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Quando a medicina é estatal, o governo decreta que você deve morrer

Na Grã-Bretanha, o governo estipulou que um bebê deveria morrer em vez de receber tratamento privado

03/07/2017

Quando a medicina é estatal, o governo decreta que você deve morrer

Na Grã-Bretanha, o governo estipulou que um bebê deveria morrer em vez de receber tratamento privado

Em um sistema de saúde controlado pelo governo, é o estado quem determina quem pode receber tratamento, como e quando. Isso sempre foi admitido. No entanto, o que é bem menos discutido é o fato de que, quando um paciente se encontra dentro de um hospital gerido pelo governo, o estado pode negar-lhe tratamento -- mesmo que este tratamento venha a ser financiado privadamente.

O sistema judicial do Reino Unido, a pedido dos burocratas do National Health Service (o sistema estatal de saúde do país), sequestrou e assassinou um bebê de 8 meses. Este odioso ato ocorreu em plena luz do dia, com plena cobertura da mídia. Pior: o governo britânico e os tribunais do país disseram que tal ato não apenas era humano, como também representava a coisa certa a ser feita.

Embora tal narrativa possa parecer uma exagerada hipérbole (pleonasmo intencional), isso foi exatamente o que aconteceu. No dia 11 de abril de 2017, os tribunais do Reino Unido determinaram que Charlie Gard, um bebê sofrendo da síndrome de depleção do DNA mitocondrial -- uma doença extremamente rara, que reduz a expectativa de vida para algo entre 3 meses e 12 anos -- deveria ter seus aparelhos imediatamente desligados e deixado para morrer. Contra o desejo de seus pais.

O National Health Service (NHS), previsivelmente, negou o tratamento ao bebê, dizendo que era arriscado demais. O custo do tratamento, de 1,2 milhão de libras esterlinas (5,2 milhões de reais), certamente foi um fator decisivo, indicando que a experiência técnica, o conhecimento e os remédios necessários não estavam disponíveis.

Na maioria dos casos envolvendo serviços médicos estatais, quando os custos são vultosos, a decisão judicial é final. O tratamento médico é negado e o paciente é rejeitado, sendo deixado à morte. Quando isso ocorre com indivíduos ricos, sempre há a opção dos tratamentos estrangeiros. Todos os anos, aproximadamente 800 mil pessoas voam para os EUA, e outras 600 mil, para Cingapura, à procura de tratamento médico de ponta e de alta qualidade, o qual não está disponível em nenhum outro lugar. Porém, no caso do bebê Charlie, o preço de 1,2 milhão de libras estava completamente fora do alcance de sua família.

Mas foi aí que uma grande característica do livre mercado -- a caridade privada -- se manifestou. E de maneira maravilhosa. Após um mês da negativa do tratamento médico estatal, os pais de Charlie conseguiram, por meio de uma campanha na internet, arrecadar via doações voluntárias toda a quantia necessária para o tratamento nos EUA (inclusive a viagem). Em um mundo normal, este teria sido o final da história. Charlie teria sido levado aos EUA, recebido seu tratamento médico, e hoje já estaríamos sabendo se sua terrível situação foi mitigada ou se o tratamento fracassou.

Mas não. O NHS decidiu, por algum motivo obscuro, interferir no processo. Quando os pais de Charlie tentaram retirá-lo do tratamento, o hospital Great Ormond Street, um hospital infantil gerenciado pelo NHS e localizado na grande Londres, prontamente recorreu à Suprema Corte para impedir os pais de fazerem isso. Previsivelmente, como costumam fazer os tribunais estatais, a Suprema Corte se aliou aos burocratas do NHS e negou aos pais o direito de buscarem por conta própria um tratamento médico privado.

Pior: a Suprema Corte decretou que Charlie deveria ter seus aparelhos desligados e ser deixado para morrer.

