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Como as políticas keynesianas do governo mutilaram a economia do Japão

E como a trágica situação demográfica está piorando tudo

22/09/2016

Como as políticas keynesianas do governo mutilaram a economia do Japão

E como a trágica situação demográfica está piorando tudo

A maior tragédia da crise financeira de 2008-2009 não foi o fato de ela ter acontecido.  O colapso dos preços dos ativos -- após terem sido inflados por quase uma década de políticas de crédito farto e barato impulsionadas pelos Bancos Centrais mundiais -- era inevitável.  Não, o mais devastador aspecto da crise financeira que, apesar de tê-la causado, a alquimia do planejamento central praticamente não perdeu nenhuma credibilidade.

Políticos e planejadores econômicos ao redor do mundo ainda estão recorrendo aos intervencionismos de cunho keynesiano e socialista para resolver problemas criados por keynesianos e socialistas.  Políticas monetárias exóticas implantadas pelos Bancos Centrais em conjunto com os quase ilimitados poderes fiscais dos governos criaram uma distorção tão grande nos mercados financeiros globais (de novo), que algumas economias estão hoje em estado de catalepsia.

A mais fragorosa vítima dos intervencionistas e microgerenciadores é o Japão.  Outrora uma nação genuinamente produtiva e inovadora, sua economia foi, ao longo dos anos, lentamente sucumbindo à putrefação do câncer intervencionista.

A derrota do país na Segunda Guerra Mundial legou ao mundo uma estéril ilha rochosa cuja infraestrutura, capacidade industrial e força de trabalho haviam sido devastadas pelos bombardeios das forças aliadas.  As cidades japonesas em ruínas e suas fábricas destruídas e em chamas indicavam um futuro dantesco.  Porém, o Japão tinha aquele fator crucial: uma população amplamente livre para se organizar e se reconstruir. 

Os militares americanos e o que restou das autoridades centrais japonesas tentaram liderar a reconstrução do Japão por meio do processo político, mas as linhas de comunicação e a infraestrutura de transporte estavam tão destruídas, que vários centros populacionais distantes de Tóquio foram deixados relativamente livres para se reconstruir.

À época, o governo japonês se limitou apenas a manter suas finanças em ordem.  Não houve qualquer tipo de planejamento ou política industrial.  O trabalho duro, a poupança e o grande espírito empreendedor de seu povo fizeram com que o país logo se reerguesse. O boom econômico que se seguiu catapultou o padrão de vida do Japão a um nível igual ao da maioria dos países ocidentais. 

Esse crescimento explosivo, descrito como "milagre", nada tinha de sobrenatural.  A recém-descoberta prosperidade do Japão era simplesmente o que ocorre quando os mercados são deixados livres para funcionar e as pessoas são deixadas livres para empreender. 

Infelizmente, os planejadores centrais do governo, em conluio com seus comparsas no setor bancário, não conseguiram resistir ao impulso natural para a adoção de um "intervencionismo esclarecido".  Se há algo que as elites políticas odeiam é ver pessoas livres tomando decisões voluntárias sem obedecer a éditos do comando central.

O planejamento central transformou as corporações japonesas em rainhas do assistencialismo

Aqueles que já atingiram uma determinada idade certamente devem se lembrar de que, no final da década de 1980 e início da década de 1990, era dado como certo que o Japão estava dominando o mundo economicamente.  Os melhores e mais desejados carros eram japoneses.  Seus videogames eram onipresentes.  Todos os países desenvolvidos utilizavam tecnologia japonesa em tudo.

Os japoneses estavam destinados a conquistar o mundo, era o que diziam.  Eles sabiam como trabalhar em equipe.  Eles colocavam mais ênfase no grupo do que no indivíduo.  Eles trabalhavam mais duro.  Em 1992, um político japonês do alto escalão, Yoshio Sakurauchi, declarou que os americanos eram "preguiçosos demais" para competir com os trabalhadores japoneses, e que um terço dos trabalhadores americanos "não sabia nem ler".  O livro de Michael Crichton, Sol Nascente, lançado em 1992 (e que virou filme em 1993, com Sean Connery e Wesley Snipes) estimulou ainda mais essas controvérsias na mente dos americanos.

[N. do E.: Em específico, os filmes de Hollywood do período 1987-1993 se referiam continuamente ao "inevitável domínio japonês". Além de "Sol Nascente", houve também "Chuva Negra", com Michael Douglas e Andy Garcia. E "Duro de Matar", em que a mulher do herói interpretado por Bruce Willis trabalhava na Nakatomi Corporation, cujo edifício-sede é atacado por terroristas que queriam o dinheiro dos japoneses.

Em Máquina Mortífera 2, há uma cena, logo no início, em que os protagonistas fazem uma referência jocosa ao fato de os equipamentos eletrônicos dos carros de polícia serem todos japoneses, o que implicava que os japoneses já estavam mandando em toda a polícia.

Em Robocop 3, uma empresa japonesa compra a OCP e os Robocops japoneses são samurais androids ultratecnológicos, ao estilo de Exterminador do Futuro.

