políticas inflacionárias do
Banco Central americano (o Federal Reserve System) durante a década de 1920, e
portanto pelo subsequente holocausto de 1929.
Um dos principais objetivos de Benjamin Strong, o presidente do Fed
durante aquela década, era, sob a influência da doutrina de Fisher, manter o
nível de preços constante. E dado que,
durante aquela época, os preços do atacado ora se mantinham constantes, ora
chegavam a apresentar algum declínio, Fisher, Strong e todo o resto do
establishment econômico se recusaram a
reconhecer que um problema inflacionário sequer existisse. Portanto, como resultado, Strong, Fisher e o
Fed se recusaram a dar importância aos alertas de economistas 'heterodoxos',
como Ludwig von Mises e H. Parker Willis, que afirmavam que a expansão inflacionária do
crédito bancário orquestrada pelo Fed estava levando os EUA a um inevitável
colapso econômico.
Tão obstinados e cegados pela ideologia estavam essas
sumidades que, ainda em 1930, Fisher, em suas profecias econômicas, escreveu
que não havia nenhuma depressão, e que o colapso da bolsa de valores seria
apenas algo temporário.[9]
A teoria de
Friedman sobra a moeda
Por sua vez, Friedman, em sua demasiadamente elogiada obra Monetary
History of the United States, demonstrou
seu viés fisherista ao oferecer sua interpretação da história econômica
americana.[10] Benjamin Strong, indubitavelmente a mais
desastrosa influência sobre a economia americana durante a década de 1920, é
tratado como uma celebridade por Friedman precisamente por sua estabilização do
nível de preços durante aquela década.[11] Com efeito, Friedman atribui a depressão de
1929 não à anterior expansão
econômica estimulada pela inflação monetária, mas sim ao fato de o Fed, já sem
Strong na presidência, não ter inflacionado a oferta monetária de maneira suficientemente agressiva antes
e durante a depressão.
Em suma: embora Milton Friedman tenha efetuado um préstimo
ao trazer de volta ao debate no meio econômico acadêmico a predominante
influência da moeda e da oferta monetária sobre os ciclos econômicos, é preciso
reconhecer que essa abordagem "puramente monetarista" é praticamente o oposto da sólida — e genuinamente
livre-mercadista — teoria austríaca.
Enquanto os austríacos seguiam afirmando que a expansão monetária
orquestrada por Strong levaria inevitavelmente a um colapso, a dupla
Fisher-Friedman acreditava que tudo que o Fed deveria fazer era injetar mais dinheiro para contrabalançar
qualquer recessão. Ao acreditarem que
não há nenhuma influência causal que gera uma expansão econômica seguida de uma
recessão — porque acreditam na simplista teoria da "Dança da Moeda" —, os chicaguistas
querem simplesmente que o governo manipule essa dança; mais especificamente,
que ele aumente a quantidade de dinheiro na economia para neutralizar uma
recessão.
Durante a década de 1930, portanto, a posição
Fisher-Chicago era a de que, pra curar a depressão, o nível de preços tinha de
ser "reflacionado" de volta para os níveis vigentes na década de 1920. E tal reflação deveria ser efetuada ao:
1. fazer com que o Fed expandisse a oferta monetária, e
2. fazer com que o governo federal gastasse, incorresse em
déficits orçamentários e implantasse programas de obras públicas em larga
escala.
Ou seja, durante a década de 1930, Fisher e a Escola de
Chicago eram "keynesianos pré-Keynes"; e, por esse motivo, eram considerados
bastante radicais e socialistas — e por uma boa razão. Assim como os keynesianos que surgiriam mais
tarde, os chicaguistas defendiam políticas fiscais e monetárias
"compensatórias", embora sempre dando uma maior ênfase à questão monetária.
Pode-se
contra-argumentar dizendo que Milton Friedman deixou de acreditar em política
monetárias e fiscais manipulativas, passando a defender um aumento "automático"
da oferta monetária (sem jamais definir qual agregado monetário utilizar) a uma
taxa indefinida ente 3 e 5% ao ano. Mas
essa modificação de postura em relação aos velhos chicaguistas é puramente
técnica, advindo da constatação de Friedman de que os as manipulações diárias e
de curto prazo empreendidas pelo Banco Central demoram para surtir efeito, o
que significa que elas tendem a agravar, e não a melhorar, os ciclos.
Porém,
é preciso também compreender que essa política inflacionista automática de
Friedman é simplesmente mais uma variante de sua obsessiva busca pelo mesmo e
velho objetivo fisheriano-chicaguista: a estabilização do nível de preços —
nesse caso, uma estabilização de longo
prazo. Portanto, Milton Friedman é,
pura e simplesmente, um inflacionista estatista, embora um inflacionista mais
moderado do que a esmagadora maioria dos keynesianos. Mas este seria um consolo muito pequeno, e
dificilmente qualifica Friedman como um economista pró-livre mercado nesta área
de suprema importância.