Apenas para ressaltar, se a família de Charlie fosse autorizada a buscar um tratamento privado -- para o qual ela já havia conseguido o dinheiro --, não haveria lado ruim. Se o tratamento fracassasse, o resultado final seria o mesmo, mas os pais ao menos teriam a certeza e o descanso de saber que fizeram todo o possível. Já se o tratamento fosse bem-sucedido, ele viveria tempo o bastante para conhecer os pais, interagir com eles, e ao menos vivenciar algumas alegrias na vida.

É de se imaginar, com algum cinismo, se a Suprema Corte não teria ordenado a morte de Charlie apenas para evitar o risco de um constrangimento para o NHS caso o tratamento nos EUA realmente funcionasse.

O que torna este caso tão pavoroso é o fato de que nenhum membro da família teve qualquer poder na decisão de desligar os aparelhos. O governo simplesmente sobrepujou a autoridade dos pais e roubou deles o seu filho. Tendo apenas 8 meses de idade, Charlie não estava em posição de formular algum desejo ou mesmo de discutir com seus familiares como ele gostaria de ser tratado.

Eis uma notícia da BBC, de 27 de junho:

Chris Gard e Connie Yates [os pais] perderam sua última apelação judicial para poder levar seu filho para um tratamento nos EUA.

Especialistas do Hospital Great Ormond Street acreditam que Charlie não tem nenhuma chance de sobreviver...

Juízes da Corte Europeia concluíram que Charlie estava "sendo exposto a dores e sofrimentos contínuos" e que ser submetido a um tratamento experimental "sem grandes chances de sucesso ... não lhe traria benefício nenhum".

Os juízes afirmaram que o apelo apresentado pelos pais era "inadmissível" e que a decisão da corte era "definitiva".

A corte "também considerou apropriado abolir a medida interina", a qual determinava que Charlie fosse mantido vivo por meio de aparelhos.

O correspondente da BBC Fergus Walsh disse que os aparelhos de Charlie provavelmente serão desligados assim que as discussões entre o hospital e sua família forem encerradas.

Colocando abertamente: em vez de simplesmente autorizarem seus pais a buscar tratamento médico privado nos EUA -- para o qual já haviam conseguido dinheiro --, os juízes declararam que a criança deveria morrer.

O estado está exigindo que a criança seja abandonada à morte porque alguns médicos estatais -- nenhum dos quais tem qualquer parentesco com a criança -- querem que assim o seja.

Vale ressaltar que os pais de Charlie não querem utilizar nenhum recurso -- financiado por impostos -- do hospital estatal britânico. Eles simplesmente querem buscar tratamento em outro país.

Mas o estado diz que isso não pode.

Conclusão

Estatistas e intervencionistas alegam que, em um livre mercado, tratamentos médicos seriam desumanos, pois seriam negados aos mais pobres. O caso de Charlie destrói toda esta falsa imagem. Os elementos do livre mercado funcionaram exatamente como o esperado, fornecendo a Cherlie todos os recursos existentes para o seu tratamento, mas o governo fez de tudo -- aberta e ativamente -- para interferir no processo e garantir a morte do paciente.

Aqueles que defendem que toda a saúde seja estatizada -- fazendo com que, na melhor das hipóteses, os hospitais operem com a eficiência de uma repartição pública, sendo igual aos Correios ou ao Detran -- insistem que a medicina estatal seria mais humana. O que estamos vendo, no entanto, é exatamente o oposto: a medicina estatal não apenas decreta quem vive e quem morre, como ainda faz um espetáculo público com tudo isso. E com um agravo: a medicina estatal ainda leva à prática do sequestro infantil e da eutanásia compulsória, ambas as quais são praticadas para impingir os decretos estatais.

Imagine se um hospital particular fizesse o mesmo que o hospital estatal e a Suprema Corte do Reino Unido fizeram?

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Sobre o autor

Justin Murray

possui MBA da Universidade de St. Gallen, da Suíça

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