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Economia

Nesta Black Friday, aja como um genuíno capitalista: poupe e invista

Capitalismo não é sinônimo de consumismo; aliás, é o oposto

21/11/2017

Nesta Black Friday, aja como um genuíno capitalista: poupe e invista

Capitalismo não é sinônimo de consumismo; aliás, é o oposto

A Black Friday, que é a sexta-feira após a quarta quinta-feira do mês de novembro, é a data que inaugura oficialmente a temporada de compras natalinas nos EUA. Por tradição, trata-se de um evento em que o comércio varejista concede grandes descontos de preços aos consumidores.

Como tantas outras tradições norte-americanas, esta também acabou se expandindo pelo mundo e se tornou também um costume em vários países da Europa e da América Latina, motivo pelo qual vários estabelecimentos comerciais estão hoje, ao redor do mundo, oferecendo bons descontos na maioria de seus produtos.

Para muitos -- especialmente na esquerda -- esta nova "moda" é condenável por dois motivos. Primeiro, porque se trata de uma conquista do "imperialismo cultural ianque"; segundo, porque seria uma manifestação que acentua as manifestações mais exacerbadas do espírito capitalista, isto é, o consumismo desenfreado feito à base de um endividamento desnecessário e perigoso.

A primeira crítica é fraca e descabida. Toda e qualquer cultura é fruto de uma evolução histórica, a qual foi afetada por inúmeras influências e miscigenações oriundas do exterior. Sendo assim, a importação de novas influências culturais que adicionem novas características à nossa cultura herdada não tem por que ser algo necessariamente negativo. Se somos produtos de uma evolução, não faz sentido querer que toda essa evolução histórica seja interrompida exatamente em nossa geração.

Já a segunda crítica consegue ser ainda pior, pois não apenas não há nenhum fundamento nela, como ainda inverte totalmente a realidade.

Capitalismo é o oposto de consumismo

Embora muitas pessoas acreditem que a força-motriz do capitalismo é o consumo (ou, mais ainda, o consumismo), tal ideia está fundamentalmente incorreta.

Sim, não há dúvidas de que o consumo é o propósito supremo de toda atividade humana de caráter produtivo, tanto em sociedades capitalistas quanto em sociedades não-capitalistas: as pessoas produzem para poder consumir; ninguém quer dedicar esforços e recursos para fabricar algo que não será utilizado no futuro.

Por isso, dado que tal prática ocorre em toda e qualquer sociedade, desde a tribal até as metropolitanas, não faz sentido dizer que a característica distintiva do capitalismo seja o consumo. Muito pelo contrário, a característica distintiva do capitalismo é direcionar a poupança dos cidadãos para investimentos produtivos. Em outras palavras, transformar poupança em capital.

Aqueles que crêem que o capitalismo se sustenta sobre o consumismo desconhecem a própria raiz da palavra "capitalismo". Capitalismo advém de capital. Capitalismo é acumulação de capital. E capital é aquela fatia do nosso patrimônio que aumenta a nossa riqueza futura. Capital é toda a riqueza acumulada -- que pertence a empresas ou a indivíduos -- e que é utilizada para o propósito de se auferir receitas e lucros futuros.

Capital, em suma, é aquilo que cria riqueza futura para nós mesmos e para o resto da sociedade.

Para acumular capital é necessário poupar. E para poupar é necessário restringir o consumo.

Sendo assim, qual o sentido de dizer que um sistema -- o capitalismo -- cuja própria existência depende da virtude da poupança e do não-consumo só pode sobreviver e prosperar quando se consome maciçamente?

O capitalismo não depende do consumo, mas sim da poupança. Uma sociedade que consome 100% da sua renda será uma sociedade nada capitalista. Não haveria um único bem de capital existente: não haveria moradias, não haveria fábricas, não haveria infraestruturas, não haveria meios de transporte, não haveria maquinários, não haveria escritórios e imóveis comerciais, não haveria laboratórios, não haveria cientistas, não haveria arquitetos, não haveria universidades, não haveria nada.

Simplesmente, todos os indivíduos estariam permanentemente ocupados produzindo bens de consumo básicos -- comidas e vestes -- e não dedicariam nem um segundo para a produção de bens de capital, que são investimentos de longo prazo que geram bens futuros. Por definição, se uma sociedade consome 100% da sua renda, ela não produz nenhum outro bem que não seja de consumo imediato.

É a poupança, é o não desejo de consumir tudo o que se pode, o que nos permite direcionar nossos esforços para satisfazer não os nossos desejos mais imediatos, mas sim nossas necessidades futuras: com a poupança, produzimos bens de capital que irão, por sua vez, fabricar os bens de consumo de que podemos necessitar no futuro.