Fisher, Friedman e o fim do padrão-ouro
Desde
seus primórdios, Irving Fisher era — muito corretamente — considerado um
radical monetarista e um estatista por causa do seu desejo de abolir o
padrão-ouro. Fisher percebeu que o
padrão-ouro — sob o qual a moeda básica é uma commodity que deve ser escavada
e trabalhada pelo livre mercado ao invés de criada pelo governo — era
incompatível com seu irresistível desejo de estabilizar o nível de preços. Consequentemente, Fisher foi um dos primeiros
economistas modernos a clamar pela abolição do padrão-ouro e sua substituição
pela moeda fiduciária de curso forçado.
Sob
esse sistema, o nome da moeda — dólar, franco, marco etc. — se torna o supremo padrão monetário, e o
controle absoluto da oferta e do uso dessas unidades é necessariamente
garantido ao governo central. Em suma, o
papel-moeda de curso forçado é inerentemente o dinheiro do estatismo absoluto. O dinheiro é a mercadoria central, o centro
neurálgico, por assim dizer, da moderna economia de mercado, e qualquer sistema
que entregue o controle absoluto dessa mercadoria ao estado está
irremediavelmente incompatível com uma economia de livre mercado — ou, em
última instância, com a própria liberdade individual.
Entretanto,
Milton Friedman sempre defendeu que se cortassem todos os laços, por mais
fracos que fossem, entre a moeda e o ouro, de modo que o mundo entrasse em um
total e absoluto padrão-dólar, com todo o controle entregue ao Federal Reserve
System. É claro que, uma vez atingido
esse novo estágio, Friedman recomenda
que o Fed utilize esse poder absoluto de maneira muito sagaz; porém, nenhum
libertário que se preze pode ter qualquer sentimento que não o de desdém pela
ideia de se conceder um poder coercitivo para um grupo qualquer e então ficar na esperança de que tal grupo não
irá utilizar seu poder ao máximo.
Os
motivos que levam Friedman a ser totalmente indiferente às tirânicas e despóticas
implicações de seu esquema de moeda fiduciária de curso forçado é, repetindo, a
arbitrária separação chicaguista entre o micro e o macro; a vã e quimérica
esperança de que é possível haver um controle totalitário da esfera macro ao
mesmo tempo em que o "livre mercado" é preservado na esfera micro. Já deveria estar claro por agora que esse
tipo truncado de micro "livre mercado" chicaguista é "livre" apenas no mais
irônico e zombeteiro sentido do termo.
Está muito mais para a "liberdade" orwelliana de "Liberdade é
Escravidão".
Um retorno ao padrão-ouro
Não
há dúvidas quanto ao fato de que o atual sistema monetário internacional é uma
monstruosidade irracional e abortiva, e necessita de drásticas reformas. Ao contrário da sugestão de Friedman, de que
todas as moedas de papel livremente impressas por bancos centrais devem ser
livres para "flutuar" umas contra as outras, temos de ir é exatamente na
direção oposta: um padrão-ouro internacional que restaure a utilização
onipresente da moeda-commodity e retire de todos os governos a capacidade de
manipular as moedas para benefício de uma pequena casta e em detrimento do
restante da população.
Ademais,
o ouro, ou qualquer outra commodity, é vital para o fornecimento de um dinheiro internacional — uma moeda
básica com a qual todas as nações podem comercializar e na qual basear suas
contas. A absurdidade filosófica do
plano friedmaniano, em que cada governo emite sua própria moeda de papel de
curso forçado, pode ser mais bem entendida se considerarmos o que aconteceria
se cada estado, cada cidade, cada vila, cada bairro, cada quadra, cada casa,
cada família ou cada indivíduo pudesse emitir sua própria moeda e, ato
contínuo, como gosta Friedman, houvesse uma livre flutuação da taxa de câmbio
entre todas essas milhões de moedas. O
caos que resultaria desse arranjo geraria a destruição do próprio conceito de moeda — a entidade que serve como meio
geral de troca para todas as transações que ocorrem no mercado. Filosoficamente, o friedmanismo inerentemente
leva à destruição da moeda, reduzindo-nos ao caos e ao primitivismo de um
sistema de escambo.
