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A “Carne Fraca” pergunta: quem regula os reguladores?

Mais um exemplo prático de como as regulamentações garantem a prosperidade dos vigaristas

18/03/2017

A “Carne Fraca” pergunta: quem regula os reguladores?

Mais um exemplo prático de como as regulamentações garantem a prosperidade dos vigaristas

A notícia está em todos os portais. Vale a pena lê-la na íntegra porque ela desnuda por completo, ainda que involuntariamente, todo o mito do "estado regulador e protetor dos consumidores".

PF deflagra 'Carne Fraca' contra corrupção na Agricultura

A Polícia Federal deflagrou nesta sexta-feira, 17, a Operação Carne Fraca para combater corrupção de agentes públicos federais e crimes contra Saúde Pública. Executivos do frigorífico JBS e da empresa BRF Brasil foram presos.

O esquema seria liderado por fiscais agropecuários federais e empresários do agronegócio. Segundo a PF, a operação detectou em quase dois anos de investigação que as Superintendências Regionais do Ministério da Pesca e Agricultura do Estado do Paraná, Minas Gerais e Goiás 'atuavam diretamente para proteger grupos empresariais em detrimento do interesse público'.[...]

"Os agentes públicos, utilizando-se do poder fiscalizatório do cargo, mediante pagamento de propina, atuavam para facilitar a produção de alimentos adulterados, emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização efetiva."

Segundo os investigadores, as irregularidades noticiadas e relacionadas à empresa Peccin Industrial Ltda. foram confirmadas por Daiane Marcela Maciel, auxiliar de inspeção da empresa entre agosto/2013 e setembro/2014.

A Carne Fraca aponta que a auxiliar 'atestou a existência de diversas irregularidades na empresa, como a utilização de quantidades de carne muito menor do que a necessária na produção de seus produtos, complementados com outras substâncias, a utilização de carnes estragadas na composição de salsichas e linguiças, a 'maquiagem' de carnes estragadas com a substância cancerígena ácido ascórbico, carnes sem rotulagem e sem refrigeração, além da falsificação de notas de compra de carne".

"Dentre as ilegalidades praticadas no âmbito do setor público, denota-se a remoção de agentes públicos com desvio de finalidade para atender interesses dos grupos empresariais. Tal conduta permitia a continuidade delitiva de frigoríficos e empresas do ramo alimentício que operavam em total desrespeito à legislação vigente", diz a nota da PF.

O nome da operação faz alusão à conhecida expressão popular em sintonia com a própria qualidade dos alimentos fornecidos ao consumidor por grandes grupos corporativos do ramo alimentício. A expressão popular demonstra uma fragilidade moral de agentes públicos federais que deveriam zelar e fiscalizar a qualidade dos alimentos fornecidos a sociedade.

Esta notícia resume com perfeição aquilo que os teóricos libertários levaram vários livros e artigos acadêmicos para explicar: os estragos gerados por um estado regulador vão muito além da corrupção que tal arranjo é propício a gerar (como perfeitamente ilustra a notícia). Ainda pior que a corrupção é o fato de que o próprio mercado é completamente distorcido em prol dos grandes e contra os pequenos. E, como consequência, tudo se torna muito mais inconfiável e desonesto.

Comecemos pelo básico.

Consequências nefastas da regulação estatal

Quando o estado adquire poderes regulatórios para determinar "quem é bom e quem é ruim", os adjetivos "bom" e "ruim" perdem qualquer relação com a qualidade do produto e se tornam totalmente relacionados ao poder financeiro do fiscalizado.

Como disse o jornalista libertário P.J. O'Rourke, "quando comprar ou vender se torna objeto de regulação, os primeiros a serem comprados são os reguladores".

No exemplo ocorrido, os reguladores estatais entraram em conluio com grandes empresários (todos eles ligados ao BNDES, vale ressaltar) e, em troca de propina, emitiram o selo de aprovação do Ministério da Pesca e Agricultura atestando que carnes podres eram, na realidade, carnes boas e próprias para consumo.

Como este selo de aprovação estatal é inquestionavelmente aceito por todos como sinônimo de "inspeção rigorosa" -- pois as pessoas estranhamente confiam cegamente no estado e em seus funcionários públicos --, os escroques garantiram uma vantagem no mercado. E por causa do estado.

Consequentemente, aqueles produtores honestos e que realmente se esforçaram para produzir carne de qualidade sofreram um "dumping": as carnes podres e mais baratas, chanceladas pelo estado, expulsaram do mercado as carnes boas e mais caras. Afinal, dado que ambas as carnes tinham exatamente o mesmo selo de qualidade, por que não ficar com a mais barata e famosa?

Vale ressaltar o óbvio: o Ministério da Pesca e Agricultura (no caso, suas superintendências regionais) detém o monopólio das certificações e credenciamentos. Os vigaristas prosperaram no mercado justamente porque gozavam do selo de qualidade do órgão estatal. Eles apresentavam o selo e seus produtos eram logo aceitos.

Ao passo que, em um mercado livre e concorrencial, os produtos de maior qualidade se estabelecem, em um mercado regulado e controlado pelo governo, só se estabelece quem tem mais poder de propina.

Regulação privada e concorrencial

Caso houvesse uma regulação genuinamente concorrencial, na qual certificadoras privadas -- concorrendo entre si e batalhando por sua reputação -- fossem as responsáveis por inspecionar a qualidade das carnes, alguém consegue imaginar o que ocorreria com uma certificadora que fosse flagrada em suborno? Quais as chances de ela estar operando hoje no mercado? Qual empresa séria iria querer ostentar seu selo?

