As
pessoas frequentemente me perguntam, "Qual a diferença entre os economistas
seguidores da Escola Austríaca e os seguidores da Escola de Chicago? Ambos não seriam defensores do livre mercado e
inimigos dos keynesianos que adoram um estado grande?"
No
presente artigo, irei delinear algumas das principais diferenças. Embora seja verdade que os austríacos
concordam com os chicaguistas em várias questões políticas, a abordagem que ambos fazem da ciência econômica pode ser bastante divergente. É sempre importante explicar essas
diferenças, nem que seja apenas para retrucar aquela reclamação rotineira que
afirma que a Escola Austríaca é simplesmente uma religião que serve para
justificar conclusões libertárias.
Antes
de começar, permitam-me algumas óbvias advertências: não estou aqui falando em
nome de todos os economistas seguidores da Escola Austríaca, e neste artigo
irei discutir a Escola Austríaca na moderna tradição de Ludwig von Mises e Murray
Rothbard. (Particularmente em questões
metodológicas, os austríacos da ala rothbardiana se diferem um tanto daqueles
que recorrem a Friedrich Hayek e a Israel Kirzner como fonte de inspiração). Também é importante observar que nem todos os
economistas da Escola de Chicago pensam da mesma maneira. Ainda assim, espero que as generalizações a
seguir sejam representativas.
Metodologia
Antes
de tudo, os austríacos são considerados excêntricos pelos economistas
convencionais por causa do seu enfoque em questões metodológicas. Com efeito, a obra-prima de Mises, Ação Humana, dedica todo o
segundo capítulo (41 páginas) a "Os problemas epistemológicos
da ciência da ação humana". Não
houve abordagem semelhante no último livro da série Freakonomics .
Embora
a maioria dos economistas do século XX e da atualidade discorde fortemente,
Mises insistia em afirmar que a teoria econômica era, em si, uma disciplina apriorística. O que ele queria dizer com isto é que os
economistas não deveriam macaquear os métodos das ciências físicas, imaginando
hipóteses e submetendo-as a testes empíricos.
Ao contrário, Mises acreditava que o núcleo da teoria econômica poderia
ser logicamente deduzido do axioma da "ação humana", isto é, a
constatação de que há outros seres conscientes que utilizam intencionalmente
sua razão para, através de determinados meios, alcançar suas metas subjetivas. (Para saber mais sobre as visões
metodológicas de Mises, leia aqui e aqui.)
Em
contraste, o artigo seminal da Escola Chicago sobre metodologia foi escrito por
Milton Friedman em 1953, "The
Methodology of Positive Economics".
Longe de derivar leis ou princípios econômicos que sejam necessariamente
verdadeiros (como faz Mises), Friedman na verdade defende o desenvolvimento de
modelos baseados em hipóteses que podem ser provadas falsas. Essas falsas premissas, entretanto, não
representam nenhum golpe contra uma boa teoria:
A pergunta relevante a ser feita sobre as "hipóteses" de
uma teoria não é se elas são descritivamente "realistas", pois elas nunca são,
mas sim se elas são aproximações suficientemente boas para o objetivo em questão. E essa pergunta pode ser
respondida somente observando se a teoria funciona, isto é, se ela permite
prognósticos suficientemente acurados.
Embora
a análise de Friedman soe perfeitamente sensata, podendo até ser considerada a
epítome do "científico", Mises considerava-a uma armadilha sedutora para os
economistas. Para uma rápida ilustração
dessa diferença de perspectivas, permitam-me um exemplo por mim vivenciado quando
professor.
Era
uma aula sobre princípios de microeconomia, e estávamos utilizando o
(excelente) livro-texto
de Gwartney, Stroup et al. No primeiro
capítulo, havia uma lista de vários marcos ou princípios sobre o modo econômico
de pensar. Lembro-me de itens como "As
pessoas reagem a incentivos" e "Sempre haverá conflitos de escolha". Eram coisas não controversas as quais todo
economista concordaria serem importantes para fazer com que os estudantes
começassem a "pensar como um economista".
Entretanto,
um princípio que me chamou bastante a atenção era aquele que dizia que "Para
ser científica, uma teoria econômica deve apresentar prognósticos
testáveis". Expliquei para a classe que,
mesmo sendo aquela uma noção popular entre os economistas profissionais, não
era uma visão da qual eu compartilhasse.
Expliquei que tudo o que iríamos aprender durante todo o semestre com
aquele livro-texto não geraria
prognósticos testáveis. Ao contrário, eu
iria simplesmente ensinar a eles um arcabouço
com o qual eles poderiam interpretar o
mundo. Os alunos teriam então de
decidir se tal arcabouço seria útil ou não; porém, em última instância, a
decisão final deles não iria se resumir a "Será que essas ferramentas de oferta
e demanda permitem bons prognósticos?"
Após
eu ter feito todo esse meu discurso, um dos alunos fez a excelente observação
de que absolutamente nenhum dos outros princípios era um prognóstico
testável. Ele estava certo! Por exemplo, como pode alguém testar a
afirmação de que "As pessoas reagem a incentivos"? Eu poderia dizer para um indivíduo, "Vou lhe
dar $20 se você decepar o seu dedão."