Por fim, na segunda parte da trilogia De Volta para o Futuro, o chefe de Marty McFly, no então futurístico ano de 2015, era um japonês.  E, na terceira parte, há esse interessante diálogo entre Marty e o Dr. Brown:

Doc Brown: "Por isso [o produto] estragou.  Aqui diz 'Fabricado no Japão'."
Marty: "Como assim? Tudo que é bom é feito no Japão."
Doc: "Inacreditável..."]

Atualmente, ninguém mais pensa que os japoneses estão dominando o mundo.  O que aconteceu é que a supostamente robusta e inquebrantável economia japonesa era fundamentada menos em trabalho duro e em equipe e mais em planejamento centralizado, crédito farto e barato, subsídios às grandes corporações, e protecionismo às gigantes de vários setores.  Por isso, quando a economia japonesa se estagnou após uma década de forte crescimento, tal fenômeno não deveria ter surpreendido ninguém versado na teoria dos ciclos econômicos.

Começando na década de 1980 e se intensificando a partir de 1990, os planejadores centrais impuseram variados (e burlescos) esquemas anti-mercado sobre a economia japonesa, os quais permanecem intactos até hoje. 

Legisladores blindaram a enorme base industrial do Japão contra a concorrência externa por meio de tarifas protecionistas e subsídios às exportações.  As relações entre governo e grandes corporações tornaram-se explícitas e desavergonhadas.  A economia japonesa passou a ser dominada por grandes corporações ligadas umbilicalmente ao governo -- entidades essas conhecidas anteriormente como zaibatsu e hoje como keiretsu.

Com uma economia voltada a conceder privilégios estatais para as grandes corporações, alguém tem de pagar a conta.  E sobrou para os pequenos.  As nascentes e pequenas indústrias japonesas passaram a ser pesadamente sobrecarregadas por onerosas regulamentações e impostos -- isso tornou praticamente impossível start-ups saírem do papel e apresentar algum desafio aos grandes conglomerados já estabelecidos e às fatias de mercado que eles dominam.

Como se não bastasse, os exportadores foram ainda mais afagados pelo Banco Central do Japão (BoJ).  Desde o início da década de 1990, o BoJ vem fervorosamente tentando desvalorizar o iene, por meio das mais exóticas políticas monetárias: após manter a taxa básica de juros em zero por mais de duas décadas, agora elas entraram no terreno negativo.  Uma moeda barata significa lucros artificialmente altos para as empresas que exportam bens e custos artificialmente altos para as empresas que importam bens.  Afinal, nenhum esquema governamental poderia corretamente ser chamado de "esquema" se não envolvesse privilégios a uns à custa direta de outros. 

Ainda mais pitoresco: o BoJ é hoje um dos grandes acionistas em mais de 90% das empresas no Nikkei 225. Só na Mitsumi Electric, o BoJ detém mais de 11% das ações.

Os efeitos destrutivos dessas políticas erodiram maciçamente a produtividade japonesa nas últimas décadas.

Como ocorre em todas as economias industrializadas em que há um estado poderoso e um Banco Central igualmente ativo, as maiores corporações japonesas se transformaram em braços do estado.  Montadoras, transportadoras e vários outros produtores adotam todas as políticas trabalhistas e indústrias ordenadas pelo governo e, em troca, conseguem acesso direto a políticos, a linhas de crédito subsidiados por impostos, à criação de legislações anti-concorrenciais e protecionistas, a lucros garantidos e a pacotes de socorro.  Empresas japonesas (particularmente indústrias) já estão profundamente arraigadas no sistema e são amplamente imunes a todos os tipos de concorrência doméstica e estrangeira.  O protecionismo estatal transformou empresas nipônicas outrora produtivas e inovadoras em mamutes lentos, onerosos e artríticos.

Os poucos setores realmente produtivos que restaram foram forçosamente encolhidos pela onerosa carga tributária necessária para subsidiar as parasíticas grandes corporações que se aglomeram em volta das tetas do intumescido aparato estatal japonês.

O resultado é que, hoje, as empresas japonesas estão se tornando cada vez menos competitivas no mercado global, o qual está aberto à entrada de empresas dinâmicas da Austrália, da Nova Zelândia, de Cingapura, de Hong Kong e de outras economias mais voltadas para o mercado.  Honda e Toyota, de indiscutível qualidade técnica, continuam indo bem, mas majoritariamente por causa de suas operações em outros países.

Alquimia keynesiana no Japão

A espiral de morte do Japão começou, mais especificamente, há quase três décadas.  De 1971 a 1986, o valor do iene praticamente dobrou em termos de dólares americanos.  Consequentemente, o gigantesco e poderoso setor exportador japonês começou a reclamar, simplesmente porque as exportações haviam parado de crescer

E então, empresários com grande influência política descobriram que seria muito mais fácil conseguir retornos maiores, não inovando ou cortando custos, mas sim pressionando a elite política e monetária a inundar o mercado com crédito farto e barato.  E assim o fizeram.  O BoJ e políticos míopes alegremente obedeceram às ordens e começaram a reduzir os juros (cortando a taxa básica pela metade em apenas um ano, para o então menor nível da história) e a expandir ainda mais o crédito.