Um
dos erros cruciais de Friedman ao sugerir a entrega de todo o poder monetário
ao estado é que ele não compreendeu à época que tal esquema seria inerentemente
inflacionário. Pois o estado, ao ter sob
seu total poder o controle da emissão monetária, não teria incentivos para se
auto-restringir. O conselho de Friedman
para que o estado restringisse esse poder a uma expansão de 3—4% ao ano ignora
o crucial fato de que qualquer grupo
que se aposse do poder absoluto de "imprimir dinheiro" tenderá a . . . imprimir
dinheiro!
Suponha
que o governo conceda a João o poder absoluto e o monopólio compulsório da
impressora de dinheiro, e permita que ele imprima toda a quantidade de dinheiro
que julgue ser adequada aos seus propósitos e que utilize a impressora da
maneira que mais lhe aprouver. Não
seria, a priori, algo bastante lógico imaginar que João irá utilizar esse poder
de falsificação legalizada para ganhar
amigos e satisfazer suas próprias necessidades, fazendo com que sua gerência da
moeda tenda a ser inflacionária? Da
mesma maneira, o estado, ao se arrogar o monopólio compulsório da falsificação
legalizada, simplesmente passou a utilizá-la como bem quis. Daí o estado ser uma entidade inerentemente inflacionária, como seria
qualquer grupo com o poder exclusivo de criar dinheiro. O esquema de Friedman apenas intensifica esse
poder e essa inflação.
Externalidades
Portanto,
nos dois vitais campos macro da tributação e da moeda, a influência de Milton
Friedman foi enorme — muito maior do que em qualquer outra área — e quase
uniformemente desastrosa do ponto de vista de um mercado genuinamente
livre. Porém, mesmo no nível micro, onde
sua influência foi menor e muitas vezes bastante benéfica, Friedman forneceu
aos intervencionistas uma brecha teórica tão larga quanto uma porta de
celeiro. Friedman sempre defendeu ser
legítimo o governo interferir no livre mercado sempre que as ações de um
indivíduo gerarem efeitos benéficos sobre terceiros. Sendo assim, se A fizer algo que irá
involuntariamente beneficiar B, e se B não tiver como pagar por isso, os
chicaguistas consideram ser isso um "defeito" do livre mercado, passando ser
então a tarefa do governo "corrigir" esse defeito tributando B para pagar A por
esse "benefício".
É
por essa razão que Friedman defende que o governo destine fundos para a
educação, por exemplo; dado que a educação de crianças é supostamente um
benefício para outras pessoas, então o governo está supostamente correto ao
tributar essas pessoas para pagar por esses "benefícios". (Novamente, nesta área, a perniciosa
influência de Friedman foi a de tentar tornar uma ineficiente operação estatal
bem mais eficiente; aqui ele sugere substituir as impraticáveis escolas
públicas pelo sistema de vouchers, em que o estado concede vouchers para
famílias que, com isso, poderão escolher a escola particular em que
matricularão seus filhos — um arranjo que deixa intacto todo o conceito de
financiamento público para a educação.)
Além
da questão vitalmente importante da educação, Friedman iria, na prática,
limitar o argumento das externalidades positivas a medidas como parques
urbanos. Nesse quesito, Friedman se
preocupava com o fato de que, se os parques urbanos fossem privados, um
indivíduo poderia se beneficiar caso pudesse, de longe, usufruir a vista de um
deles sem ser obrigado a pagar por esse benefício psíquico. Consequentemente, ele defende que todos os
parques urbanos sejam estatais. Já os parques rurais, segundo Friedman, podem ser privados, pois eles podem ser
mantidos em lugares remotos o bastante para obrigar todos os usuários a pagar
pelos serviços prestados.
É
um pequeno conforto saber que Friedman limitaria seu argumento das
externalidades positivas a poucas áreas, como educação e parques urbanos. A realidade, entretanto, é que tal argumento
pode ser utilizado para justificar praticamente quaisquer intervenções,
subsídios e esquemas tributários. Eu,
por exemplo, li Ação Humana;
consequentemente, absorvi mais sabedoria e me tornei uma pessoa melhor; ao me
tornar uma pessoa melhor, estou beneficiando meus semelhantes; entretanto,
segurem-se, eles não estão me pagando por esse benefício! Não deveria o governo tributar essas pessoas
e me subsidiar por eu ter me tornado tão honrado e decente em decorrência de
minha leitura de Ação Humana?
Ou,
peguemos outro exemplo, para irritar as feministas: muitos homens obtêm um
grande nível de satisfação ao observarem garotas trajando minissaias;
entretanto, esses homens não estão pagando por este desfrute. Eis aí outra externalidade positiva não sendo
corrigida! Não deveriam todos os homens
do país serem tributados com o intuito de subsidiar garotas que utilizam minissaias?
