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Inflação de preços nos EUA é a maior desde 1982. E os salários reais estão em queda

O que o Fed irá fazer?

13/01/2022

Inflação de preços nos EUA é a maior desde 1982. E os salários reais estão em queda

O que o Fed irá fazer?

A inflação de preços nos EUA atingiu o maior valor em quase quarenta anos.

Segundo dados publicados ontem (quarta-feira, 12 de janeiro de 2022) pelo Bureau of Labor Statistics, o índice de preços ao consumidor (CPI - Consumer Price Índex) acumulado em 2021 foi de 7,1%. [Atualização em fevereiro: está agora em 7,5%].

A última vez em que ele esteve tão alto assim foi foi em junho de 1982, quando a taxa foi de 7,2%.

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Gráfico 1: evolução da taxa de inflação de preços ao consumidor americano (acumulado em 12 meses)

Este acentuado aumento na inflação de preços provavelmente irá aumentar a pressão política para que o presidente do Federal Reserve (o Banco Central americano) Jerome Poweel "faça alguma coisa" sobre isso. 

Após meses insistindo que a inflação de preços seria "transitória" e que não havia motivos para preocupação, ficou claro, já em outubro de 2021, que a inflação de preços estava alcançando os piores níveis em décadas.

Desde então, o Fed fez uma alteração drástica no tom de seus pronunciamento, com Powell, nesta semana, dizendo que a inflação se tornou "uma ameaça severa", e ainda reiterando que o Fed planeja elevar a taxa básica de juros bem mais cedo do que se imaginava:

À medida que o ano [de 2022] vá avançando … se as coisas progredirem como o esperado, iremos normalizar a política monetária, o que significa que, em março, iremos abolir o programa de compra de ativos, o que também significa que iremos elevar os juros ao longo do ano.

Observem a condicional "se as coisas progredirem como o esperado". Naturalmente, o planejado aperto monetário irá depender fortemente dos indicadores econômicos do próprio Fed. Mais especificamente, irá depender de se a economia está crescendo e se a bolsa de valores está subindo. 

Queda da renda real

Para muitos americanos, porém, as notícias já são ruins, e a carestia está subtraindo o poder de compra dos trabalhadores. Os números de dezembro mostram que a inflação de preços já superou os ganhos salariais. Em 2021, o salário médio aumentou 4,7% em termos nominais. Mas com a inflação de preços subindo 7,1%, os salários reais caíram.

O gráfico abaixo mostra esta evolução. A linha azul representa a evolução da taxa de inflação de preços. A linha cinza mostra a evolução dos ganhos salariais nominais. A partir de 2021, a inflação passa a subir mais que os salários.

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Gráfico 2: evolução da taxa de inflação de preços (linha azul) versus evolução dos ganhos salariais nominais (linha cinza). Fonte: BLS, tabela B-3. Ganhos por hora e semanais de todos os empregados do setor privado não-agrícola; Consumer Price Index 

Analisando esta diferença, pode-se constatar que os salários reais estão caindo há pelo menos oito meses, com a queda chegando a 2,3% em dezembro de 2021 em relação a dezembro de 2020.

Além da inflação de preços, a inflação de ativos também continua sendo um problema para os consumidores. Por exemplo, de acordo com a Federal Housing and Finance Agency, os preços dos imóveis estão em forte ascensão, tendo encarecido 16,4% em 2021. Trata-se do maior aumento da série histórica (iniciada em 1975), e muito maior do que os aumentos registrados no período 2004 a 2007, ápice da bolha imobiliária.

Empregos e estímulos

A taxa de desemprego em 3,9% parece positiva, mas a criação de empregos foi significativamente abaixo do consenso: foi de 199 mil em dezembro versus um consenso de 450 mil.

Este número fraco tem de ser visto dentro de seu real contexto: o maior plano de estímulo fiscal e monetário da história recente. Com a oferta monetária tendo aumentado 40% desde janeiro de 2020, e com o governo tendo um déficit de US$ 2,77 trilhões (espantosos 15% do PIB, o maior da história), a criação de empregos ficou muito aquém da ocorrida em outros episódios de recuperações, e a situação do emprego está significativamente pior do que estava em 2019.

O número de pessoas que não estão na força de trabalho, mas que querem um emprego, não mudou em dezembro. Foi de 5,7 milhões. Isso representa 717 mil pessoas a mais do que em fevereiro de 2020.

O total dos que estão desempregados há muito tempo (aqueles que estão sem emprego há 27 semanas ou mais) permaneceu em 2 milhões em dezembro de 2021. Isso são 887 mil pessoas a mais que em fevereiro de 2020. Estes desempregados representam 31,7% do total de desempregados, de acordo com o BLS (Bureau of Labor Statistics).

A taxa de participação da força de trabalho — que é a razão entre o número total de pessoas economicamente ativas (empregadas e desempregadas) e o número total de pessoas aptas a trabalhar — ficou em 61,9% em dezembro, estagnada há quase doze meses. E 1,5 ponto percentual menor que em fevereiro de 2020.