Independentemente do que venha a acontecer, a afirmação continua
correta. Se o indivíduo não decepar seu
dedão, isso significa apenas que eu não ofereci a ele um incentivo bom o
bastante.
Isso
não é uma mera parolice filosófica. Mises enfatizava que a importante herança de
uma sólida teoria econômica não é uma
coleção de afirmações empiricamente testáveis sobre o comportamento de
variáveis econômicas. Antes, a teoria
econômica é, acima de tudo, um arcabouço internamente coerente com o qual se
interpretar "os dados".
É
verdade que determinadas aplicações da economia envolvem evidências históricas
— como, por exemplo, investigar se o Banco Central americano
desempenhou um papel importante na bolha imobiliária do país —, porém há
uma diferença enorme entre isto e a típica justificação dos economistas
convencionais para se utilizar construções baseadas em modelos matemáticos.
Ciclos econômicos
Outra
grande divergência entre as escolas Austríaca e de Chicago está na explicação
de ambas para os períodos de crescimento econômico e em suas receitas para a
cura de recessões. Os leitores deste
artigo provavelmente já estão familiarizados com a visão austríaca,
portanto irei omitir uma outra discussão.
Os
economistas da Escola de Chicago obviamente possuem visões variadas, mas em
termos gerais eles aderem à "hipótese dos mercados eficientes". Em seu formato mais vigoroso, a HME nega até
mesmo que seria possível haver algo
como uma bolha imobiliária (ver aqui e aqui). Considerando-se suas hipóteses de que os
agentes são racionais e que os mercados se equilibram rapidamente, e
considerando-se principalmente o fato de que eles não possuem uma teoria para a estrutura do
capital, os economistas da Escola de Chicago são obrigados a explicar as
recessões como um "equilíbrio" advindo de "choques" repentinos.
Historicamente,
eles não levam em conta as distorções causadas por taxas de juros fixadas em
níveis abaixo dos de livre mercado (as quais, obviamente, são o ingrediente
principal da teoria austríaca dos ciclos econômicos). Entretanto, recentemente, um número cada vez
maior de críticos
chicaguistas do Fed vem apontando os perigos da política de taxa de juros
zero implantada por Ben Bernanke.
Ironicamente,
a área em que austríacos e chicaguistas mais divergem é a questão
monetária, assunto no qual Milton Friedman se especializou. Friedman (e sua co-autora Anna Schwartz)
famosamente culpou o Federal Reserve por não imprimir, no início da década de
1930, dinheiro o bastante para contrabalançar o declínio econômico
intensificado pelas corridas bancárias. Atualmente,
alguns economistas de
orientação chicaguista — que justificavelmente recorrem a Milton Friedman
como argumento — culpam a crise financeira americana de 2008 na política
monetária "restritiva" de Bernanke.
Naturalmente, essa visão é anátema para os modernos austríacos na
tradição de Murray Rothbard, que creem que o banco central deve ser abolido.
Análise econômica do direito
Finalmente,
a maioria dos atuais membros das escolas Austríaca e de Chicago possui ideias
vastamente diferentes no que concerne à área conhecida como "Análise econômica
do direito". Seja baseando-se nos
direitos naturais ou na herança tradicional do direito consuetudinário, os
austríacos tendem a crer que as pessoas objetivamente possuem direitos de
propriedade, ponto final; e que, só uma vez especificados esses direitos, a
análise econômica pode ser feita. Em
contraposição, algumas das mais extremas aplicações daquilo que pode ser chamado
de "a abordagem de Chicago" diriam que os direitos de propriedade deveriam ser
designados de acordo com a eficiência econômica. (Na reductio ad absurdum feita por
Walter Block, um juiz pode decidir se um homem roubou ou não a bolsa de uma
mulher perguntando quanto cada um dos envolvidos estaria disposto a pagar pela
bolsa.)
Trata-se
de uma área particularmente sutil, a qual eu não posso sintetizar adequadamente
neste artigo. É suficiente dizer que
austríacos e chicaguistas podem, similarmente, apreciar as surpreendentes
ideias — e desafios à crítica
pigoviana convencional ao mercado — contidas no famoso artigo de
Ronald Coase. No entanto, a Escola
de Chicago reconhecidamente utilizou a obra de Coase para chegar a conclusões
que os austríacos modernos consideram repelentes.
Conclusão
Em
questões típicas como salário mínimo, tarifas ou gastos governamentais,
economistas austríacos e chicaguistas podem seguramente ser agrupados conjuntamente
como "livre-mercadistas". Entretanto, em
várias outras áreas — particularmente em questões de pura teoria econômica —
as duas escolas são completamente diferentes.
Como um autointitulado economista austríaco, eu encorajaria os
livre-mercadistas que conhecem apenas Friedman a acrescentar Ludwig von Mises e
Murray Rothbard à sua lista de leitura.