A lição de Crusoé

A diferença entre o Robinson Crusoé pobre e o Robinson Crusoé rico é que o rico dispõe de bens de capital.  E para ter esses bens de capital, ele teve de poupar e investir.  

Os bens de capital do Robinson Crusoé rico (por exemplo, uma rede e uma vara de pescar, construídas com bens que ele demorou, digamos, 5 dias para produzir) foram obtidos porque ele poupou (absteve-se do consumo) e, por meio de seu trabalho, transformou os recursos que ele não havia consumido em bens de capital.  Estes bens de capital permitiram ao Robinson Crusoé rico produzir bens de consumo (pescar peixes e colher frutas) e com isso seguir vivendo cada vez melhor.

Já o Robinson Crusoé pobre é aquele que não poupa. Consequentemente, ele não dispõe de bens de capital. Logo, todo o seu trabalho é feito à mão. Por isso, ele é menos produtivo. E, por produzir menos e ter menos bens à sua disposição, ele é mais pobre e seu padrão de vida é mais baixo.

O Robinson Crusoé rico é mais produtivo.  E, por ser mais produtivo, não apenas ele pode descansar mais, como também pode poupar mais, o que irá lhe permitir acumular ainda mais bens de capital e consequentemente aumentar ainda mais a sua produtividade no futuro. 

Já o Robinson Crusoé pobre consome tudo o que produz. Ele não tem outra opção.  Como ele não é produtivo, ele não pode se dar ao luxo de descansar e poupar. Essa ausência de poupança compromete suas chances de aumentar seu padrão de vida no futuro.

Por tudo isso, sociedades ultra-consumistas são necessariamente sociedades de subsistência. Uma tribo africana consome 100% de sua produção (renda). Como não consegue poupar, não consegue acumular capital. Sem capital acumulado, não consegue aumentar sua produtividade. Sem aumento de produtividade, não sai da pobreza. Nada é mais anti-capitalista que uma sociedade ultra-consumista.

O que fazer na Black Friday

O poupador-rentista da sociedade vitoriana é um personagem muito mais tipicamente capitalista do que o consumista impulsivo e desenfreado da Black Friday. Quem enriquece é aquele que poupa e financia o consumo dos outros (em troca de juros) e não aquele que consome e se endivida.

Por isso, quem critica esta data por ser um monumento ao "capitalismo selvagem" está, na realidade, batendo em um espantalho. Que o capitalismo respeite estratégias comerciais e comportamentos consumistas individuais -- isto é, que respeite que cada loja escolha quando oferecer descontos e que cada indivíduo escolha livremente quanto quer consumir hoje e quanto quer consumir amanhã -- não implica que isso seja a característica precípua do capitalismo.

Com efeito, muito mais capitalista seria você capitalizar o eventual gasto que estivesse planejando fazer na Black Friday: ou seja, não consumir este dinheiro (poupá-lo) e aplicá-lo em investimentos que irão aumentar sua riqueza futura.

Por exemplo, destiná-lo à compra de ações daquelas empresas que fabricam e vendem os produtos da Black Friday. Ou de quaisquer outras empresas que você creia que possam contribuir para melhorar o futuro do país. Ou aplicar em LCAs para financiar o produtor rural. Ou, caso prefira, você pode também financiar o consumo alheio. Invista em LCIs para ajudar quem optou pela casa própria. Ou em LCs (Letras de Câmbio) para financiar as financeiras que emprestam para consumidores. Ou em CDBs de bancos para ser o credor deles.

Em suma, seja aquele que financia e não aquele que se endivida. Seja aquele que poupa e capitaliza, e não aquele que consome e se descapitaliza. Seja, enfim, o capitalista.

Capitalismo é poupança e investimento visando a melhorar nossa renda -- e nossa capacidade de consumo sustentável -- no longo prazo. Capitalismo não é consumismo desbragado, voltado para o curto prazo e financiado por endividamento. Capitalismo é austeridade, e não esbanjamento público ou privado.

Conclusão

Para ser bem claro: respeitemos as pessoas que, por livre e espontânea vontade, optaram por sair comprando desbragadamente produtos de todos os tipos e variedades. Estão em seu perfeito direito de fazê-lo. Agora, que não digam que tal comportamento representa a apoteose do capitalismo. Não é: capitalismo é poupança e investimento. Capitalismo é acumulação de capital, e não consumo de capital.

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Sobre o autor

Juan Ramón Rallo

É diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.

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