Finalmente, a razão entre entre empregados e população total ficou em 59,5%, o que dá 1,7 ponto percentual abaixo do nível de fevereiro de 2020. 

Se colocarmos todos estes números dentro do contexto de um maciço estímulo de US$ 3 trilhões, a evidência é cristalina. A gastança e a impressão monetária desenfreadas não trouxeram melhorias. Todos os empregos recuperados vieram simplesmente da reabertura da economia. Eles viriam de qualquer jeito. O plano de estímulos não apenas não acelerou a criação de emprego, como, ao contrário, reduziu.

Com as pessoas desempregadas recebendo 300 dólares por semana para ficar em casa, as empresas passaram a ter dificuldades para contratar pessoas. A situação se tornou tão bizarra que o McDonald's passou a pagar 50 dólares apenas para a pessoa comparecer para uma entrevista de emprego.

Como bem apontou o The Wall Street Journal, ainda antes da pandemia, empresas americanas já estavam reclamando de uma escassez de mão-de-obra qualificada para a indústria e para os setores mais tecnológicos, o que estava afetando a competitividade americana. Na atual situação, ficou ainda mais difícil para essas empresas encontrarem pessoas para operar fábricas de semi-condutores e desenvolver tecnologias de ponta.

Ou seja: a recuperação teria sido mais robusta sem estes estímulos.

Pior: os estímulos serviram apenas para gerar carestia e reduzir os salários reais. 

Se a força de trabalho está estagnada e os salários reais estão caindo em meio à maior expansão monetária, ao maior pacote fiscal e ao maior déficit da história do governo americano, a conclusão inevitável é de que estes estímulos não foram particularmente exitosos.

Em específico, o número inédito de pessoas abandonando o emprego é evidência de um mercado de trabalho disfuncional, no qual centenas de milhares de americanos não querem trabalhar porque os custos superam os salários. Isto não é um sintoma de economia robusta; é um sintoma de um efeito realmente preocupante e deletério da inflação.

Por tudo isso, apesar da taxa de desemprego estar em 3,9%, o fato é que os EUA não estão nem próximos de um pleno emprego. A taxa está baixa porque, como demonstrado, a quantidade de pessoas que se retiraram da força trabalho (e que, portanto, não entram nas estatísticas) é alta. Apagar pessoas da lista de desemprego não representa pleno emprego.

Uma inflação persistentemente alta em conjunto com impostos mais altos (que serão necessários para financiar ao menos uma parte do déficit trilionário) significam menos oportunidades de emprego, pois as pequenas e médias empresas — que são as maiores empregadoras do país — têm de lidar com custos de produção maiores e margens de lucro menores.

A sinuca de bico do Fed

Nos últimos 40 anos, a cada queda relevante da Bolsa e a cada recessão, o Fed sempre recorria à mesma receita: socorrer o mercado e a economia, injetando dinheiro nos bancos.

A ideia é que esta impressão monetária fosse despejada na economia — via empréstimos concedidos pelos bancos — e causasse uma injeção de ânimo e de gastos, sustentando a Bolsa e interrompendo a recessão. Com efeito, por reiteradas vezes, o dinheiro novo animou a Bolsa e provocou gastos a curto prazo, mas não aboliu o ciclo econômico nem inibiu crises financeiras. 

Só que este longo histórico de socorro condicionou os investidores e bancos a presumir que, na próxima crise, o Fed novamente socorrerá a Bolsa e a economia. Mas a novidade é que, ao contrário das outras ocasiões, agora realmente está havendo inflação de verdade (mesmo porque os estímulos de agora foram sem precedentes). 

Logo, o que fará o Fed no atual e inédito cenário?

Se ele optar pelo combate à inflação e eventualmente indicar que haverá uma normalização dos juros — para níveis acima da inflação —, a Bolsa poderá despencar, junto com o PIB. Nem investidores, nem bancos, nem gestores, nem os demais países anseiam por essa alternativa. Também não aplaudiram inicialmente quando Paul Volcker acertadamente aumentou os juros em 1981, o que aniquilou a estagflação da década de 1970 e propiciou a volta da estabilidade e décadas de lucros nos mercados, mas ao alto custo de uma profunda recessão no curto prazo.

Se ele se mantiver no curso atual, tolerando uma inflação de preços mais altas para não apertar a bolsa, os desarranjos econômicos supracitados irão se intensificar, com consequências nada alvissareiras.

O grau de liberdade do Fed desapareceu. A até então "alternativa gratuita" dos estímulos fiscais e monetários não inflacionários expirou. A regra do jogo mudou. Para o mundo todo.

Sobre o autor

Daniel Lacalle e Ryan McMaken

Daniel Lacalle é Ph.D. em economia, gestor de fundos de investimentos, e autor dos livros

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