Não
há por que multiplicar os exemplos; eles proliferam quase que infinitamente, e
expõem a total absurdidade e a amplitude das concessões chicaguistas ao
estatismo. A única resposta que os
chicaguistas conseguiram dar a esta reductio
ad absurdum é que eles não implementariam uma intervenção governamental a
este ponto, embora reconheçam a lógica do argumento. Mas por que não? Sob qual padrão, sob qual critério eles julgam ser adequando interromper o
raciocínio em parques e escolas? O ponto
é que não existe tal critério, e isso apenas demonstra a falência intelectual e
a falta de rigor lógico que estão no âmago da maioria das escolas de pensamento
econômico e de ciências sociais atuais — o friedmanismo incluído.
O impacto de Friedman
E
assim, ao examinarmos as credenciais de Friedman para ser o líder da ciência
econômica defensora do livre mercado, chegamos à assustadora conclusão de que é
difícil sequer considerá-lo um economista pró-livre mercado. Mesmo na esfera micro, as concessões teóricas
de Friedman ao egrégio ideal da "concorrência perfeita" podem servir como base
para a criação de várias leis antitruste, bem como de várias agências
reguladoras; e sua concessão à intervenção governamental sobre externalidades
positivas poderiam servir de argumento para a imposição de um estado
virtualmente totalitário, ainda que Friedman ilogicamente restrinja sua
aplicação a algumas poucas áreas. Porém,
mesmo nesse ponto, Friedman utiliza seu argumento para justificar o
fornecimento estatal de educação para todos.
Porém,
é na esfera macro — insensatamente isolada de maneira hermética da esfera
micro por economistas que permanecem ignorantes da façanha de Ludwig von Mises,
que demonstrou que ambas são integradas — que a influência de Friedman tem se
demonstrado a mais perversa. Encontramos
em Friedman uma pesada responsabilidade tanto pelo imposto de renda retido na
fonte quanto pela lamentável proposta da renda mínima anual garantida. Ao mesmo tempo, vemos em Friedman a resoluta
defesa para que o controle absoluto da oferta monetária seja dado ao estado — logo
a oferta monetária, uma área crucial da economia de mercado. E em
várias outras áreas, vemos Friedman propondo medidas não em prol da liberdade,
não em favor da redução gradual do leviatã, mas sim medidas concebidas para
fazer com que o poder do estado se torne mais eficiente, e, por conseguinte, mais
opressor.
[1] Henry C. Simons, A
Positive Program for Laissez Faire: Some Proposals for a Liberal
Economic Policy (Chicago: University of Chicago Press, 1934).
[2] Neste
artigo, estou restringindo a discussão ao âmbito político-econômico, e omitindo
os problemas técnicos da teoria e da metodologia econômica. É nesta última que Friedman surge em seu
pior, pois ele alterou a metodologia original chicaguista — aristotélica e
racionalista em sua essência — e transformou-a em uma egrégia e extremada
variante do positivismo.
[3] Para uma
excelente introdução à visão austríaca, veja F.A. Hayek, O
Significado da Competição.
[4] Há um
interessante relato de que, certa vez, o industrialista Charles F. Kettering
tentou animar um amigo no hospital, que estava reclamando sobre o crescimento
acelerado do governo, dizendo a seguinte frase: "Anime-se, Jim! Graças a
Deus ainda não temos um governo do tamanho equivalente ao que pagamos."
[5] Milton Friedman and George J.
Stigler, Roofs or Ceilings? (Irvington-on-Hudson, N.Y.:
Foundation for Economic Education, 1946), p. 10.
[6] New York Times (April 13, 1970).
[7] Esse foi
o mesmo princípio que guiou a Charity
Organization Society da Inglaterra do século XIX. Essa organização liberal clássica "acreditava
que o mais sério aspecto da pobreza era a degradação do caráter do homem ou da
mulher pobre. A caridade indiscriminada
apenas piorava as coisas; ela desmoralizava.
A verdadeira caridade demandava amizade e consideração, o tipo de ajuda
que restauraria no indivíduo o respeito próprio e sua capacidade de se
sustentar a si próprio e a sua família." Charles Loch Mowat, The Charity Organization Society (London:
Methuen, 1961), p. 2.
[8] Welfare Plan of the Church of Jesus
Christ of Latter-Day Saints (The General Church Welfare Committee, 1960), p. 48.
[9] Irving Fisher, The Stock
Market Crash — And After (New York: Macmillan, 1930).
[10] Milton Friedman and Anna
Schwartz, A Monetary History of the United States, 1867-1960 (Princeton,
N.J.: Princeton University Press, 1963).
[11] Ver
Murray N. Rothbard, America's
Great Depression (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1963), para
uma visão oposta sobre a década de 1920.