E, caso você pense que isso é utopia, saiba que tal arranjo já existe. Ele está ao seu lado agora, neste momento. Pegue algum produto elétrico ou algum eletrodoméstico em sua casa e você encontrará um selo ou da UL (Underwriters Laboratories) ou da CSA, ou da ETL

A UL, a mais famosa delas, é uma certificadora privada e independente fundada em 1894, e que certifica cerca de 20.000 produtos diferentes -- eles emitem 20 bilhões de selos por ano.

Assim como suas outras concorrentes, estes selos privados têm credibilidade, pois competem no mercado e dependem de sua reputação para sobreviver.  Uma vida perdida por conta de um produto mal-testado pode significar sua falência. 

Já o "selo do rei" não tem credibilidade, pois não compete no mercado. Mas tem monopólio e, por isso, sua baixa reputação não o faz perder clientes. 

No caso do Ministério da Agricultura, como se trata de um órgão estatal e monopolista, não apenas ele continuará firme no mercado, distribuindo atestados de qualidade por aí a fora, como também tornará mais difícil a vida de empreendedores honestos. Afinal, por que continuar confiando em um órgão estatal monopolista que distribui selos igualmente para honestos e para escroques, sem seguir nenhum critério de mercado e, exatamente por isto, sem se preocupar com as consequências de suas atitudes? 

Um órgão estatal monopolista não opera seguindo o mecanismo de lucros e prejuízos que apenas o mercado impõe, o que significa que ele não possui nenhum incentivo para ser criterioso. Errando ou acertando, sua reserva de mercado continuará intacta, assim como o polpudo salário de seus burocratas. Quem ostenta o selo do Ministério da Agricultura não traz consigo garantia alguma de ser idôneo. E um selo concedido a vigaristas não gera nenhuma punição para o órgão estatal.

Anti-concorrência

No entanto, o objetivo do Ministério da Agricultura, bem como o de qualquer agência reguladora, sempre foi um só: proteger os poderosos e já estabelecidos, dificultando o empreendedorismo dos menos financeiramente capacitados. Esta notícia foi apenas mais um exemplo prático do inexaurível conluio entre a burocracia estatal e os grandes interesses econômicos com o intuito de garantir fatias de mercado para alguns poucos privilegiados. 

Para quem discorda e sinceramente crê na benevolência estatal, fica a pergunta: se o estado está realmente interessado no bem-estar da população, então por que ele não permite a proliferação de certificadoras privadas concorrendo livremente no mercado? A oferta de serviços seria abundante, mais barata e mais rápida. Uma quantidade muito maior de produtos seria certificada.

Por que monopolizar e restringir este mercado essencial?  Pior ainda: por que restringi-lo apenas à supervisão de burocratas estatais, justamente as pessoas menos sensíveis às consequências de maus resultados?

Apenas imagine se fosse uma certificadora privada que houvesse feito essa lambança. O que aconteceria com ela? Haveria conserto para a sua reputação? Haveria apenas falência e cadeia. Uma certificadora privada que participasse deste conluio seria imediatamente denunciada por suas concorrentes, que estariam ávidas por sua quebra para então assumir sua fatia de mercado.

Conclusão

Essa notícia foi um duplo baque para os intervencionistas desenvolvimentistas.

Em primeiro lugar, um grande conglomerado empresarial surgido por meio de subsídios estatais do BNDES -- a trágica política lulista de criar "campeãs nacionais", a qual também se degenerou na derrocada da Oi -- foi flagrado vendendo carne adulterada.

Em segundo lugar, isso só foi possível porque a empresa anulou o pouco que restava da livre concorrência ao subornar os sacrossantos agentes fiscalizadores -- que estavam ali exatamente para "regular e humanizar o mercado" -- e com isso adquirir uma enorme vantagem no mercado.

Quem regula os reguladores? Quem pune empresas ruins que operam em um mercado protegido pelo governo?

O fato é que nunca haverá uma escolha entre regulação e ausência de regulação.  Sempre haverá uma escolha entre dois tipos de regulação: regulação feita por políticos e burocratas, ou regulação feita pelas forças do mercado. 

Sim, empreendedores salafrários existem aos montes. Só que, quanto mais livre e concorrencial for o mercado em que operam, mais restritas serão as chances de sucesso, e mais honestos eles serão forçados a ser. E eles terão de ser honestas por puro temor de que, uma vez descobertas suas trapaças, eles serão devoradas pela concorrência, podendo nunca mais recuperar sua fatia de mercado e indo a uma irrecuperável falência.

Por outro lado, quanto maior for a regulamentação governamental sobre um setor, mais incentivos existirão para a corrupção, para o suborno, para os favorecimentos e para os conchavos.  Em vez de se concentrar em oferecer bons produtos e superar seus concorrentes no mercado, as empresas mais poderosas poderão simplesmente se acertar com os burocratas responsáveis pelas regulamentações, oferecendo favores e, em troca, recebendo passes-livres -- e também proteções, como restrições e vigilâncias mais apertadas para a concorrência.

O que tudo isto demonstra irrevogavelmente é que, quanto mais tarefas você delega ao estado, quanto mais monopólios você permite que ele detenha, e quanto mais regulamentações você defende que ele imponha, mais os trapaceiros se aproveitarão. E você será o maior prejudicado.

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Leituras complementares:

IVC - 51 anos de regulação privada no Brasil

A bem-sucedida regulação privada

Precisamos falar sobre o "capitalismo de quadrilhas"

O estado agigantado gerou o estado oculto, que é quem realmente governa o país

Por que o livre mercado é o arranjo mais temido pelos grandes empresários

Sobre o autor

Leandro Roque

Leandro Roque é editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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