O resultado foi uma bolha de proporções jamais vistas no Japão (e, muito provavelmente, no mundo).  O valor do terreno da cidade de Tóquio ultrapassou o valor de toda a terra dos Estados Unidos.  Em poucos anos, o índice Nikkei quadruplicou, o setor financeiro japonês hipertrofiou, assumindo o tamanho de um Godzilla.

A hiper-financeirização da economia é sempre um dos primeiros sinais de um tumor maligno gerado pelas políticas monetárias expansionistas de um Banco Central.  O surgimento de enormes bancos de investimento e de corretores operando derivativos multimilionários nos Estados Unidos correlacionou-se quase que exatamente com a abolição, por Richard Nixon, do que restava do padrão-ouro em 1971.  A loucura monetária do Japão resultou em corporações e famílias se endividando em níveis recordes.

Com a inflação ameaçando sair do controle, o governo reagiu apertando a política monetária, elevando por 5 vezes as taxas de juros, até chegar ao nível de 6% em 1989 e 1990. Após esses aumentos, o mercado entrou em colapso.  O índice Nikkei desabou mais de 80% -- estava em seu ápice de 40.000 pontos ao final de 1989 e foi para menos de 15.000 em 1992, e chegou a 9.000 em 2003.

Esse inevitável estouro da bolha foi verdadeiramente espetacular.  Os preços dos imóveis e dos terrenos desabaram.  Bancos tomaram seguidos calotes e ficaram com seus balancetes dizimados.  Protegidos pelo governo, eles hoje se mantêm como zumbis.  Não são liquidados, e também não têm capacidade de conceder crédito.  Quando economistas se referem à "década perdida" do Japão, eles na verdade estão se referindo à economia japonesa do pós-bolha.  O índice Nikkei e os preços dos ativos jamais se recuperaram, estando hoje apenas na metade do valor que alcançaram em 1990.  Quem entrou na bolsa de valores japonesa em 1990 tem hoje, após vinte e seis anos, apenas a metade (perda de 50%).

Desde então, juros zero, aumento de gastos e maciços (e esbanjadores) programas de obras públicas faraônicas (ao ponto de levar a dívida pública a incríveis 230% do PIB) já foram implantados para tentar reativar a economia (leia detalhes aqui).  E nada.

Keynesianos e outros intervencionistas fariam bem em estudar mais detidamente o exemplo japonês.  Os EUA e a Europa estão apostando nesta mesma alquimia keynesiana, aparentemente sem qualquer consideração para com a devastação que ela gerou no Japão -- uma nação que, nos últimos 30 anos, só faz se endividar, tributar e imprimir dinheiro para tentar voltar a crescer. 

O Japão é o último estágio do câncer keynesiano, e os economistas estrategistas políticos do resto do mundo fariam bem em estudar esse processo de metástase.

Demografia

Como se as lambanças políticas não fossem o suficiente, o Japão também está sofrendo um desastre demográfico. 

Após chegar ao ápice de 128 milhões de pessoas alguns anos atrás, a população japonesa está hoje encolhendo, e rapidamente começará a encolher a um ritmo de um milhão de pessoas por ano.

Um país que consome mais fraldas geriátricas do que fraldas para bebê é um país já condenado.  Há uma escassez tão grande de mão-de-obra jovem e qualificada no Japão, que o país começou a importar "estagiários" da China para trabalhar em suas indústrias.

Como também já acontece na Europa e nos EUA, os jovens entram em intermináveis cursos de graduação e pós-graduação, jamais se formando.  Com isso, ficam completamente alheios às reais habilidades exigidas pelo mercado de trabalho.  Os jovens adultos se mantêm quase que exclusivamente por meio de endividamento ou pelo consumo da poupança de seus pais. 

Formar e sustentar uma família é algo cada vez mais difícil para casais sem habilidades laborais e endividados (sem poupança), os quais provavelmente entrarão no mercado de trabalho pela primeira vez apenas quando tiverem mais de 25 anos de idade.

Cada vez menos pessoas (sem habilidades) trabalhando para sustentar cada vez mais inativos é um arranjo que matematicamente não fecha.

Mas não é tarde demais

Ainda assim, o Japão possui uma indiscutivelmente capacitada força de trabalho, uma já enorme base industrial (embora pouco acostumada à concorrência), e toda a infraestrutura necessária para se reafirmar como uma potencia comercial global.  A recuperação do Japão passa pelo corte de impostos, de gastos e de regulamentações, pela abolição de suas escandalosamente caras políticas mercantilistas, e pela facilitação da entrada de concorrentes estrangeiros e seus empregos no país.

O povo japonês tem de rejeitar os escroques e planejadores centrais cujas políticas estão sufocando esta grande nação.


Sobre o autor

Yonathan Amselem

É advogado voltado para a proteção de ativos.

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